Os desafios na área fiscal em 2015

    Por Ribamar Oliveira

     

    No segundo semestre de 2012, ficou claro para o governo que a economia estava em franca desaceleração, mesmo com o Banco CENTRAL dando continuidade ao seu ciclo de redução da taxa básica de juros (a Selic), iniciado no fim de agosto do ano anterior. A Selic chegou a 7,25% no início de outubro de 2012, o menor patamar da história. O Ministério da Fazenda começou, então, a discutir uma mudança na política fiscal, com o objetivo de torná-la anticíclica.

    Duas propostas foram colocadas em discussão. Nelson Barbosa, então secretário-executivo da Fazenda, defendia que o governo explicitasse a redução da meta de superávit primário do setor público, estabelecendo uma banda de variação para o resultado, que iria de 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) a 2% do PIB. O governo alegaria que essa medida era indispensável para ajustar a política fiscal ao ciclo econômico e preservar os investimentos públicos.

    Além disso, se comprometeria com metas fiscais plurianuais, de forma a dar previsibilidade ao mercado. Seria explicitado também um cronograma de redução dos empréstimos ao BNDES. A principal ideia da proposta era que uma redução anunciada da meta fiscal e o compromisso do governo em executá-la com transparência, daria credibilidade à iniciativa e acalmaria os mercados.

    A estratégia de não explicar objetivos deu em rebaixamento

    A proposta de Barbosa – apresentada formalmente aos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Casa Civil, Gleisi Hoffmann – foi vista com grande desconfiança pelo governo. Temia-se a reação dos investidores ao anúncio de uma redução do superávit primário, a possibilidade de rebaixamento da nota de crédito do Brasil pelas agências de rating, e as repercussões desse movimento nas taxas de juro.

    Nas discussões internas, a proposta de Barbosa foi derrotada e o governo decidiu não dar transparência àquilo que já tinha decidido fazer, ou seja, reduzir o superávit. No caso dos empréstimos ao BNDES, a decisão foi de comunicar apenas que eles seriam reduzidos a cada ano. Para ajudar a retomada dos investimentos privados, o governo iniciou um processo de desoneração tributária em grande escala, o que teve repercussão sobre a receita.

    Naquele momento, havia um entendimento entre os economistas de que o setor público não precisava mais de um superávit primário muito elevado para manter a dívida em trajetória de queda em relação ao PIB. Já não existia, entre os investidores, a preocupação com a solvência do setor público brasileiro. A discussão passou a ser sobre o efeito da política fiscal na demanda e a sua ajuda no combate à inflação. 

    A forma como o governo reduziu o superávit, no entanto, mostrou-se desastrosa, tendo comprometido até mesmo a credibilidade das estatísticas fiscais. A meta de 2012 só foi obtida com o uso da poupança do Fundo Soberano do Brasil (FSB) e de antecipação de dividendos, entre outros truques contábeis. O governo colocou a culpa pelo baixo superávit de 2012 (que ficou em 2,39% do PIB, contra 3,1% em 2011) nos Estados e municípios, que não fizeram a sua parte, como se a redução do resultado fiscal desses entes não tivesse sido fruto da decisão do governo de ampliar a margem de endividamento deles.

    A falta de transparência na área fiscal foi agravada em 2013, com a decisão de não mais compensar a frustração da meta de Estados e municípios e de ampliar o desconto do superávit do governo central (Tesouro, Previdência e Banco CENTRAL), com os investimentos do PAC e com as desonerações tributárias.

    O país passou a viver uma situação de completa imprevisibilidade com relação à meta fiscal, que poderia variar de 3,1% do PIB a 1,1% do PIB, no caso do uso do abatimento total da meta e dos Estados e municípios registrarem superávit zero. A situação piorou quando o governo anunciou uma meta de 2,3% do PIB para todo o setor público e entregou, ao fim de 2013, uma meta de 1,9% do PIB, assim mesmo com uma “pedalada” astronômica – termo utilizado na área técnica para designar a postergação do pagamento de despesas do exercício para o ano seguinte. Houve, ainda, a postergação da transferência de receitas para Estados e municípios.

    Com a estratégia de não explicitar a decisão de reduzir o superávit primário, o governo colheu o mesmo resultado que temia com a adoção da proposta de Nelson Barbosa: os juros voltaram para o patamar do governo anterior, a confiança dos investidores na política econômica nunca esteve tão baixa, a credibilidade da política fiscal está comprometida e a nota de crédito do Brasil foi rebaixada.

    Embora a meta anunciada de superávit primário de 1,9% do PIB para 2014 esteja em linha com o que é necessário fazer na área fiscal neste momento, ninguém sabe como ela será obtida. É compreensível que as pessoas fiquem preocupadas com a eventual “pedalada” que será feita de 2014 para 2015.

    Há desafios imensos na área fiscal a serem vencidos em 2015. Em primeiro lugar, o futuro governo terá que explicitar uma nova política de metas fiscais, pois é contraproducente conviver com o irrealismo da meta de 3,1% do PIB estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que, todos sabem, não será cumprida. Provavelmente, a equipe econômica abraçará a tese da meta fiscal plurianual, que já é adotada em outros países, sem contabilidade criativa.

    A equipe econômica do futuro governo terá que definir se acabará ou não com o “orçamento financeiro”, representado pela relação entre o Tesouro e o BNDES. Se a decisão for manter, será importante expor um cronograma de liberação de recursos e sua trajetória no médio prazo.

    A atual crise do setor elétrico continuará em 2015, pois este ano terminará com os reservatórios do Sudeste e Centro-Oeste em níveis muito baixos. Isto significa que as usinas térmicas terão que continuar ligadas até que os reservatórios se recuperem, o que implica custo, a ser coberto pelo Tesouro e pelos consumidores, pois as tarifas terão que ser aumentadas. Há necessidade, ainda, de uma definição na área dos combustíveis, pois em algum momento o governo terá que aliviar a Petrobras do custo de ter que subsidiar os consumidores de gasolina e diesel. Só com essa definição o governo recuperará a CIDE-combustível, que está com alíquotas zeradas desde 2012.

    Ribamar Oliveira é repórter especial e escreve às quintas-feiras

     

    E-mail: ribamar.oliveira@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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