A Festa do Cururuquara, bairro de Santana de Parnaíba (SP), foi a 132ª edição este ano, e aconteceu no sábado (11/5), em celebração à Abolição da Escravatura.
A festa já foi tema de vários documentários, vídeos e matérias de diversos jornais e revistas.
Tudo começou em 13 de maio de 1888. Os escravos de Nhô Bueno ganharam um pedaço de terra cada um. Mas ficaram se questionando o que fazer com a liberdade recém-conquistada. Decidiram, segundo se conta, primeiramente, comemorar – e muito – a abolição.
E ficaram quatro dias (há quem garanta que foram três dias e três noites) festejando, dançando, cantando e tocando samba de bumbo em frente à Capela de São Benedito.
No largo, em frente à Capela, plantaram quatro palmeiras que até hoje podem ser vistas no local. Assim todo o ano acontece a Festa de Cururuquara, com o seu samba.
A celebração começa com uma procissão pela rua das Palmeiras com os fiéis carregando o andor da imagem de São Benedito. No meio do caminho junta-se ao cortejo a procissão com a imagem de Nossa Senhora do Carmo, doada no final da década de 1960. O encontro é saudado com fogos e vivas a São Benedito e a Nossa Senhora do Carmo.
Na Capela de São Benedito acontecem as orações e mais tarde as festividades conduzidas pelo Grupo 13 de Maio.
Os descendentes dos escravos que iniciaram a celebração foram os responsáveis por manter viva e forte a data do Cururuquara.
Hoje é Seu Carmelino Euzébio de Jesus, com 97 anos, ferroviário, aposentado da antiga FEPASA, quem mantém firme a festividade. Ele e sua esposa Dona Luíza Camargo de Jesus, de 84 anos. São os símbolos vivos desta festa de guerreiros descendentes negros. Não que não haja brancos participando e organizando a festa. Há muitos e prestam o devido respeito e se declaram com orgulho discípulos de Seu Carmelino e Dona Luíza.
Devido à idade e ao cansaço, com dificuldade para falar e numa cadeira de rodas, Seu Carmelino expressou seu “orgulho” por mais uma festa realizada. Dona Luíza disse: “estou feliz”. E observou que o evento de sábado foi uma grandiosidade comparada à modesta celebração do ano passado, porém não menos fervorosa. “Esta é a festa do tempo dos escravos. Essa festa representa a resistência da família”, disse Dona Luíza, demonstrando seu contentamento, mas expondo seu receio de que o evento possa crescer de forma desordenada e descaracterizante.
Sua filha Luciana Oliveira de Jesus Fernandes atribuiu à perseverança dos descendentes a manutenção da festividade. “Por resistência, teimosia e fé que tem passado por gerações. É mais um ano de vitória”, resumiu. Ela rendeu homenagem aos seus pais, avós, bisavós pela luta para manter vivas suas manifestações culturais. “É o que faz a gente ter força para continuar. É a história dos nossos ancestrais”, disse.
Agacir Eleotério, do Centro de Memória e Integração Cultural, ligada à Secretaria de Cultura do município, destacou o significado histórico da Festa de Cururuquara e exaltou o papel heroico e organizador da família de Seu Carmelino. Ela informou que a Prefeitura de Santana de Parnaíba tem procurado ajudar sempre o evento e os organizadores. Mas, ressalvou, a gestão municipal “procura ter o cuidado de não interferir muito para manter a originalidade, não descaracterizar a festa”.
Na história laboriosa dos descendentes de escravos de Cururuquara, Agacir destaca, apesar de se manterem firmes diante de variadas adversidades, alguns dissabores na vida deles. Entre esses percalços, ela lembra que na construção da Castelo Branco (a região é cortada pela rodovia) as terras dos descendentes de escravos localizadas ali foram desapropriadas, mas não receberam nada em troca. “Até hoje eles lutam na Justiça para receber uma indenização”, lamentou.
O centenário evento contou com uma delegação do Congresso Nacional Afro-Brasileiro (CNAB) formada por Alfredo Oliveira, presidente da entidade, e os diretores Cleide Almeida e Carlos Brito. “Aqui é uma situação de resistência, alguns setores queriam acabar com esse evento, mas não conseguiram”, afirmou Alfredo.
“É muito importante que o CNAB esteja aqui participando e apoiando esse ato de força e consciência do que os negros representam no Brasil. Do que nós fizemos por este país e do que continuamos a fazer”, frisou Alfredo. “O nosso apoio é muito importante para resgatar experiências de luta como esta dos descendentes de escravos do Cururuquara, simbolizando o espírito de luta dos negros. Isto aqui prova que o 13 de Maio não foi uma simples assinatura num papel pela princesa Isabel. Foi um fenômeno popular, de massa, de povo. Os negros não foram meros espectadores, foram protagonistas do movimento que gerou a Abolição”, assinalou o presidente do CNAB.
“E resgatar esse espírito de luta agora vem muito a calhar, pois é nesse momento em que querem tirar nossa aposentadoria, que vai atingir gravemente todos os trabalhadores brasileiros e particularmente o trabalhador e a trabalhadora rural”, acrescentou.
O presidente do CNAB registrou sua estranheza pelo fato da Igreja de São Benedito não estar aberta para a comemoração. “Não se pode entender como a Igreja que leva o nome de São Benedito, o santo negro e dos negros, esteja fechada no dia da comemoração da Abolição da Escravatura”, observou Alfredo Oliveira.
A diretoria do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), seção São Paulo, foi representada por seu assessor sindical, Pedro Pereira, devidamente municiado com a bandeira da entidade. O Sinal apoia firmemente a luta contra o racismo.
Quanto ao samba, após as atividades religiosas, todos os presentes foram chamados a se aglomerarem sob a imensa lona instalada ao lado da igreja, com telão e tudo. O Bumbos de Cururuquara e o Grupo 13 de Maio começaram o seu samba rural, ou “samba de bumbo”. Colocados frente a frente, os homens seguram e tocam forte grandes bumbos e as mulheres, vestidas a caráter, com saias rodadas e coloridas, cantam e dançam, numa coreografia de vai e vem. Os convidados se empolgaram e se juntaram também à dança e reforçaram os cantos puxados por vozes solos e respondidas em coro e refrão pelas mulheres e pelos animados presentes.
“Eu tinha uma roça
Que tudo dava
Mas o corvo comeu
A roça que tudo dava”
Foi um dos cantos.
Uma bela e inesquecível festa que, com muita fé, perseverança e coragem, voltará ano que vem.
A. S.