Por Sergio Lamucci | De Nova York
Levy, ontem, em Nova York: investimento direto estrangeiro continua elevado
Em palestra a investidores em Nova York, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, se empenhou ontem em mostrar que o cumprimento da meta de superávit primário de 1,2% do PIB neste ano é factível, podendo ser atingida sem “cortes draconianos”. Ele acenou com a possibilidade de novas medidas para reforçar o ajuste fiscal, ressaltou o apoio da presidente Dilma Rousseff e disse estar “muito confiante” de que haverá o “apoio adequado” do Congresso.
Ao falar da atividade econômica, Levy disse que o país está numa trajetória mais lenta recentemente. “Todos nós lamentamos que o crescimento desacelerou, talvez no ano passado tenha sido até mesmo negativo, por causa de um grande declínio no investimento”, afirmou o ministro, destacando, porém, que as empresas continuam a investir em projetos de pequeno médio porte no país. No evento, os jornalistas entenderam que Levy havia dito que a variação do PIB poderia ser negativa neste ano, mas a assessoria de imprensa da Fazenda ligou aos jornais para corrigir a informação.
Num discurso de mais de uma hora, Levy também enfatizou que o objetivo é estabilizar a dívida bruta, evidenciando que a equipe econômica passou a dar mais importância a esse conceito do que ao endividamento líquido, que exclui ativos do governo, como as reservas internacionais. A dívida bruta subiu de 57,3% do PIB em dezembro de 2013 para 63,4% do PIB no fim de 2014.
Ao analisar a trajetória dos gastos, Levy disse que, nos últimos poucos anos, houve um aumento das despesas discricionárias – aquelas sobre os quais o governo tem maior controle. Segundo ele, aí há espaço para cortar. “Se você voltar em muitos casos aos níveis de gastos de dois anos atrás, em 2013, quando as pessoas estavam felizes, é possível voltar a trilha da meta de 1,2% do PIB sem muito problema”, disse ele. “Não é preciso fazer cortes draconianos ou algo do gênero.”
Levy tratou da redução expressiva do resultado primário em 2014, que ele chamou de “deslizamento”(slippage, em inglês) fiscal, algo que, segundo ele, está sendo corrigido. Ele reiterou que atingir a meta de 1,2% do PIB é um compromisso da presidente e uma responsabilidade dele e do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Na visão de muitos analistas, será uma tarefa complicada, porque houve um déficit primário de 0,6% do PIB em 2014.
O ministro disse que o governo tomou algumas medidas para atingir a meta e deve adotar outras, sem especificar quais. “Estou muito confiante de que vamos ter o apoio adequado nível de apoio do Congresso. Não é um assunto partidário. Todo mundo entende a importância de o Brasil voltar aos trilhos”, afirmou Levy.
O ministro lembrou das medidas já anunciadas para reduzir alguns gastos, como as mudanças no seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte. “São ajustes em questões específicas, mas não vão atingir a vida dos trabalhadores e famílias.” Notou ainda que os gastos com pessoal do governo se mantêm sob controle nos últimos anos. “Houve disciplina aí.”
Levy também falou sobre o ajuste feito pelo lado da receita, observando que o governo não “inventou” novos impostos. Houve elevação de tributos já existentes, como a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre os combustíveis. “Não estamos criando uma nova carga para o setor privado”, disse ele, acenando com a simplificação com tributos, como do PIS/Cofins.
De acordo com Levy, a mudança na orientação da política econômica se dá num cenário em que os EUA e a China também reverteram políticas anticíclicas. Os EUA, por exemplo, tiveram uma política fiscal mais apertada nos últimos dois ou três anos e o Federal Reserve (Fed, oBanco CENTRAL americano) encerrou em 2014 o programa de compra de ativos. A China, por sua vez, retira lentamente estímulos à economia, o que afeta os preços de commodities. “Quando dois de seus principais parceiros revertem políticas anticíclicas, é melhor fazer o mesmo.”
Levy também analisou o crescimento da dívida bruta brasileira, observando que parte da alta ocorreu pela acumulação de ativos, como as reservas e os empréstimos aos bancos públicos. “Um quarto da dívida bruta é apoiada por reservas”, afirmou, notando que o endividamento também cresceu em outros países, como Rússia e África do Sul. “Não estou fingindo que não deve haver preocupação com a questão fiscal. Devemos ser cautelosos, porque temos uma grande conta de juros, mas temos que levar em conta esses detalhes.”
Num slide de sua apresentação, Levy destacou que “os empréstimos adicionais do Tesouro ao BNDES não são mais um instrumento de política”. Ao tratar da Petrobras, disse que está muito confiante que a empresa vai superar os problemas relacionados a sua contabilidade e ressaltou o bom desempenho operacional da empresa, assim como o fato de que os campos de petróleo do pré-sal têm se mostrado mais produtivos do que se esperava.
Ao falar do crescimento, Levy disse lamentar a recente desaceleração da economia, mas procurou apontar pontos positivos. Enfatizou que “empresas de todos os lugares do mundo abrem plantas no Brasil”, e lembrou que o fluxo de investimentos estrangeiros diretos continua muito elevado – nesta década, ele é o dobro do registrado nos anos 2000, tendo também a função de cobrir boa parte do déficit em conta corrente. É importante manter um ambiente que continue a atrair esses recursos, segundo Levy, que também destacou o papel do setor privado no investimento, tanto doméstico como externo.
O ministro encerrou a apresentação num tom mais positivo. Afirmou que 2015 será um ano de desafios, mas que o governo trabalha para que 2016 seja um ano de crescimento e otimismo. Segundo ele, se houver estabilidade fiscal e um arranjo macroeconômico estável, o país voltará à trajetória de expansão, com o setor privado encontrando oportunidades de negócios.
Levy falou rapidamente sobre o setor elétrico. Disse que houve um forte aumento do consumo nos últimos cinco anos, especialmente o residencial, e que, com algum esforço é possível estabilizá-lo, sem recorrer a situações radicais, num quadro em que a oferta de energia ainda tem crescido.
Após o encontro, Levy se reuniu com representantes da agência de classificação de risco Moody”s, que rebaixou a perspectiva do rating brasileiro no ano passado de neutra para negativa.
Levy participou de evento promovido pela Americas Society e pelo Conselho das Américas, em parceria com a Brazil Investimentos & Negócios (Brain) e a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Ele falou a um grupo de 185 investidores e empresários.
Fonte: Valor Econômico