Missão de BCs ainda não está cumprida

    Por Simon Nixon | The Wall Street Journal

    Por seis anos, os bancos centrais das maiores economias do mundo vêm empreendendo um experimento gigantesco. Este ano, ficará mais claro se ele foi bem-sucedido.

    Confrontados por uma crise que ameaçou se transformar numa depressão econômica, os bancos centrais expandiram massivamente seus balanços, não apenas oferecendo os tradicionais empréstimos de emergência para o sistema financeiro, mas também abraçando as compras de ativos em grande escala – que, no caso de EUA, Inglaterra e Japão, atingiram volumes nunca antes imaginados.

    O objetivo era reduzir os custos do crédito e aumentar os preços dos ativos. Isso não só tornava mais fácil para famílias e empresas endividadas sanear as finanças, mas encorajava quem tinha condições de fazer novos empréstimos a gastar, estimulando a demanda.

    Até agora, tudo vai bem: as economias americana, britânica e japonesa estão crescendo e até mesmo a zona do euro dá sinais de recuperação. Mas é muito cedo para dizer que a missão está cumprida. Como reconheceu Janet Yellen, que assumirá em fevereiro a presidência do Fed, o banco central americano, o experimento não estará concluído até que os bancos centrais tenham suspendido de forma bem-sucedida as políticas não convencionais que adotaram.

    Do jeito que as coisas estão, apenas o balanço do BCE encolheu. O Fed e o Banco do Japão ainda estão comprando ativos, embora, no caso do Fed, num ritmo ligeiramente menor. O BC americano decidiu em dezembro reduzir de US$ 85 bilhões para US$ 75 bilhões seu volume mensal de compra de títulos. Desde o início da crise, a carteira de ativos do Fed mais que quadruplicou, para US$ 4 trilhões.

    O desafio do Fed é encerrar seu programa de estímulo sem sufocar a recuperação econômica dos EUA. Sua primeira tentativa para reduzir seu programa de compra de ativos, no ano passado, não foi bem-sucedida: os mercados estavam tão assustados que, bastou o Fed falar em reduzir o programa, que as taxas de juros do mercado subiram fortemente. Em consequência, subiram também as taxas das hipotecas, o que gerou temores de um novo enfraquecimento no mercado imobiliário.

    O Fed se saiu um pouco melhor na sua segunda tentativa. Ele amenizou a questão da redução do programa de estímulo ao se comprometer, simultaneamente, a não elevar os juros até que a taxa de desemprego nos EUA recue para 6,5%. Assim, o aperto monetário foi transformado em afrouxamento monetário. Apesar de a expectativa ser de que economia cresça 3% este ano, o Fed convenceu o mercado de que a primeira alta dos juros não ocorrerá antes de 2015. O que poderia dar errado?

    Um risco é que o Fed reduza o estímulo monetário muito lentamente. Apesar de a pressão inflacionária atual parecer baixa e a recuperação frágil, os preços dos ativos estão subindo, elevando a ameaça de bolhas que poderiam comprometer a estabilidade financeira. De fato, as cotações das ações americanas vêm batendo recordes de alta. O S&P 500 subiu 29,6% no ano passado, seu maior crescimento anual em 16 anos. Os preços dos imóveis nos EUA avançaram 11,2% no período de 12 meses encerrado em setembro de 2013, com as cidades de Las Vegas e San Francisco registrando altas de 29,1% e 25,7%, respectivamente, segundo o Índice S&P/Case-Shiller.

    O Banco da Inglaterra enfrenta um desafio parecido: ele está tentando imitar a estratégia do Fed ao adotar uma taxa de desemprego de 7% como referência para as expectativas do mercado de quando a instituição começará a elevar os juros. Mas os preços dos imóveis no Reino Unido estão subindo a uma taxa de 8% ao ano, aumentando o receio de que o mercado possa em breve ficar superaquecido. Isso significa que a estratégia do Banco da Inglaterra de manter os juros baixos até 2015 deve depender da sua habilidade de implantar os chamados instrumentos macroprudenciais para restringir a oferta de crédito imobiliário.

    Mas se o Fed for forçado a acelerar seu aperto monetário, alguns temem que isso leve a uma repetição do estresse visto no mercado no ano passado. De fato, o risco de volatilidade no mercado deve ter crescido como resultado das novas regras de capital dos bancos, que tornaram as instituições mais relutantes em emprestar.

    Os mercados emergentes que dependem de capital estrangeiro estão particularmente vulneráveis. O grupo conhecido como “Os Cinco Frágeis” – Turquia, Indonésia, África do Sul, Brasil e Índia -, países que têm altos déficits fiscais e em conta corrente, viram seus custos de captação subirem acentuadamente e suas moedas desvalorizarem.

    O Banco Mundial alerta que, se o processo de redução gradual dos programas de estímulo desandar, os fluxos financeiros para esses países poderão diminuir drasticamente. Para se protegerem da turbulência, a melhor esperança reside em revisões completas de seus modelos econômicos, como uma tentativa de restaurar a confiança do mercado.

    Enquanto isso, a zona do euro também está vulnerável aos riscos derivados da redução dos programas de estímulo. O problema é que o balanço do BCE tem encolhido mais rapidamente do que as autoridades gostariam, devido à fraqueza da recuperação econômica.

    Grande parte da liquidez gerada pelo BCE se deu na forma de empréstimos baratos para bancos, que agora estão pagando essas dívidas. Por enquanto, há poucos sinais de que isso está levando a uma alta dos juros. Por outro lado, a inflação se mantém muito abaixo da meta, elevando temores de que, sem outras ações do banco central, a zona do euro pode acabar caindo numa deflação ao estilo da que assolou o Japão.

    Ao mesmo tempo, a combinação de uma política monetária mais frouxa dos EUA e maiores superávits em conta corrente no bloco tem valorizado o euro em relação ao dólar, o que dificulta ainda mais a recuperação da região. Se essa situação persistir, parece provável que o BCE, em vez de continuar caminhando para a redução dos estímulos, estará em breve buscando meios de ampliar sua carteira de ativos novamente. Mas como ele poderá fazer isso não é evidente nem fácil. Esse experimento ainda não acabou.

     

     Fonte: Valor Econômico

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