Pauta trancada, Copa, eleições e recesso branco. Nenhum desses fatores é suficiente para acelerar os trabalhos parlamentares nos poucos dias disponíveis para votações em 2014
ANDRÉ SHALDERS
O carnaval acabou na quarta-feira da semana passada, mas nem a esticada do feriado até o fim de semana foi suficiente para fazer com que o Congresso retomasse as atividades. Ontem, com plenários esvaziados e corredores praticamente sem movimento, o parlamento subverteu a expressão popular “o ano só começa depois do carnaval”. A única atividade de destaque em 2014 foi a formação de um grupo de cerca de 250 deputados, entre insatisfeitos da base aliada e opositores – o chamado de blocão -, criado para atazanar a vida do Palácio do Planalto, vítima da própria falta de habilidade para negociar com os congressistas.
O ano já seria complicado mesmo que deputados e senadores quisessem trabalhar: a pauta da Câmara está trancada desde o ano passado, com propostas acumuladas e haverá pouco tempo para votações. Levantamento do Correio publicado em 9 de fevereiro contabilizava que, no primeiro semestre, haverá apenas 52 dias úteis para a apreciação e a aprovação de projetos, considerando as quartas e as quintas-feiras. Para piorar, o calendário será extremamente apertado. A partir de junho, com o início da Copa do Mundo e das convenções partidárias com vistas às eleições gerais de outubro, começa o chamado “recesso branco”. É a institucionalização da gazeta.
Na tentativa de quebrar a inércia, a Câmara deve retomar a análise do primeiro dos projetos de autoria do Executivo que trancam a pauta da Câmara: o Marco Civil da Internet. A ideia é analisar o tema a partir de amanhã, mas a previsão é de novo adiamento, porque não há consenso. A principal barreira é a postura do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ). Ele frisou que só votará o projeto depois da apreciação do requerimento para que o Congresso investigue o pagamento de propina a funcionários da Petrobras por parte da empresa holandesa SBM Offshore.
Apesar de os prognósticos apontarem para mais uma semana sem votações conclusivas no Congresso, o líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA), acredita na possibilidade de começar a análise do Marco Civil hoje. “Isso se o PT não resolver tentar impedir a votação do requerimento da Petrobras. Houve uma pressão muito grande, durante o fim de semana, para que esse requerimento não fosse pautado, mas o presidente (da Câmara, Henrique Eduardo Alves, do PMDB-RN) manteve o combinado”, disse. “Há uma vontade muito grande de criar essa comissão externa entre vários partidos da base aliada, não só no PMDB”, garantiu Imbassahy.
Obstrução
Para cientistas políticos ouvidos pelo Correio, a obstrução das votações passa por outras questões além da insatisfação na base aliada. “O Congresso e a pauta importam pouco neste momento. Em todos os municípios que eu visito, a prioridade são as reuniões preparatórias para a campanha. A disputa eleitoral já começou”, diz o sociólogo Rudá Ricci. “No caso do PMDB, que comanda o tal blocão, há uma motivação adicional. Este ano, cresceu o número de candidatos petistas nos estados, e os peemedebistas querem que o PT abra mão de algumas candidaturas. Impedir a votação de projetos de interesse do Executivo faz parte dessa pressão”, avalia.
O analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), faz análise semelhante. “O principal argumento do blocão é o de que a pauta do Congresso está trancada pelo Executivo, mas não creio que a motivação real (da insatisfação) seja essa. Na verdade, o que esses congressistas desejam é pressionar o Executivo para equacionar alguns problemas, como a liberação de emendas parlamentares e a possibilidade de participar de algum evento da campanha presidencial em seus estados”, afirma.
Abaixo-assinado
O ex-ministro da Cultura Gilberto Gil iniciou ontem, por meio de redes sociais, uma campanha pela aprovação integral do Marco Civil da Internet. O abaixo-assinado contava com pouco mais de 130 mil assinaturas no início da noite.
Ritmo lento
Confira quais projetos praticamente não andaram desde o início do ano no Legislativo
Na Câmara
Marco Civil da Internet
A proposta da presidente Dilma Rousseff é tratada pelo governo federal como principal ferramenta legal para livrar o Brasil da espionagem estrangeira. O projeto estabelece direitos dos internautas brasileiros e obrigações de prestadores de serviços na web.
Porte de armas por agentes prisionais
O texto, também enviado pelo Executivo, faz parte de acordo entre Planalto e Congresso. A presidente Dilma vetou, no ano passado, projeto sobre o tema e, para manter o veto, se comprometeu a enviar nova matéria. Diferentemente das outras, a proposta impõe exigências aos profissionais que usarem armas.
No Senado
Indexador da dívida de estados e municípios
A proposta prevê mudança do índice de correção das dívidas a fim de dar margem maior para que governadores e prefeitos voltem a investir. Senadores pressionam pela votação, mas o governo tenta segurar a discussão.
Na pauta do Congresso
Emancipalistas
O Congresso tem que decidir se mantém ou derruba veto da presidente Dilma ao projeto que firma normas para a criação de municípios. Movimentos emancipalistas pressionam parlamentares pela derrubada. Planalto tenta negociar novo texto.
O que ainda chegará às duas Casas
Manifestações
O governo diz que finalizou o texto que “regulamenta” protestos. A ideia é endurecer a lei para acusados de cometerem crimes em manifestações, aumentando a pena. O Planalto quer também criar um padrão de conduta policial e avalia se criminaliza o uso de máscaras.
Fonte: Correio Braziliense