Por Sergio Leo
Bicicletas alaranjadas patrocinadas por um Banco e pilotadas por turistas, brasilienses de folga e burocratas de terno cruzam a Esplanada dos Ministérios em Brasília, que também ampliou sua rede de ciclovias, confirmando o gosto, na capital, pelo hábito salutar do transporte sustentável.
Outro tipo de pedalada, porém, tem ganho mais impulso e colorido a partir do Ministério da Fazenda. Os novos métodos de transportar a contabilização de despesas públicas de um balanço mensal para o outro, para embelezar as contas fiscais, tiram transparência da gestão econômica e devem ser tema de debate em Washington, na próxima reunião anual do FMI.
Não se sabe até onde o governo quer chegar com essa prática insustentável de pedalar para adiante o registro de gastos já assumidos. Nem o repasse de imposto sindical para centrais foi poupado dos atrasos na liberação de verbas, praticados pela Secretaria do Tesouro para embelezar os resultados das contas fiscais do governo federal.
O economista Mansueto de Almeida, que colabora com o candidato oposicionista Aécio Neves, calcula em R$ 30 bilhões a R$ 35 bilhões a conta pendurada nos bancos oficiais relativas aos subsídios que devem ser cobertos pelo Tesouro no Programa de Sustentação de Investimentos, do governo federal.
Grandes construtoras, que em governos anteriores assistiam ao adiamento na liberação de pagamentos, para os últimos dias do mês, especialmente em fim de semestre, veem o volume adiado aumentar, com as grandes obras de infraestrutura.
O secretário-geral da organização não governamental Contas Abertas, Gil Castelo Branco, alerta para o risco de enorme conta de “restos a pagar” neste ano eleitoral, com a prática adotada de deixar para os últimos dias do mês a liberação de ordens de pagamento às construtoras, atrasando, assim, a contabilização das despesas de infraestrutura – maiores neste ano.
Um executivo de uma dessas empresas comentou com a coluna que a prática de postergar as ordens de pagamento não é nova, embora os volumes financeiros tenham aumentado nos últimos meses. O que mais alarma as grandes empresas de construção é o anúncio extraoficial de que, por haver esgotado o orçamento deste ano, não haverá dinheiro para todos os compromissos do Proex, linha de financiamento a exportações. O Tesouro tem negado problemas nessa linha, mas os beneficiários garantem que as vendas ao exterior bancadas por elas estão ameaçadas neste ano.
Atrasos na contabilização de despesas que têm de ser cobertas apenas adulteram os indicadores da qualidade das contas públicas, fundamentais para avaliar as condições da economia. A dimensão que esse problema ganhou no Brasil deve ser tema do painel sobre “Transparência Fiscal” a ser promovido pelo Banco Mundial durante o encontro anual da instituição e do FMI, em outubro, para o qual foi convidada a Contas Abertas.
Com o acompanhamento do gasto público dificultado pelas “pedaladas”, a ONG informará à comunidade financeira internacional ter pedido ao Ministério Público que acione o Tribunal de Contas da União para avaliar o real impacto desse verdadeiro “tour de France” contábil imposto aos pagamentos do Tesouro.
A prática do governo tem sido cobrir os créditos das “pedaladas” fiscais depois que a imprensa os descobre. Fez isso recentemente, ao transformar em positivo o saldo negativo que tinha com a Caixa no fim de junho, devido ao atraso no repasse para pagar benefícios sociais; fez com o crédito agrícola do Banco do Brasil, e com o Proex, regularizado depois de noticiado o atraso por esta coluna.
Os técnicos alegam que os pagamentos estavam previstos e que os jornais exageram. Irritado com as más notícias de “certa imprensa”, o governo não tem agido de forma a aumentar a transparência e a qualidade das despesas públicas, de forma a desmoralizar o pessimismo. Pelo contrário, quem acompanha a execução fiscal tem se alarmado com o aumento na opacidade da administração pública.
O recurso ao controle na boca de caixa, pelo qual o Tesouro segura o orçamento e os ministérios decidem como aplicar o resto, foi adotado como prática gerencial. O resultado, como se viu em governos passados, é a irracionalidade nos gastos com as prioridades invertidas: gasta-se primeiro o supérfluo na expectativa de que não será recusada suplementação de verbas para pagamentos essenciais. E o próprio governo fica sem ter instrumentos confiáveis para avaliar seus gastos e necessidades.
O Valor mostrou, nas últimas semanas, como o governo passou a atrasar o pagamento de despesas a cargo de bancos oficiais, como os subsídios ao crédito agrícola, os desembolsos aos programas sociais e à Previdência. O atraso da União para cobrir os pagamentos feitos pela Caixa e outros bancos públicos e privados havia chegado aos bilhões de reais no fim do último semestre. No caso do crédito agrícola, o débito da União com o Banco do Brasil, de R$ 8 bilhões, mais que dobrou em comparação aos anos anteriores.
O governo argumenta que a conta com os bancos varia conforme o fluxo de pagamentos, e que pode ficar negativa ou positiva, a depender da execução de pagamentos pelas instituições financeiras. Curiosamente, porém, tem aumentado o número de meses em que os bancos pagam antecipadamente mais do que recebem da União, a ponto de gerar fricções entre a Caixa, o Banco Centra e o Tesouro.
“A dívida com a Caixa foi quitada só depois que os dirigentes recorreram à Advocacia-Geral da União e o Tesouro, assustado, pagou”, afirma Gil Castelo Branco. O dano à credibilidade dos indicadores oficiais é tão difícil de contabilizar quanto o real volume das atuais despesas do governo. Mas, como os gastos empurrados para frente na base das pedaladas, é um custo implacável, que o país acabará pagando.
Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. É autor do livro “Ascensão e Queda do Império X”, lançado em 2014. Escreve às segundas-feiras
E-mail: sergioleo.valor@gmail.com
Fonte: Valor Econômico