O “governo da negação”

    Mesmo desmentido pelos números, o Planalto não reconhece problemas na política econômica. E o ministro da Fazenda tenta convencer empresários de que tudo vai bem no país

    VICTOR MARTINS

     

    Orientado pelo Palácio do Planalto, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, dará continuidade, hoje, à sua cruzada contra o pessimismo que se instalou na economia. Ele vai se reunir com 21 dos maiores empresários do país, que representam quase 10% do Produto Interno Bruto (PIB). No encontro, o ministro tentará desenhar um Brasil mais colorido do que mostram as estatísticas. 

    Mantega vai falar dos esforços para controlar a inflação, gerir bem as contas públicas e estimular o crescimento. O difícil, porém, será fazer os executivos voltarem a acreditar no governo. Sobretudo, depois que a equipe econômica frustrou o voto de confiança dado à política fiscal, ao apresentar um superavit primário (economia para pagar os juros da dívida) decepcionante, já no primeiro mês de 2014. 

    Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, esse é o “governo da negação”: não admite que são domésticos os problemas que impedem o crescimento, recusa-se a aceitar a necessidade de um ajuste fiscal, nega a existência de crise de energia, além de não reconhecer que o Mercosul se tornou inviável e que a inflação está sistematicamente acima da meta, oscilando ao redor de 6% desde 2008. 

    “A questão não é a falta de transparência das contas públicas ou das ações de governo, mas a condução ilógica da política econômica”, afirma Flávio Serrano, do Espirito Santo Investment Bank. “Não dá para imaginar que um raio ortodoxo vai mudar tudo. Este ano, o governo vai empurrar com a barriga. Vencendo a eleição, terá de arrumar a casa, mas o modelo deve ser muito parecido com o atual.” 

    O discurso otimista do governo também não encontra sustentação na visão das agências de classificação de risco. Na quinta e na sexta-feira, Mantega se reunirá com representantes da Standard & Poor”s, que estão no país para avaliar o rebaixamento da nota soberana brasileira, ameaçada depois de anos de baixo crescimento, inflação persistente e gastos públicos superiores às receitas. 

    Rebaixamento “É um governo que não aprende e se nega a aceitar as suas falhas”, disse Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central. “Todo mundo pode fazer previsões e errar, mas o problema está no erro sistemático. Quando é assim, ou a bola de cristal é muito ruim, ou é enrolação. Em qualquer hipótese, ninguém mais presta atenção nas projeções oficiais”, avaliou o economista. 

    Em janeiro, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, a presidente Dilma Rousseff apresentou um Brasil muito melhor do que é visto pelo mundo. Disse que a inflação está sob controle e que busca, com “determinação”, a convergência da carestia para o centro da meta, de 4,5%. “A inflação está sempre ao redor de 6%. Se esse é um governo preocupado com o custo de vida, alguém está fazendo o serviço de uma maneira muita errada”, criticou Schwartsman. 

    » O vaivém da indústria 

    A produção industrial esboçou uma forte reação em janeiro, avançando 2,9% sobre o mês anterior. O resultado, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi puxado pela produção de bens de capital e ficou acima das expectativas dos analistas. Apesar disso, o melhor desempenho em um ano foi incapaz de compensar o tombo de 3,7% registrado em dezembro, mostrando que o setor continua se comportando de maneira errática. Na comparação com janeiro de 2013, a indústria registrou queda de 2,4%. Especialistas apostavam numa alta mensal de 2,5% e um recuo de 3,4% na comparação anual. Dos 27 ramos pesquisados pelo IBGE, 17 tiveram crescimento mensal em janeiro, tendo à frente o farmacêutico (29,4%), o de veículos automotores (8,7%) e o de máquinas e equipamentos (6,4%). 

    Discurso bom, realidade nem tanto 

    Apesar dos indicadores em deterioração, o cenário que Guido Mantega apresentará aos empresários hoje mostra que as coisas estão indo bem, só falta eles acreditarem 

    O que o governo diz 

    PIB 
    Crescimento de 2014 será maior que os 2,3% do ano passado 

    Investimentos 
    Vão continuar em trajetória crescente ao longo de 2014 

    Política fiscal 
    Governo vai entregar superavit primário de 1,9% do PIB 

    Inflação 
    Vai desacelerar em comparação aos 5,9% de 2013, em trajetória de convergência para o centro da meta, de 4,5% 

    Mercosul 
    Bloco comercial é importante para o país e vai ajudar no desenvolvimento e na integração da região 

    Energia 
    Não existe crise. É preciso esperar o período de chuvas acabar para saber o real tamanho do problema 

    O que as estatísticas mostram 

    PIB 
    Para o mercado, a atividade econômica deve esfriar em comparação com o ano passado e fechar 2014 ao redor de 1,7% 

    Investimentos 
    Depois de crescer 6,3% em 2013, projeções para o ano são de desaceleração. Os mais pessimistas falam em queda 

    Política fiscal 
    Mercado estima que superavit primário ficará próximo de 1,5% do PIB, na melhor das hipóteses. Dados de janeiro apresentados pelo Tesouro Nacional frustraram expectativas 

    Inflação 
    Economistas projetam carestia em 6,01% e avaliam que a meta perseguida pelo governo está ao redor de 5,5%, valor superior ao objetivo oficial 

    Mercosul 
    Parceiros do bloco, Argentina e Venezuela estão em crise econômica e política. Países da região que fecharam acordos bilaterais, como Chile, Peru e Colômbia, estão se dando uito bem 

    Energia 
    Reservatórios de hidrelétricas estão no menor nível desde 001, quando houve racionamento

     

    Fonte: Correio Braziliense

    Matéria anteriorReformulados, bancos médios aceleram nos empréstimos
    Matéria seguinteSTJ define regra da correção de possíveis perdas da poupança