Está instalado o dissenso em torno do futuro do juro de curto prazo no país. O comunicado do Comitê de política monetária (Copom) provocou um rebuliço ontem nas transações da BM&F. Investidores interpretaram o uso da expressão neste momento para qualificar a decisão de manter a taxa básica de juros (Selic) em 11% ao ano como um sinal de que o Banco CENTRAL (BC) pode mudar a rota da política monetária. E, como a economia fraqueja e a inflação corrente dá sinais tênues de arrefecimento, o que viria por aí seria um corte da taxa básica, quiçá em setembro (dias 2 e 3), último encontro do Copom antes da eleição presidencial. Nas leituras de economistas experientes, porém, esse poderia ser um passo em falso da autoridade monetária.
As taxas dos contratos futuros de Depósitos Interfinanceiros (DI) ligados diretamente às expectativas para o rumo da Selic derreteram ontem na BM&F. O derivativo para janeiro de 2015 – que reflete as apostas sobre o nível da Selic no fim deste ano – caiu de 10,76% para 10,71%. A taxa do DI para janeiro de 2016 caiu de 11,05% para 10,95%. Segundo cálculos da gestora de recursos Quantitas, a curva a termo [as taxas ao longo dos diversos vencimentos] espelha 37% de chances de corte da Selic em 0,25 ponto percentual em setembro.
As taxas dos DIs embicaram logo na abertura dos negócios com a queda de 0,18% do Índice de Atividade do Banco CENTRAL (IBC-Br) em maio e a revisão do crescimento em abril de 0,12% para 0,5%. A pá de cal veio à tarde com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), revelando que foram criadas 25.363 vagas de trabalho em junho, o pior resultado para o mês desde 1998. É grande a perspectiva de que o Produto Interno Bruto (PIB) tenha sido negativo no segundo trimestre.
Apesar da desaceleração da atividade e da interpretação de investidores no mercado de juros futuros da BM&F ao comunicado do Copom, economistas mantêm certo ceticismo em relação a um corte da Selic. Eu me surpreenderia muito se houvesse uma mudança [nos juros] em setembro , afirma o economista-chefe do Banco J. Safra, Carlos Kawall, que mantém a aposta em alta da taxa para 11,5% no fim do ano, por conta da inflação ainda elevada. Para Kawall, um corte de juros na próxima reunião prejudicaria a credibilidade da política monetária. Soaria como uma política errática , diz. Se a política econômica é inconsistente, há perda de confiança e isso afeta o câmbio, a inflação e acaba empinando a curva de juros.
A equipe econômica do Credit Suisse, chefiada pelo economista Nilson Teixeira, vê um corte de juros como improvável e mantém projeção de taxa estável por várias reuniões. Para os economistas da casa, um afrouxamento monetário antes das eleições poderia ser visto como resultado de pressão política . Isso abalaria ainda mais a confiança dos consumidores e empresários, prejudicando a atividade, em vez de impulsioná-la.
Os economistas do Credit Suisse também afirmam que a desaceleração econômica já estava incorporada ao cenário do BC quando começou a subir os juros, conforme sugerido nos comentários da autoridade monetária sobre os efeitos defasados e cumulativos da política monetária.
Na opinião dos economistas Eduardo Loyo e Claudio Ferraz, do BTG Pactual, se o BC tivesse retirado a expressão neste momento do comunicado, teria ficado muito mais claro que o plano é manter a taxa em 11%. Mas, ainda assim, eles acreditam que o mais provável é que não haja mudança. Continuamos a acreditar que o plano de voo real do Copom é se manter neste caminho por mais tempo , escrevem em relatório. Como há uma deterioração das expectativas para a atividade, contudo, é natural a interpretação dos investidores de que o Copom deixou a porta aberta para cortes iminentes dos juros , dizem os economistas do BTG.
Embora reconheça que o comunicado do Copom leve à interpretação de que a taxa Selic possa ser reduzida no curto prazo, o economista-chefe do Banco Itaú e ex-diretor do Banco CENTRAL (BC), Ilan Goldfajn, mantém a aposta em manutenção da Selic em 11% até o fim do ano. A inflação acima do topo da meta, os ajustes adicionais de preços administrados que devem ocorrer em 2014 e 2015 e a taxa de desemprego ainda em níveis historicamente baixos não parecem deixar espaço para cortes da taxa de juros , afirmou Goldfajn, em relatório.
Para Mario Mesquita, economista-chefe do Brasil Plural e ex-diretor do BC, cresceram as chances de redução da Selic em setembro. Ele vê como natural a expectativa de que a desaceleração da atividade eventualmente afete o mercado de trabalho e ajude a conter a inflação , mas lembra que os incentivos do governo para manter a taxa de desemprego baixa e a perspectiva de alta dos preços administrados podem constranger a política monetária. Por ora, mantemos nossa visão de que a Selic terminará 2014 em 11% ao ano, mas reconhecemos que o ciclo de alta esperado para 2015 está em risco , disse Mesquita, em relatório.
Fonte: Valor Econômico