Mundo terá expansão e inflação baixas

    Por Ashoka Mody | Para o Valor

    No filme “Feitiço do Tempo”, um meteorologista de TV, interpretado por Bill Murray, acorda todas as manhãs às 6h, revivendo o mesmo dia. Uma sensação parecida, de “déjà vu”, impregnou as projeções econômicas desde que a crise mundial começou, há cerca de cinco anos. As autoridades econômicas, porém, continuam convencidas de que o modelo de crescimento predominante nos anos pré-crise ainda é o melhor guia, pelo menos para o futuro próximo.

    Vejamos as atualizações de meio de ano do Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI), que desde 2011, ano após ano, contam a mesma história: “Opa! A economia mundial não teve desempenho tão bom quanto esperávamos”. Os relatórios prosseguem, então, atribuindo a culpa da imprecisão a fatores imprevistos, como o tsunami e o terremoto no Japão, as incertezas sobre como os EUA vão sair de sua política monetária expansionista, uma revisão “excepcional” na precificação de risco ou os rigores do clima nos EUA.

    Os relatórios enfatizam a natureza temporária desses fatores e insistem que, embora o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mundial tenha girado em torno a 3% na primeira metade do ano, haverá uma recuperação na segunda. Estimulado por esse novo ímpeto, o crescimento enfim chegará no próximo ano à taxa de 4%, que há tanto nos vem eludindo. Quando não atingir, o FMI vai divulgar outra versão das mesmas desculpas.

    Esses sérios erros de avaliação evidenciam a necessidade de pensar diferente. Talvez, direcionar o foco aos problemas causados pela crise financeira mundial esteja obscurecendo uma mudança natural para uma marcha mais lenta nas economias desenvolvidas, após anos de crescimento anabolizado. Além disso, embora as economias emergentes também passem por fortes desacelerações no crescimento, sua participação no “bolo” econômico mundial vai continuar a crescer. Em resumo, maior concorrência econômica, menor crescimento e inflação baixa podem ter chegado para ficar.

    Nos EUA, as condições para uma decolagem da economia estão nitidamente presentes há um ano: a dívida dos consumidores e o desemprego caíram; o lucro empresarial e as reservas em caixa são grandes; o mercado de ações faz avaliações generosas do futuro; os bancos estão prontos para emprestar; e a consolidação fiscal não afeta mais a demanda.

    Em contraste com as expectativas, no entanto, o crescimento do consumo continua sem brilho, e as empresas não elevaram os investimentos. Nos primeiros dois trimestres do ano, o PIB dos EUA superou apenas ligeiramente o nível atingido no fim de 2013, e boa parte do aumento foi impulsionada por bens produzidos, mas ainda não vendidos. A explicação prevalecente – um inverno violentamente frio – é tão fina que deveria ser possível ver através dela.

    Os consumidores continuam marcados pelas cicatrizes da crise. Mas há outro problema: em suas casas e locais de trabalho, a sensação de entusiasmo pelo futuro está ausente, apesar de toda a animação gerada pela parafernália eletrônica que os cerca. E, embora a politica de afrouxamento quantitativo do Federal Reserve (Fed, o Banco CENTRAL dos EUA) tenha impulsionado as empresas, não serve de substituto para o entusiasmo e a expectativa, necessários para aumentar os investimentos.

    É provável que mesmo a menor previsão de crescimento, de 3,4% do PIB neste ano, mostre-se otimista demais. Antes da crise, o comércio exterior do mundo crescia de 6% a 8% ao ano – bem acima do ritmo do PIB. Neste ano, até agora, o crescimento do comércio não sai do patamar de 3%.

    Deixar de admitir a desaceleração em andamento, decorrente de fundamentos econômicos, vem reforçando a expectativa de que velhos modelos podem vir a reanimar a expansão, uma abordagem que apenas vai criar novas fragilidades. Atif Mian e Amir Sufi alertam para o fato de que as compras de carros e de outros bens duráveis pelos consumidores americanos foram estimuladas pelas mesmas práticas insustentáveis de concessão de empréstimos de alto risco usadas para financiar as compras de casas antes da crise de 2008.

    Da mesma forma, Mark Carney, presidente do Banco da Inglaterra (o BC do Reino Unido), vislumbra um setor financeiro britânico como o de Chipre, chegando a representar 900% do PIB. E o economista Michael Pettis alerta que a dependência da China em relação a políticas de estímulo para impulsionar a economia sempre que ela empaca provocará um acúmulo de vulnerabilidades macroeconômicas.

    As duas mudanças tectônicas na economia mundial – menor crescimento do PIB e maior concorrência vinda dos países emergentes – criaram uma linha de falha geológica que atravessa a Europa. A liderança tecnológica das tradicionais economias europeias fortes no comércio exterior vem sendo corroída, enquanto a concorrência salarial vem alimentando temores de deflação. São as economias mais endividadas da zona do euro as que vêm absorvendo os maiores choques decorrentes dessas mudanças, e a Itália está sentada bem em cima dessa falha geológica.

    Banco CENTRAL Europeu (BCE) é incapaz de reanimar sozinho o crescimento da zona do euro. Tendo em vista o peso que isso resultaria para a economia mundial – e, em especial, para o comércio mundial – arquitetar uma desvalorização coordenada do euro é de interesse mundial. Ao mesmo tempo, é preciso um estímulo aos investimentos, coordenado mundialmente, para criar novas oportunidades de expansão.

    Da mesma forma que o personagem de Bill Murray não conseguia escapar do “Feitiço do Tempo” sem mudar radicalmente sua vida, não podemos esperar resultados econômicos diferentes sem passar a modelos de crescimento fundamentalmente diferentes.

    Copyright Project Syndicate

     

    Fonte: Valor Econômico

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