Novo capítulo da exclusão do ICMS da Cofins (Artigo)

    Discussão tributária há muito tempo travada entre União e contribuintes – cuja estimativa de impacto econômico aos cofres públicos é alçado ao patamar dos bilhões de reais, segundo o relatório ´Riscos Fiscais´ da Lei de Diretrizes Orçamentárias (nº 13.080/2015) – trata da indevida inclusão do ICMS/ISS na base de cálculo do PIS/Cofins.

    É que, essencialmente (existem outras inconstitucionalidades reflexas), por não revelarem qualquer medida de riqueza para os contribuintes, a natureza do ICMS e ISS é de despesa, de ônus fiscal, pelo que não podem integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins eleita pela Constituição em sentido diametralmente oposto, isto é, como faturamento/receita (art. 195, I, ´b´, CF) – até outrora preceituado pela legislação de regência (Leis 9.718/1998, 10.637/2002 e 10.833/2003) como a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica.

    A aludida tese foi, recentemente, acatada pela maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) com o encerramento do julgamento do RE nº 240.785, ocorrido em outubro de 2014, o qual, apesar de não ter sido submetido ao regime da repercussão geral – por isso sem efeito erga omnes, e em que pese a modificação substancial da composição da Corte julgadora (dos sete ministros que votaram favoravelmente à tese, só quatro ainda a integram), aponta, com respaldo no princípio da segurança jurídica, para um possível desfecho relativamente aos recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida (RE nº 574.706, que trata do ICMS, e RE nº 592.616, que trata do ISSQN) e à ADC nº 18.

    A natureza do ICMS e ISS é de despesa, de ônus fiscal, pelo que não podem integrar a base de cálculo do PIS e da Cofins

    Tanto é assim que a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em menoscabo do entendimento sedimentado por súmulas do próprio Tribunal (Súmulas 68 e 94), recentemente (em março) julgou de modo favorável ao contribuinte o AgRg no AREsp nº 593.627, em sede do qual – invocando o precedente do STF – fez consignar que, “constituindo receita do Estado-Membro ou do Distrito Federal, a parcela correspondente ao ICMS pago não tem, pois, natureza de faturamento ou receita, mas de simples ingresso financeiro, não podendo, à evidência, compor as bases de cálculo do PIS e da Cofins”.

    E nem se cogite que a orientação de que o ISS “integra o preço do bem ou serviço, estando incluído, portanto, no conceito de receita ou faturamento auferido pelo contribuinte com a atividade econômica desenvolvida”, assumida pelo STJ no REsp repetitivo nº 1.330.737, teria o condão de infirmar a jurisprudência alhures referida. Isto porque a incumbência de dar a última palavra acerca de assunto de índole constitucional (tal qual o ora tratado) é do STF, restando afastado qualquer entendimento diferente daquele firmado com fulcro na Constituição.

    Por outro lado, acrescentando novos contornos à vetusta discussão, adveio a Lei nº 12.973/2014, a qual atribuiu nova redação às Leis nº 9.718/1998, nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003, de sorte que, a partir de 1º de janeiro deste ano, tais leis passaram a contemplar, por referência expressa à modificada definição (também conferida pela Lei 12.973) de receita bruta prevista no art. 12, §5º, do Decreto-Lei nº 1.598/1977, a inclusão de tributos na base de cálculo das contribuições de que cuidam (PIS/Cofins sistemática cumulativa e não cumulativa).

    Sucede que tal manobra legislativa não logrou legitimar a incidência das contribuições em comento sobre base de cálculo diversa da autorizada pela Constituição. Dito de outro modo, não conferiu validade à obrigação – clamada pela União – de apuração do PIS/Cofins considerando valores/tributos que não refletem receita/faturamento dos contribuintes, mas sim verdadeiros dispêndios, persistindo, pois, a(s) inconstitucionalidade (s) aventada (s) desde antes da superveniência da novel lei.

    Não é por outra razão que o Poder Judiciário, em ação manejada já sob a égide da Lei nº 12.973, posicionou-se reconhecendo que, “ao incluir na receita bruta os tributos sobre ela incidentes, como fez a Lei 12.973, o legislador incorreu em inconstitucional alargamento da base de cálculo, uma vez que tais tributos não representam aumento do patrimônio da empresa e sim um imposto devido à unidade da federação” (Proc. nº 0005611-20.2015.4.03.6100).

    Ressalte-se, adicionalmente, que, longe de cumprir o desiderato almejado pela União, a Lei 12.973 fez ainda ratificar a ilegitimidade da inclusão de tributos na base de cálculo do PIS/Cofins, eis que, se veio para fazer constá-la expressamente, a contrário senso e por corolário lógico, assentiu que a almejada inclusão não subsistia anteriormente à sua vigência, ante a própria falta de previsão legal.

    Assim é que, em tempos de estagnação econômica e de rigorismo fiscal, seria de bom tom e alívio para os contribuintes que o STF não mais tardasse em declarar, via mecanismo processual vinculante, a evidente inconstitucionalidade da inclusão do ICMS/ISS na base de cálculo do PIS/Cofins. Com isso, permitindo a produção dos efeitos desonerativos correlatos tanto para a situação anterior quanto para o cenário ulterior ao do advento da Lei 12.973, bem como a restituição de valores recolhidos indevidamente a tal título, seja por meio de ações ajuizadas antes da vigência da recente lei, seja pelas novas ações a serem necessariamente intentadas com o fito de impugná-la.

    Orlando C. Sgarbi Cardoso é advogado tributarista em São Paulo/SP

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