Questão de justiça nos planos econômicos

    Gustavo Loyola

    O Supremo Tribunal Federal (STF) provavelmente retomará em 2014 o julgamento das demandas relativas aos planos econômicos. Na visão de alguns, os poupadores foram sistematicamente garfados nos planos, tendo-lhes sido subtraída, em benefício dos bancos depositários, parcela da remuneração a que teriam direito em seus depósitos de poupança. Fosse isso verdade, caberia agora ao STF fazer justiça e obrigar os bancos a repor a remuneração indevidamente subtraída. Porém, entendo ser falacioso o argumento de que os poupadores sofreram perdas. Não houve prejuízo para os titulares das cadernetas de poupança, nem os bancos obtiveram ganhos com as fórmulas adotadas nos planos. 

    Uma preocupação comum em todos os planos econômicos que se seguiram à experiência do plano Cruzado foi o de evitar que a queda abrupta da remuneração nominal dos depósitos em poupança levasse ao saque massivo de recursos e ao aumento abrupto do gasto pelas famílias. Conhecia-se o efeito deletério da elevação rápida da demanda agregada que se seguia à estabilização dos preços e, por isso, tratou-se de dar aos poupadores os incentivos corretos para a manutenção de seus depósitos. 

    Como consequência, nos meses posteriores aos planos, as cadernetas receberam juros reais acima dos previstos 0,5% ao mês. Essa remuneração, na maioria dos casos, foi igual ou mesmo superior à que os poupadores poderiam obter se tivessem aplicado em outros ativos financeiros disponíveis no mercado. 

    Bancos públicos estão entre os maiores perdedores potenciais no caso de decisão a favor dos poupadores 

    A título de exemplo, consideremos o acontecido no plano Verão. As cadernetas passaram a ser corrigidas pela remuneração acumulada das Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), ou seja, pela própria taxa básica de juros da economia (taxa Selic). Segundo documento do Ministério da Fazenda, dessa metodologia resultou um ganho acima da inflação de 20,8% nos primeiros quatro meses de 1989! Observe-se que os depositantes tiveram 100% da taxa Selic naquele período. Assim, caso os tribunais acolham os argumentos dos poupadores, as remunerações das cadernetas ficariam ainda mais acima das taxas de mercado praticadas na época dos planos e implicaria ganhos não justificados. 

    Uma questão técnica, mas de muita relevância na discussão dos planos econômicos, diz respeito às modificações metodológicas realizadas no cálculo dos índices de preços nos momentos de introdução da maioria dos planos. Tais índices de preços são usualmente calculados comparando-se um nível médio de preços de uma cesta de bens e serviços num determinado mês com o nível médio desses preços verificado no mês anterior. Porém, nos meses de introdução dos planos (Verão e Bresser), tal cálculo foi substituído pela comparação de um vetor de preços coletado nos dias imediatamente anteriores ao plano e o nível médio de preços no mês anterior. Pode-se demonstrar aritmeticamente que esse procedimento leva ao aumento da inflação calculada no mês de sua introdução, mormente quando a inflação estava se acelerando. Em contrapartida, no mês seguinte, a inflação apurada será menor, uma compensando a outra. Toda essa questão foi profundamente abordada em recente artigo de Marcos Lisboa e José Alexandre Scheinkman. 

    Outro aspecto de relevo para o julgamento da controvérsia é a necessidade de manutenção do equilíbrio entre a remuneração dos depósitos de poupança e a dos financiamentos realizados com os recursos oriundos dessa fonte. Como se sabe, segundo as normas do CMN e do BC, os depósitos de poupança são obrigatoriamente aplicados em financiamentos habitacionais ou para a atividade rural (no caso das captações do Banco do Brasil), além de parcela que é direcionada para depósitos compulsórios no próprio BC. Apenas um percentual menor dos depósitos pode ser livremente aplicado. Por ocasião dos planos, as leis e normas previram que fossem utilizados os índices de correção da caderneta aos financiamentos e depósitos compulsórios realizados com recursos dessa fonte. Não houve, assim, tratamento desigual entre as fontes de recursos e as aplicações dos bancos e, por conseguinte, não é correto dizer que essas instituições ganharam com as regras de correção adotadas nos planos econômicos. Vale dizer que não há evidência de que os bancos tenham tido em seus balanços resultados acima da média, nos anos de deflagração dos planos. 

    Por último, não bastasse a fragilidade factual da tese de perdas de poupadores com os planos econômicos, o Judiciário deve considerar os efeitos deletérios que poderão resultar de uma decisão favorável aos poupadores. Os bancos públicos estão entre os maiores perdedores potenciais de uma decisão dessa natureza, o que exigiria do governo um esforço adicional no momento em que já existem dúvidas sobre a trajetória da política fiscal. Por causa disso, haveria o aumento substancial do risco de rebaixamento da nota de risco do Brasil, o que comprometeria a capacidade de crescimento do país nos próximos anos. Ademais, o comprometimento do capital dos bancos – dependendo de sua intensidade – poderia levar à diminuição da oferta de crédito, com consequências igualmente negativas para a atividade econômica. 

    Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo. Escreve mensalmente às segundas-feiras. gloyola@tendencias.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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