Clareza sobre a necessidade de mais disciplina fiscal, sólidos conhecimentos técnicos e experiência pública são características comuns a dois dos fortes candidatos a ocupar o Ministério da Fazenda num eventual governo Temer. José Serra, senador pelo PSDB, e Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central, hoje no comando do Banco Original, atendem a muitos dos requisitos esperados do comandante da equipe econômica. Mas, ao menos na saída, a balança do mercado financeiro ainda pende favoravelmente para Meirelles.
Embora Serra seja reconhecidamente um “fiscalista” e com um preciso diagnóstico da atual crise do país, seu discurso é visto como desenvolvimentista, com um viés de maior intervenção nas políticas monetária e cambial. A confirmação do seu nome poderia, portanto, gerar uma reação imediata nos mercados. “Com o Serra, certamente a curva de juros será mais ´empinada´ [com taxas de curto prazo bem mais baixas do que as de longo prazo]
, pois a Selic deve cair no curtíssimo prazo. Já o câmbio deve se depreciar mais”, afirma um experiente economista, que prefere não ser identificado.
Recentemente, em sessões da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado com a participação de o presidente do BC, Alexandre Tombini, Serra defendeu a necessidade de redução de juros por haver um quadro de “dominância fiscal”. O risco, na visão dos analistas, é que, ao agir para entregar um fiscal mais equilibrado, Serra corte os juros antes da hora. O senador também criticou diversas vezes a decisão do BC de Meirelles ter subido a taxa de juros em 2008, logo após a crise internacional detonada pela quebra do Lehman Brothers e chegou a dizer que Meirelles foi o “pior presidente do Banco Central do mundo.”
A leitura dos agentes de mercado, entretanto, é que Meirelles conseguiu consolidar os regimes de câmbio flutuante e de metas de inflação, contribuindo para a construção da credibilidade do então governo Lula. “A expectativa é que ele faça o mesmo tipo de política que deu certo a partir de 2003: medidas fiscais concretas e um Banco Central duro”, diz outro economista.
O câmbio é outro ponto de insegurança sobre Serra. O senador defende um real menos valorizado em relação ao dólar, como forma de garantir competitividade à indústria. Mas já se manifestou de forma contrária, também em sessões da CAE, à utilização dos contratos de swap cambiais. O receio é que ele considere a compra de dólares no mercado à vista e que, à medida que essa atuação se mostre insuficiente, acabe optando por medidas mais heterodoxas, como a restrição ao capital externo.
Meirelles tem experiência quase que exclusiva no setor financeiro – o que, para alguns, soa algo restritivo. Antes de presidir o BC, fez carreira no BankBoston, chegando ao cargo de presidente mundial da instituição, e defende uma linha mais liberal de condução das políticas monetária e cambial. Espera-se dele a escolha de um nome forte para o Banco Central, possivelmente alguém que tenha ocupado alguma diretoria da instituição à época em que ele foi presidente. O BC, nesse cenário, teria ampla autonomia para definir o rumo da taxa de juros e também para permitir a livre flutuação da taxa de câmbio – sem preocupação com o quanto a moeda americana pode vir a afetar a inflação ou a indústria, tema caro a Serra.
“É natural que o Meirelles encontre alguém que tenha sido treinado no exterior, com passagem pelo mercado e com experiência no Banco Central para assumir a autoridade monetária”, afirma um gestor próximo ao ex-BC. “Diferentemente do Serra, ele teria mais facilidade em montar uma equipe de primeira linha.”
Economista de uma grande gestora de São Paulo vê na experiência de Serra pontos a favor da escolha de seu nome. “É um senador muito ativo, com agenda enorme, incansável, com uma clareza sobre disciplina fiscal”, diz. Prova disso é que Serra está à frente hoje de pelo menos dois projetos polêmicos, com potencial de mudanças importantes: o que propõe limites à dívida consolidada da União, nos moldes do que já acontece com Estados e municípios; e o que retira da Petrobras o papel de operadora única na exploração do pré-sal.
A questão, diz essa economista, é que Serra tem uma agenda mais alinhada às ideias desenvolvimentistas, em um momento em que essa agenda tornou-se tóxica. “Esteja essa agenda certa ou errada, o fato é que, hoje, não há espaço para ela. O país precisa de alguém mais liberal”, acrescenta. O risco, diz essa profissional, é que o tucano esteja mais “sensível a demandas setoriais”, que possam vir a ser atendidas via BNDES ou Banco do Brasil.
Economista que pertence ao círculo mais próximo de Temer também enxerga vantagens de Meirelles sobre Serra, como uma exposição internacional mais forte e o desempenho como presidente de BC “crível” e que amealhou “respeito”. Por ser um monetarista, diz essa fonte, Meirelles sabe que é no descontrole do orçamento público que mora o “perigo” da política monetária. Para esse economista, embora Meirelles tenha ambição e qualificação, falta a ele o caminho das pedras para negociar com os parlamentares medidas econômicas. “Serra tem convivência com os parlamentares de anos. E é um nome respeitado lá dentro, assim como no meio empresarial industrial. É um grande negociador.”
O economista próximo de Temer vê em Serra, porém, o que chama de “resquícios da escola cepalina”, cujo foco é o Estado como vetor do crescimento. Serra teria ainda, por sua formação econômica, dificuldades de entender a importância dos acordos multilaterais de comércio para o crescimento econômico. “Meirelles seria muito mais voltado ao papel do mercado, do qual o Estado dependeria, e eu concordo mais com essa visão.”
Sob o aspecto técnico, portanto, Serra, que já foi ministro do Planejamento, da Saúde, governador de São Paulo e também prefeito da capital paulista, sairia na frente, diz um economista que tende a se alinhar às posições do tucano. O temperamento difícil – traço pessoal não contestado nem mesmo por pessoas mais próximas – não impediria que Serra coordenasse de maneira hábil as necessidades da política econômica e as exigências políticas, desde que lhe seja dado o controle sobre o conjunto da área econômica. “Se não, não dá certo.”
Sobre o maior temor do mercado – o de que Serra interfira de modo mais incisivo na dinâmica dos juros – esse economista diz que esse desejo será sempre combinado com a perspectiva de um melhor desempenho fiscal. “Até porque ele precisa dar sinais ao mercado de que vai ser assim”, diz. “Serra é um fiscalista”, reforça.
Já o mercado não pensa, reage, diz esse economista a respeito da melhor avaliação do ex-presidente do BC. Assim, enquanto Meirelles responderia muito mais às opiniões de curto prazo do mercado, diz esse economista, Serra e seus anos de experiência, inclusive com o Plano Real, teria uma visão mais abrangente.
Além da preocupação fiscal, os economistas enxergam ainda outro ponto comum entre Serra e Meirelles, este negativo: a ambição política. “Ambos têm capa de presidenciável, e isso atrapalha”, diz a economista de uma gestora paulista.
“Se ficar escancarado que o ministro da Fazenda tem pretensão para 2018, então isso pode atrapalhar muito o processo. Não se pode ter agenda paralela”. Se esse elemento ficar de fora, ambos têm condição de exercer a função. “Meirelles é respeitado, mas não é uma unanimidade. Já Serra pode não ser o preferido, mas o mercado não deverá puni-lo”, resume.
Fonte: Valor Econômico