Considerado um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que completou ontem 15 anos, o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV, afirma que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, está numa “saia justa” por não poder explicar a situação das contas públicas sem comprometer politicamente a presidente Dilma Rousseff e ex-integrantes do governo federal. Afonso também critica o personalismo e defende mudanças nas regras – como a fixação de limite de endividamento para a União.
O economista diz que o gasto da Previdência neste ano “está explodindo”, com um aumento de 8%, embora o número de aposentadorias tenha crescido por volta de 3% e o salário mínimo tenha tido cerca de 2% de aumento real. A saia justa de Levy seria a de mostrar que, de fato, o ministro está cumprindo sua palavra de fazer o ajuste fiscal ao mesmo tempo em que evita reconhecer manobras anteriores do governo para mascarar resultados ruins das contas públicas. “Ele [Levy] não pode chegar e dizer: [o déficit] está caindo, mas é que, no ano passado, ele era maior [do que foi divulgado]”, disse ao Valor, depois de participar de seminário sobre os 15 anos da LRF, organizado pelo Conselho Regional de Contabilidade do Rio de Janeiro.
Para Afonso, o problema não são os resultados deste ano. “O que a gente acha, e isso o TCU [Tribunal de Contas da União] ainda não pegou, é que parte da despesa da Previdência foi paga também por bancos, inclusive privados”, afirma o economista.
Entre as manobras utilizadas pelo governo no ano passado, para obter resultado primário menos desfavorável, destaca-se o pagamento de despesas do Tesouro por bancos públicos. Tal expediente é proibido pela LRF.
O pesquisador defende que Joaquim Levy deveria seguir o estabelecido pelo TCU e republicar a série de resultados primários, corrigindo a base de dados. “Só que aí eles estão com medo de que, ao republicar, isso oficialize a pedalada [manobra], e que Arno [Augustin, ex-secretário do Tesouro Nacional] e companhia fiquem mais passíveis, no mínimo, de uma acusação. Não é só uma decisão política, mas [de consequência] judicial – e reforça a coisa [tese de impeachment] contra a Dilma”, afirma.
Apesar desse risco político, ele argumenta que a republicação da série poderia ajudar Levy e facilitar a comprovação de que o esforço de ajuste fiscal já tem funcionado. O economista lembra que a manobra de reduzir despesas artificialmente se concentrou principalmente no início de 2014, o que pode prejudicar a análise dos resultados deste começo de 2015. “Por isso é que não sabemos qual é o gasto”, afirma.
Em referência à entrevista recente de Levy sobre a LRF – na qual o ministro defendeu que um avanço para a efetividade da lei seria a avaliação da qualidade do gasto -, Afonso prefere apontar deficiências que impedem que o espírito da LRF seja cumprido. “Acho [a avaliação da qualidade] um luxo. O problema é dizer qual é a quantidade de gasto. Até confio que o gasto que está sendo contado hoje é o real. Mas como avaliar, se cresceu ou caiu, se eu não sei o que aconteceu?”, questiona.
Momentos antes, em palestra, o economista defendera aperfeiçoamentos seja porque preceitos da lei não funcionaram bem, seja por questões não contempladas ou por normas que ainda não foram implantadas – a principal delas a ausência de um limite de gastos ao governo federal. “Estados e municípios estão fazendo um ajuste violento em poucos meses, três vezes maior do que o que já foi feito pela União”, afirma. Em 2014, aponta Afonso, a média de endividamento numa amostra de 1.758 municípios foi de 38% da receita corrente líquida, sendo que 998 tinham mais dinheiro em caixa do que dívida. “Isso mostra que quem tem limite se apertou, e quem não tem, como a União, se deteriorou”, diz.
Para o pesquisador, é preciso impor limite à União. O projeto que trata do assunto há anos vinha sendo relatado por governistas no Senado. Agora, foi retomado por um oposicionista, o senador José Serra (PSDB-SP). Afonso destaca que mudanças nas regras são mais importantes que o personalismo. E lamenta que Levy ainda não tenha mudado a contabilidade do regime de caixa para o de competência. “Temos que perder a mania, neste país, de fazer a coisa de forma personalista, eu estou aqui, eu sou o bom. Tem que mudar regra, não adianta”, diz.
Fonte: Valor Econômico