Para Arminio, ajuste fiscal de 3% do PIB em 2 anos é possível

    Arminio Fraga, economista, ex-presidente do Banco CENTRAL e já indicado ministro da Fazenda caso Aécio Neves (PSDB) vença as eleições presidenciais, tem uma agenda clara para trazer o país de volta ao prumo e na direção do crescimento nos próximos anos. Ela combina reformas (política e tributária), prioridade para o setor de infraestrutura, correções microeconômicas e um forte rearranjo macroeconômico ancorado na meta de alcançar, em dois anos, um superávit primário de 3% do Produto Interno Bruto (PIB).

     

    A recessão e o desemprego com os quais o país já convive fazem Arminio desenhar todo o ajuste macroeconômico no prazo de dois a três anos. Ao longo desse tempo, a inflação estaria de volta ao centro da meta mesmo com um câmbio realmente flutuante e após a correção dos preços administrados que hoje estão defasados. Para Arminio, a arrumação da casa, se feita pela oposição, traria uma volta da confiança que, junto com as reformas e os primeiros passos do ajuste, fariam a economia do país voltar a se expandir antes do que se espera hoje. Ele acredita que o Brasil pode crescer 4% ao ano, de forma sustentável, caso as mudanças sejam feitas na direção por ele desenhada, que inclui medidas que permitam elevar a taxa de investimento para 24% do PIB até 2018.

     

    Ele diz que é injusto o governo querer colocar na conta da oposição o custo de um eventual ajuste recessivo. O cardápio hoje é não fazer nada e ter uma crise séria, que pode não acontecer em semanas ou meses, mas que está encomendada; ou fazer o ajuste e ser feliz , disse ele. A coisa chegou a tal extremo que o ajuste é virtuoso, ele vai trazer crescimento , pondera. Diante da terceira colocação do candidato do PSDB nas pesquisas eleitorais, Arminio reafirmou que é 100% Aécio e que não considera a possibilidade de compor um eventual governo de Marina Silva (PSB). A entrevista foi feita terça-feira, antes da divulgação da última pesquisa Ibope. É a segunda com assessores econômicos dos principais candidatos à Presidência. A primeira foi do economista Eduardo Giannetti, que apoia Marina Silva. O pedido do Valor para que a campanha Dilma Rousseff (PT) indique seu porta-voz econômico ainda não foi atendido.

     

    A seguir, os principais trechos.

     

    Valor: Quais são os principais problemas da economia brasileira nos últimos anos?

     

    Arminio Fraga: Vejo um divisor de águas na saída do [Antonio] Palocci, não tanto na resposta à crise, que eu acho que foi correta, mas ocorreu uma mudança de regime a partir de 2009, mais ou menos, na direção dessa chamada nova matriz [econômica] que nada mais é do que, do lado macro menos disciplina – são vários anos de inflação alta, de esforços pontuais para segurar, e o câmbio também – e depois uma sensação de que as coisas, também do lado micro, não estão andando, tanto que hoje o Brasil está investindo muito pouco, a economia está meio paralisada, e isso pode se auferir também olhando a produtividade, que dá sinais de esgotamento. O resultado está ai, a gente está em recessão, e independentemente de estar em recessão, pois você pode alegar se isso é conjuntural ou não, estamos crescendo pouco. E não é à toa. Do ponto de vista das questões internacionais, o Brasil está meio fora dos padrões globais, há uma tendência a fechar cada vez mais o país e se relacionar com parceiros que não são o ideal. Do ponto de vista tributário, houve um esforço grande de desonerar de várias maneiras as empresas, de vários setores, e sem resultados no agregado. E por último os subsídios. Hoje temos um BNDES muito maior do que era há cinco, dez anos e isso tampouco trouxe vantagens quando se olha o todo. Esse modelo está errado e precisa mudar.

     

    Valor: Quais são as principais reformas?

     

    Arminio: No caso das grandes reformas, muitas exigem que o Congresso também aja. O Aécio definiu com muita clareza as prioridades. Uma reforma politica, e ele cita em particular o fim da reeleição com mandato de cinco anos e com adoção de voto distrital misto e alguma cláusula que reduza o número de partidos. Depois, estamos convencidos de que é bom dar o primeiro passo no sentido de arrumar o sistema tributário, corrigindo a tributação indireta, ICMS, IPI, PIS Cofins. Isso virou um pesadelo para o setor produtivo, que afeta tudo, uma tremenda confusão, um sistema caro, complexo. Essa reforma não seria feita em meses, mas poderia ser feita em dois anos, e acredito que o tempo chegou para que isso aconteça. Tem muita gente trabalhando nisso há muito tempo, existem bons projetos no Congresso, esse do [Francisco] Dornelles e do Tasso Jereissati pode ser ajustado e aperfeiçoado em alguns aspectos e partir daí. Outro ponto muito importante é um trabalho amplo com tudo que tem a ver com infraestrutura, energia, transportes, com seus vários subcapítulos: rodovias, ferrovias, portos, hidrovias, aeroportos. O Brasil está carente de tudo nessa área e está apanhando porque não se acredita na regulação, aí o governo tenta compensar com financiamentos do BNDES, mas mesmo assim a coisa não tem andado.

     

    Valor: O que falta nessa área?

     

    Arminio: Definir as regras com clareza e isso tem que ser feito com uma abertura para atrair o capital privado porque o governo não tem nem recursos nem competência para fazer tudo. Para regular, sim, mas para fazer tudo, não. Coordenar as varias áreas de governo, tem muita coisa que exige licenças e coisas do gênero e, nessa área, sim, aproveitar o BNDES, não necessariamente para financiar, mas usar a equipe que o BNDES tem, como no passado fez com privatizações e outros movimentos nessa linha. Essa é uma área urgente para o Brasil e é onde há mais demanda. Na infraestrutura, a carência é visível a olho nu. E aí atrapalha tudo, a agricultura, o transporte, o que reduz também produtividade.

     

    Valor: O que é acertar o macro?

     

    Arminio: Hoje temos uma combinação de problemas que começa com falta de confiança no lado fiscal que põe pressão nos juros. Muito gasto não recorrente, muitos artifícios contábeis, falta de transparência, etc. O governo tem que ter como meta, em um prazo de uns dois anos, trazer o superávit primário para um nível capaz de reduzir os juros e a incerteza.

     

    Valor: Quanto seria o superávit?

     

    Arminio: Ele andou aí em torno de 3% do PIB durante muito tempo, acho que até maior, então acho que teria que ser por aí.

     

    Valor: É possível chegar lá em dois anos?

     

    Arminio: Acho que sim. A economia começa a crescer, existem sempre algumas despesas ligadas a desperdício, má gestão. Então é possível e acho que o governo deveria tentar fazer isso sem aumentar a carga tributária. Tem que ter uma combinação de gestão, eficiência, de priorizar o que é mais importante, os gastos sociais com certeza, e o investimento também. E do lado do Banco CENTRAL (BC), na inflação, duas dimensões, uma é parar de fazer intervenções, segurando preços ou até o cambio. E deixar o BC fazer o seu trabalho. Como eu acredito que esse ajuste na área fiscal seria virtuoso, tiraria a pressão do Banco CENTRAL. Durante muito tempo tivemos uma situação meio estranha, de um lado o BC tentando segurar a inflação, mas ao mesmo tempo continuava uma política fiscal frouxa e pouco transparente e uma política de crédito dos bancos públicos também bem esticada. É bem contraditório isso. Tendo esse equilíbrio, a coisa tende a dar mais certo.

     

    Minha intuição é que [a correção de preços] deva ser feita o mais rápido possível, mas não necessariamente de uma só vez

     

    Valor: A expectativa é ter mais inflação no começo do governo com a liberação dos preços represados. Isso vai exigir aumento de juros?

     

    Arminio: Como o país está em recessão, penso que essa pressão diminuiu e há mais espaço para um reequilíbrio dessas políticas. Eu chamaria de mais virtuoso porque você vai liberar também o lado da oferta, vai ter mais confiança. Não vou dizer que o quadro seja mais fácil porque ninguém quer recessão, mas talvez isso não exija um esforço como se imaginava, especialmente se houver esse equilíbrio entre o fiscal e monetário.

     

    Valor: Há uma conta do tamanho do represamento de preços?

     

    Arminio: É algo móvel isso. Nas últimas estimativas, nos combustíveis, como o petróleo caiu bastante de preço, fala-se em torno de 10%, mas isso pode mudar, depende do preço do petróleo e depende da taxa de câmbio. Nos preços de energia, está o caos. É muito impressionante. Nessa área, o governo já percebeu que isso é errado e fez um cronograma para aumentar os preços, mas os cálculos não estão todos feitos, e também não tem um número preciso, mas ele é bem relevante. Mas é um tiro que saiu totalmente pela culatra essa tentativa de baixar na marra os preços da energia e deu tudo errado, inclusive porque a oferta ficou para trás, não é só problema recente de chuva, o Brasil deveria ter folga na oferta de energia para lidar com dois, três anos de pouca chuva. Nesse caso sem querer ser sarcástico, ajudou, entre aspas, que o país não tenha crescido, porque se tivesse crescido mais nesse período, a gente ia ter um problema muito sério. Mas eu realmente acho que estamos correndo um risco enorme, está dito com todas as letras, inclusive por gente do próprio governo, que isso é um movimento perigosíssimo, já para o verão.

     

    Valor: O sr. acha que o próximo governo pode ter de enfrentar um racionamento logo no começo?

     

    Arminio: Pode, porque a oferta está fraca. Tomara que não.

     

    Valor: O que sobrar de preço represado, não só de energia, deve ser feito de uma só vez?

     

    Arminio: Minha intuição é que isso deva ser feito o mais rápido possível, mas não necessariamente tudo de uma vez. No caso da energia, é preciso avaliar o cronograma. A herança para o próximo presidente é muito complicada. Sou a favor de resolver o mais rápido possível, mas como fazer exatamente dá para aguardar uns meses e estudar melhor.

     

    Valor: E quando você vê a inflação de volta à meta caso Aécio vença as eleições?

     

    Arminio: Em dois a três anos. Nunca acreditei, quando estava no Banco CENTRAL e introduzimos o sistema de metas, que o governo deva ter uma postura radical quando ele vê diante de uma situação como essa, em que a inflação está tão distante da meta. Essa é uma herança terrível. Corrigir tudo de uma vez seria exagero, não há necessidade disso. É possível fazer em algum período não muito longo, mas que minimize um pouco essa dificuldade. Eu acho que pode ser um ajuste, eu insisto, feito de maneira virtuosa.

     

    Valor: O que é virtuosa?

     

    Arminio: Crescendo. O país está parado e arrumar a casa vai fazer o país crescer, ao contrário do que as campanhas mais maldosas tentam dizer. O país já parou e venho argumentando que é incorreto e desonesto querer pregar essa conta em um governo futuro que nem chegou lá ainda. Um governo futuro que arrume a casa – como estou tentando resumir aqui – vai ter o oposto, vai ter crescimento.

     

    Valor: Você disse que é possível fazer ajuste fiscal sem elevar carga tributária, com crescimento e com corte de despesas? Que despesas?

     

    Arminio: Não específicas. Esse é outro tema muito sujeito à populismo. Qualquer um que fale sobre esse tema vai ser acusado de arrocho, mas há muito desperdício, muito gasto e muita corrupção. Eu vejo espaço parar cortar bastante sem prejudicar as coisas mais importantes. Se você olhar os números, estamos falando em fazer isso em dois anos, com algum crescimento que eu acredito que virá se houver essa guinada. Dá para fazer bem, as contas fecham.

     

    Valor: Para a volta do crescimento, só a confiança resolve?

     

    Arminio: Não é só confiança. É a confiança com medidas concretas. Como eu vejo o país caminhando na direção errada, mudar essa direção e demonstrar que a mudança é para valer, vai ter um impacto muito relevante. Se você pensar, o país tem uma renda per capita baixa, tem muita coisa para fazer, não é uma coisa impossível, é bem viável. Mas a mudança de direção é fundamental. No momento em que ficar claro que mudou, que o governo tem outra atitude e vai tripular as várias áreas com pessoas competentes, muda tudo. Muda mesmo. Não é mágica.

     

    Valor: É possível ter um primeiro ano de governo sem elevar juros?

     

    Arminio: É possível, mas acredito na autonomia do Banco CENTRAL para proteger justamente o povo, ao contrário do que se diz nessa sórdida campanha contra a Marina [Silva], que é um absurdo total. É engraçado, no Brasil, alguém acreditar que proteger a inflação para valer, não de forma maquiada, é contra a população. É criminosa essa proposta. Em um governo do Aécio, o Banco CENTRAL teria autonomia operacional para perseguir a meta que é uma decisão política. Em algum momento vai chegar a hora de formalizar a independência operacional do Banco CENTRAL, mas isso não é o BC ter independência para fazer o que quiser, mas para fazer o que o governo legitimamente eleito define.

     

    Valor: E por onde formaliza a independência?

     

    Arminio: Mandato fixo, prestação de contas e aprovação dos mandatos pelo Congresso, como já existe hoje. E, se houver alguma forma de mal comportamento, um fracasso mais extremo, mais permanente, aí o governo poderia propor ao Senado trocar a equipe. Acho bom isso, mas com essa defesa de passar pelo Senado.

     

    O cardápio hoje é não fazer nada e ter uma crise séria, que está encomendada; ou fazer o ajuste e ser feliz

     

    Valor: Diminuir a desigualdade vai ter uma política específica?

     

    Arminio: Com certeza, muitas políticas. Primeiro, os programas de combate à extrema pobreza, como o Bolsa Família e outros, tiveram um bom resultado e não há porque abandonar isso. Com o tempo eles vão ficar menores porque mais gente vai ter emprego e ganhar muito mais. Depois tem que explorar o tema clássico da igualdade de oportunidades, que é ter educação, saúde e transporte públicos de qualidade. E acredito que o Brasil tem que melhorar no que diz respeito àqueles que ficam ricos por, de alguma maneira, capturar recursos da sociedade, seja roubando, seja fazendo algum tipo de lobby mal direcionado.

     

    Valor: Um primário de 3% não é muito alto diante do cenário de baixo PIB que temos pela frente?

     

    Arminio: Eu gosto de uma política em que o superávit é sensível ao ciclo, mas a política tem que ser crível. Por isso eu disse que em dois anos seria bom justamente porque dá tempo de a economia começar a se recuperar. À medida em que fique claro que há uma mudança de direção ampla eu acredito que a economia tende a se recuperar. Se por alguma razão isso não acontecer, por choque externo ou algo do gênero, você pode esticar o prazo.

     

    Valor: Você arrisca um tamanho de crescimento que o país pode voltar a ter em 2016, 2017?

     

    Arminio: Temos a meta de levar o investimento a 24% do PIB ao final de quatro anos e eu acredito que esse programa que estamos discutindo também fará com que a produtividade cresça bastante. Se essas duas coisas acontecerem, o crescimento passa de 4% ao ano. Sem esticar a inflação, o balanço de pagamentos, ou o endividamento do governo.

     

    Valor: Nesse crescimento, a indústria vem junto? O setor vai ter alguma política específica?

     

    Arminio: Infelizmente o Brasil vive uma crise muito séria na indústria. Precisa de um tratamento mais direto. Esse tratamento indireto dando subsídios e desonerações e fechando a economia não deu certo. Então, precisa sair aos poucos desse modelo para abordar questões mais fundamentais, que já falamos aqui, como juros, que é o custo do capital, reforma tributária, educação, infraestrutura.

     

    Valor: É possível fazer esse ajuste sem elevar a taxa de desemprego?

     

    Arminio: Sim, creio que sim, mas de novo é bom olhar o cardápio real. Os primeiros sinais de desemprego já estão aí, nos dados do Caged isso já está acontecendo, e vai piorar bastante. O que existe não é um cenário imaginário onde as coisas vão continuar bem com a mesma política. Isso não vai acontecer. O próprio governo já está falando em ajuste, o que é bom. Infelizmente, o cardápio hoje é não fazer nada e ter uma crise séria, que pode não acontecer em semanas ou meses, mas vem, ela está encomendada, ou fazer o ajuste e ser feliz. A coisa chegou a tal extremo que o ajuste é virtuoso, ele vai trazer crescimento.

     

    Valor: E quem vai comandar esse ajuste no Ministério da Fazenda?

     

    Arminio: Eu espero que, sob o presidente Aécio eu faça parte desse time.

     

    Valor: Mas você consideraria fazer parte da equipe da Marina?

     

    Arminio: Estou 100% com Aécio. Não consideraria, acho que Aécio é a melhor alternativa.

     

    Valor: Embora você tenha falado em não elevar a carga tributária, a Cide voltaria por causa do etanol?

     

    Arminio: Sim, com certeza, e não só pelo etanol, pelo meio ambiente também. É um crime ambiental deixar isso tão fora de preço assim.

     

    Valor: E a regra do mínimo?

     

    Arminio: Eu acredito que a longo prazo os salários acompanham a produtividade. E num país que volte a crescer e ter um desempenho melhor da produtividade, essa regra cabe nas contas. Esse é um tema, também, altamente venenoso no debate. Não vejo nenhuma razão para mexer nisso desde que o país possa crescer. O que não dá é para querer que o salário cresça e a economia não cresça para sempre.

     

    Valor: Quanto é possível crescer no primeiro ano de um eventual governo Aécio.

     

    Arminio: É muito difícil ter essa estimativa. Estamos indo para crescimento baixo ou recessão se a coisa não mudar. Quanto eu não arrisco, mas lá no final [de 2015] dá para estar crescendo 4% ou mais. No início de 1999, algumas contas diziam que o PIB ia crescer menos 4%. Crescemos 0,5%. É preciso colocar o comportamento das pessoas, a expectativa, a confiança na conta. Isso é economia, não é contabilidade. Vamos crescer. Tem muita coisa boa para fazer. Não tenho medo de arrumar a casa.

     

    Fonte: Valor Econômico

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