Mercado tenta decifrar discurso do BC

    Depois de um período recente em que a comunicação do Banco Central parecia indicar uma extensão do ciclo de aperto monetário, alguns agentes de mercado começaram a ver uma mudança sutil no discurso do BC, no que poderia ser o início da preparação para o fim do ciclo de alta de juros. 

    Essa percepção ainda está longe de ser consenso. Mas, de toda forma, chama atenção o fato de até pouco tempo esse elemento não estar presente nos debates nas mesas de operação. Isso demonstra, segundo analistas, um mercado com sensibilidade “à flor da pele” aos sinais do Banco Central, que, embora mais claros, ainda sofrem com um histórico de instabilidade na comunicação. 

    Na avaliação do gestor de multimercados da JPP Capital, Joaquim Kokudai, os ruídos em torno da comunicação do BC parecem ser fruto de um mercado que opera na expectativa de uma mudança iminente de discurso por parte da autoridade monetária. E essa sensibilidade fica ainda mais destacada porque os investidores ainda estão em processo de absorção da mudança recente do discurso para uma linha mais “hawkish” (voltada para o aperto monetário), processo esse que ainda estaria incompleto. 

    Para o gestor da JPP Capital, uma das maiores dificuldades do mercado agora é absorver as mudanças de discurso de um BC tradicionalmente “dovish” (mais inclinado ao afrouxamento monetário), que recentemente assumiu um tom bastante duro contra a inflação, mas que agora já parece a caminho de iniciar o processo de ajuste nesse discurso. “Essa combinação anormal de fatores gera muita apreensão e abre espaço para esse tipo de confusão de entendimento das falas do BC.” 

    Esse cenário tem ajudado a sustentar os prêmios na curva de juros. Nas operações de ontem na BM&F, os juros futuros encerraram em alta, com os investidores recompondo parte dos prêmios após a queda verificada na terça-feira, diante das persistentes incertezas sobre o ajuste fiscal. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2016 subiu de 13,72% para 13,77%, enquanto o DI para janeiro de 2017 avançou de 13,28% para 13,33%. Os juros ignoraram o alívio no mercado de câmbio, onde o dólar fechou em queda de 0,17%, a R$ 3,1437, acompanhando o exterior. 

    O evento que fez voltar à tona o debate em relação à comunicação do BC foi o discurso do presidente da autoridade monetária, Alexandre Tombini, em audiência pública na terça-feira na Comissão Mista do Orçamento (CMO) do Congresso Nacional. Tombini afirmou que se faz necessário que a política monetária se mantenha “vigilante”. Alguns agentes viram uma mudança em relação à expressão citada por Tombini no discurso no Seminário de Metas de Inflação, no dia 22 de maio, em que reiterou que a política monetária “foi, está e continuará vigilante”. 

    Isso foi o suficiente para alguns agentes passarem a interpretar que o BC está começando a dar indicações sobre o fim da alta dos juros, em meio a sinais de deterioração mais acentuada na atividade econômica. Para outros agentes, contudo, Tombini manteve o tom firme, e o fato de ter reafirmado o compromisso de colocar o IPCA no centro da meta em 2016 mostra que as altas de juros tendem a continuar. 

    Kokudai diz não ter notado “muita diferença” nos comentários de Tombini na terça-feira, mas admite que houve margem para interpretações de um BC menos “hawkish”. Para o gestor, não é fácil fazer essa leitura tão claramente, devido ao histórico dos discursos do BC nos últimos anos. 

    Para Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, a expressão “foi, está e será vigilante” que o BC costumava usar dá a ideia de que está em processo de aperto. Ao destacar que “se faz necessário que a política monetária se mantenha vigilante”, o BC se refere, na visão de Kawall, a uma ação específica para a próxima reunião. “O importante agora é ele mostrar que será perseverante e ele deve mostrar uma mudança no discurso em breve”, diz.

     

    Fonte: Valor Econômico

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