PIB fraco e desonerações tornam cenário para contas públicas mais difícil que em 2011

    No primeiro ano do seu atual mandato, a presidente Dilma Rousseff fez um esforço fiscal “invejável” – 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB). Tal passado poderia credenciar a presidente para o início do segundo mandato, mas 2015 será um ano muito diferente do que foi 2011 e alcançar um superávit fiscal primário de vulto será uma tarefa mais difícil.

    A economia está crescendo muito menos, há um conjunto de desonerações tributárias adicionais (que devem custar R$ 100 bilhões este ano) que comprometem a arrecadação e despesas que não existiam naquele ano estarão presentes.

    O aumento do salário mínimo é um exemplo: ele foi zero em 2011 e para 2015 todas as despesas relacionadas a ele – quase metade da despesa primária da União – começarão o ano subindo mais de 2% além da inflação.

    Em 2010, a economia brasileira cresceu 7,5% e parte desse avanço impulsionou a arrecadação federal no ano seguinte, que cresceu 10%, enquanto as despesas foram efetivamente controladas (subiram 3,4% e seu peso em proporção do PIB caiu mais de um ponto percentual).

    A estagnação de 2014 continuará afetando boa parte da arrecadação de 2015, ano para o qual espera-se um PIB ainda fraco.

    O economista Fernando Montero, chefe do departamento econômico da corretora Tullet Prebon, lembra que não há crescimento neste ano, o PIB seguirá fraco em 2015, haverá aumento real de 2,5% no salário mínimo e o governo “arrumou” despesas extras com várias desonerações que continuarão pressionando o caixa da União.

    Nas contas de Montero, além do crescimento menor e das despesas já contratadas pelo aumento do mínimo, há outra diferença jogando “contra” o governo: o superávit “oficial” deste ano será de apenas 0,2% do PIB, segundo seus cálculos.

    “Não estou falando de superávit efetivo e recalculado. Não, esse será o dado oficial”, diz Montero.

    Com isso, “o ponto de partida para o próximo ano é muito ruim, muito pior do que foi lá atrás”, diz, referindo- se a 2011. Em 2010, o superávit do conjunto do setor público foi de 2,8% do PIB.

    “Antes de começar a melhorar o resultado fiscal, ele ainda vai piorar.

    Mensalmente, a conta em 12 meses continua piorando”, diz Montero, falando da comparação entre a evolução mensal das despesas e das receitas.

    Como o ritmo de arrecadação caiu muito (tanto pelo baixo PIB, como pelas desonerações), a professora Margarida Gutierrez, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que o ajuste fiscal de 2015 terá que ser feito pelo lado da despesas. “E o corte não pode ser apenas nominal”, diz. Margarida lembra que 62% da receita primária da União é usada para pagar pessoal e INSS, incluindo a previdência dos servidores. Se a esses gastos forem incorporados os programas de transferência, como Bolsa Família, salário para os idosos, abono salarial e seguro-desemprego, esse comprometimento sobe para 73%.

    Diante da falta de espaço de manobra, Margarida acha que o governo terá que enfrentar mudanças que passam pela revisão de regras e maior controle de despesas como pensão por morte e seguro desemprego, além de iniciar uma discussão de reforma previdenciária.

    “Ou você desvincula a Previdência do reajuste do salário mínimo, ou muda a regra de correção”, diz a professora da UFRJ.

    Marcos Mendes, consultor do Senado, também coloca algumas das mesmas despesas listadas por Margarida como fortes candidatas a contribuir – pela extinção ou pela revisão de regras – com o ajuste fiscal necessário. Para ele, o abono salarial deveria ser extinto e as regras de pensão por morte precisam ser revistas. Na sua lista de revisão, ele coloca a desoneração da folha de salários e defende que ela acabe. “Ela não resolve o problema de competitividade da indústria e você troca um tributo sobre valor adicionado, que é a contribuição sobre a folha, por um tributo cumulativo [alíquota sobre faturamento]”, critica Mendes.

    Para o consultor do Senado, contudo, o ajuste fiscal também depende de uma ação de recuperação da credibilidade fiscal do governo.

    Fim da contabilidade criativa, suspensão das operações de repasse ao BNDES, contabilização adequada das concessões, fim das sucessivas aberturas de Refis, adoção de uma regra fixa para pagamento de dividendos pelas empresas estatais à União, regularização dos pagamentos que bancos públicos fizeram em nome do Tesouro, entre outras medidas no sentido da transparência são defendidas por Mendes. “Isso pode resultar em piora dos dados fiscais, mas é preciso explicitar esses esqueletos para recuperar credibilidade.” Os três analistas acreditam que entre as alternativas do governo para fazer ajuste fiscal no próximo ano estão o fim das alíquotas reduzidas do IPI e a volta da Cide, o imposto sobre combustíveis. Neste ano, o governo calcula em pouco mais de R$ 1 bilhão por mês a renúncia fiscal para manter a alíquota da Cide zerada. Por ano, o valor aproxima-se de R$ 13 bilhões. Se o governo também desistir de manter reduzidas as alíquotas sobre automóveis, móveis, laminados, entre outros bens, pode reforçar a arrecadação em mais R$ 1,6 bilhão.

    A questão é que, além das desonerações da folha de salários (estimadas em R$ 24 bilhões para 2015, valor considerado subestimado por muitos analistas), o governo anunciou ampliação do Reintegra e estimou essa renúncia fiscal em R$ 5 bilhões.

    A exemplo de Mendes, Montero também defende que o governo precisa “limpar o fiscal” (significa reconhecer todas as despesas explícitas e implícitas) e mostrar um número que reflita a real situação das contas públicas. Precisa também reconhecer as pressões e incorporar aos preços as defasagens tanto de administrados como de bens industriais afetados pelo câmbio; e absorver esse choque na inflação, movimento que deve ser compensado por aumento da TJLP ou da taxa Selic. Ou seja, para Montero, o governo vai precisar lidar com um ajuste recessivo.

    Margarida chama atenção para um problema fiscal adicional. Durante alguns anos, o tamanho do superávit primário não preocupava tanto do ponto de vista da evolução da dívida líquida, porque ela continuou caindo em proporção do PIB e outros elementos (como a valorização cambial e a redução da taxa básica de juros) ajudaram nessa dinâmica. Essa situação mudou, o juro da dívida líquida se descolou da Selic e a dívida voltou a subir.

    Depois de encerrar 2013 em 33,6% do PIB, ela subiu para 35,9% nos 12 meses terminados em agosto.

     

    Fonte: Valor Econômico

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