PT e governo em crise de identidade

    Legenda completa 35 anos em meio a ataques de integrantes da própria sigla, arestas entre Dilma e Lula, denúncias de corrupção na Petrobras e enfraquecimento da influência sobre o Congresso Nacional

    N o 13° ano no poder, o PT vive a crise da meia-idade, com 35 anos recém-completados, e uma divisão cada vez mais explícita entre o criador (Luiz Inácio Lula da Silva) e a criatura (Dilma Rousseff). Apesar dos cochichos repetidos na festa petista da última sexta-feira, o distanciamento entre a presidente e o antecessor é cada vez maior. Afundado em denúncias de corrupção da Petrobras, o PT equilibra-se entre a necessidade de defender o projeto de país que representa e a angústia de ver-se preterido nas decisões tomadas pela mandatária do Executivo.

    “Estamos com 38 dias de segundo mandato e não conseguimos produzir um fato positivo”, lamentou um senador. “Caminhamos para um fim de governo melancólico”, completou, como se faltassem 12 meses para o término do mandato de Dilma. Na verdade, 47. “A presidente está cada vez mais isolada, não confia em ninguém, não reparte informações”, completou outro parlamentar. “Nunca imaginei dizer isso: que saudades de 2014”, disse um auxiliar próximo à petista, remetendo à mais dura campanha presidencial da recente história da democracia brasileira. 

    Principal partido de apoio a Dilma, o PT sente-se escanteado. O presidente nacional da legenda, Rui Falcão, é considerado uma figura meramente decorativa, sem qualquer força na relação com o Palácio do Planalto. Internamente, os mais saudosistas ressuscitam as presidências de José Genoino, José Dirceu – ambos condenados no escândalo do mensalão – e do ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini. “O PT virou um capacho”, resumiu um deputado.

    Durante as negociações para a composição do ministério de que tomaria posse em 1° de janeiro, ele simplesmente foi alijado do debate. “Não adiantava ligar para o Rui para saber quem seria indicado para onde. Ele sempre repetia: não sei de nada, ninguém me consultou”, lamentou uma liderança partidária. “Existe um clima completo de mal-estar na relação entre o partido e o governo”, disse um articulador petista. 

    Prova disso, segundo ele, é que, em todas as reuniões da bancada de senadores realizadas ao longo da semana passada, a figura mais saudada internamente foi a senadora Marta Suplicy (PT-SP), que repete duras críticas ao governo e ao próprio partido desde que deixou o Ministério da Cultura, no início de dezembro. “Você está certa. Disse exatamente o que nós queríamos dizer”, repetiam os colegas de bancada. Segundo apurou o Correio, somente a senadora Gleisi Hoffmann (PR) defendeu Dilma. Não à toa, ambas se estranharam, aos gritos, em um desses encontros.

    Integrantes do partido reclamam que a presidente Dilma está desconectada da realidade e que ela fechou os ouvidos até mesmo aos conselhos do ex-presidente Lula. Na véspera do anúncio de que Aldemir Bendine seria o novo presidente da Petrobras, Lula ainda acreditava que, entre as opções de substituto a Maria das Graças Foster, estariam nomes como Murilo Ferreira, da Vale, ou de outros representantes do setor privado. “Ele não fazia a mínima ideia de que Bendine seria o indicado”, disse um petista que conversou longamente com o ex-presidente.

    O alheamento ao fato não foi um privilégio de Lula. Durante reunião emergencial com os conselheiros políticos mais próximos – os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Jaques Wagner (Defesa), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Ricardo Berzoini (Comunicações) – na última quinta-feira, Dilma já havia escolhido Bendine para a Petrobras. Mas não falou nada àqueles escalados para ajudar-lhe a tomar as decisões políticas e desanuviar as crises.

    Sob pressão 

    O PT também debate-se com outras decisões presidenciais. Na última segunda-feira, Rossetto foi chamado de mentiroso e vaiado em um evento realizado na sede da União Nacional dos Estudantes (UNE). Os ataques foram desferidos quando ele defendeu a política econômica implementada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, negando que ela seja neoliberal. A escolha de Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura também ainda não foi perdoada pela militância. “Kátia Abreu na Agricultura e Patrus Ananias no Desenvolvimento Agrário compõem um embate entre dois projetos de país dentro do nosso governo”, reconheceu um interlocutor palaciano. 

    Ainda, existe o pesadelo da Operação Lava-Jato. Para aumentar o constrangimento latente, o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, foi obrigado a depor na Polícia Federal, em São Paulo, na quinta-feira, véspera da festa de 35 anos do partido em Belo Horizonte. “Claro que foi uma m.”, esbravejou um cacique petista da Câmara. “Todo mundo sabe onde o Vaccari trabalha. A PF precisava promover aquele espetáculo?”, revoltou-se o deputado. 

    “O clima no PT está azedo. Azedo internamente, azedo com os ministros que estão no poder, azedo com a presidente Dilma. Ninguém aguenta mais”, resumiu um militante desiludido. “A angústia do PT é que eles perderam as ruas. Ninguém hoje sairá, espontaneamente, com as bandeiras para defender esse governo que aí está”, provocou o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB). 

    “A angústia do PT é que eles perderam as ruas. Ninguém hoje sairá, espontaneamente, com as bandeiras para defender esse governo que aí está”

    Cássio Cunha Lima (PB), líder do PSDB no Senado

     

     A estrela desmorona

    O inferno astral do PT e a péssima relação com a presidente Dilma Rousseff 

      

      

    Escanteado 

    » O partido sente-se longe das decisões. Nomes escolhidos para a Esplanada, como o de Kátia Abreu (Agricultura), não passaram pelo crivo da legenda. 

       

    Lava-Jato 

    » Dez anos após a deflagração do escândalo do mensalão, o PT, do tesoureiro João Vaccari Neto, torna-se, novamente, protagonista de um escândalo de corrupção. 

      

    Dilma x Lula 

    » O mentor e a pupila entendem-se cada vez menos. Dilma decide as ações de governo sem consultar o cacique, que já manifestou descontentamento. 

      

    Política econômica 

    » O PT tem dificuldades em explicar os aumentos de tarifa da energia, da gasolina  e a política econômica implementada por Joaquim Levy no Ministério da Fazenda.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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