Reforma inacabada, fortuna sem destino

    Indefinição quanto à mudança de comando em oito ministérios mantém R$ 72 bilhões praticamente parados na Esplanada

    PAULO DE TARSO LYRA

    A demora da presidente Dilma Rousseff em completar a reforma ministerial – algo que interlocutores garantem que estará resolvido até a primeira quinzena de março – não tem provocado apenas angústia nos partidos políticos e nos candidatos a ministro. A indecisão palaciana afetou o ritmo da máquina pública. São, ao todo, R$ 22 bilhões à espera da definição dos novos titulares das pastas. Se nessa conta for incluída a Secretaria de Portos – que não tem um orçamento expressivo, mas comandará investimentos, nos próximos anos, de R$ 50 bilhões -, a conta sobe para R$ 72 bilhões. 

    De acordo com interlocutores que frequentam o Planalto, Dilma deve aproveitar o feriado de carnaval em Aratu (BA) para concluir o novo desenho do mapa ministerial. Na última quinta, antes de embarcar para a Bahia, ela se reuniu com o vice-presidente da República, Michel Temer, para passar em revista as alianças estaduais entre PT e PMDB e avaliar quais as soluções para acomodar o partido na Esplanada. Nesse processo, voltou à pauta o nome do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), relegado a segundo plano após ser cotado para o Ministério da Integração Nacional em setembro. Mas ainda existem mais dúvidas do que certezas nessas negociações. 

    Entretanto, segundo fontes palacianas, é urgente a necessidade de uma definição. Dilma queria ter concluído a reforma em dezembro para que, em janeiro e em fevereiro, os novos titulares das pastas tivessem compreendido o funcionamento da máquina, e o governo deslanchasse novamente a partir de março, logo após o carnaval. Todo esse planejamento caiu por terra. Para agravar a situação, os respectivos empenhos orçamentários só poderão acontecer até junho, por conta do calendário eleitoral. Depois dessa data, só terão continuidade as obras e os projetos já iniciados. 

    Os números impressionam, sobretudo em um país carente de investimentos e que precisa vencer a inércia para crescer em ritmo acelerado. O Ministério da Agricultura, por exemplo, que, em tese, defende políticas para o agronegócio – setor econômico que tem garantido praticamente sozinho os recentes resultados do Produto Interno Bruto (PIB) -, conta com orçamento de R$ 1,1 bilhão. O ministro Antônio Andrade (PMDB) já avisou que vai sair, mas Dilma não consegue acertar com o PMDB quem a bancada da Câmara indicará. A única certeza é de que o secretário de Defesa Agropecuária, Ênio Marques, filiado ao PSD e ligado à presidente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), está fora do páreo. 

    Relator do Código Florestal no Senado, o senador Jorge Viana (PT-AC) está preocupado com a demora. Segundo ele, representantes dos ruralistas estão aproveitando o vácuo de comando para tentar promover alterações nas negociações do Cadastro Ambiental Rural (CAR), feito em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente. “Eles querem mudar as regras aprovadas durante a tramitação do Código Florestal, segundo o qual as multas têm de ser calculadas sobre as propriedades rurais, e não sobre a matrícula das terras. Se isso acontecer, um produtor poderá fracionar propriedades e pagar uma multa menor”, alertou Viana. 

    Outro exemplo de prejuízo, embora a pasta já tenha definido a própria sucessão, aconteceu no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic). “Havia um debate sobre a necessidade de implementar ações antidumping que ficaram à espera de uma decisão política que só poderia ser dada pelo novo ministro”, ressaltou o cientista político Leonardo Barreto, que acompanhou de perto esse debate. O processo retomou o curso após a decisão de Dilma de indicar Mauro Borges, ex-presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), como o substituto do petista Fernando Pimentel, que deixou o cargo para concorrer ao governo de Minas Gerais. Mas essa solução só foi dada após as recusas de Josué Gomes e de Abílio Diniz para assumir o Mdic. 

    Perfil técnico 

    A Secretaria dos Portos, que antes da reforma ministerial era ocupada pela ala do PSB ligada aos irmãos Cid e Ciro Gomes (Ceará), também entrou nessa conta. Com a saída de ambos do partido socialista rumo ao Pros, Dilma nomeou Antonio Henrique Silveira, ex-titular da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, para o cargo de ministro. Pessoas ligadas ao setor torcem para que a solução técnica seja mantida, para que os investimentos previstos em concessões que chegam à monta dos R$ 50 bilhões não fiquem subordinados a ingerências políticas e fisiológicas. 

    O diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antonio Augusto de Queiroz, reforça que a reforma ministerial tanto na hora de fazer indicações de perfil técnico quanto político. “Empresários recusaram o convite de Dilma para assumir o Mdic. Nas indicações estritamente políticas, ela também encontra dificuldades para fechar a equação”, analisou. 

    Além disso, a tradição do governo em contingenciar recursos para garantir o equilíbrio das contas públicas só agrava o problema. A mais recente tesourada foi de R$ 44 bilhões. “Os ministérios sempre sofrem com os cortes, exceção feita àqueles que têm obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou têm iniciativas sociais. Sem a definição do titular, as coisas ficam ainda mais difíceis”, completou Queiroz. 

    Em compasso de espera 
    Confira os ministérios que terão troca de comando, o orçamento de investimento previsto para 2014 e como será o processo de sucessão 

    Agricultura: R$ 1,1bilhão 
    Titular: Antonio Andrade (PMDB) 
    A vaga pertence ao PMDB da Câmara 

    Ciência, Tecnologia e Inovação: R$ 1,3 bilhão 
    Titular: Marco Antônio Raupp (PMDB) 
    O PSD chegou a pleitear o cargo, mas a vaga deve ficar com os peemedebistas 

    Desenvolvimento Agrário: R$ 667 mil 
    Titular: Pepe Vargas (PT) 
    O substituto será o petista Miguel Rossetto 

    Integração Nacional: R$ 7,6 bilhões 
    Titular: Francisco Teixeira (técnico ligado aos irmãos Cid e Ciro Gomes, ambos do Pros) 
    A vaga ficará com o PMDB do Senado ou com o Pros 

    Turismo: R$ 1,1 bilhão 
    Titular: Gastão Vieira (PMDB) 
    A vaga, em tese, pertence ao PMDB da Câmara, mas a bancada tem pressionado Dilma e chegou a ameaçar não indicar substituto 

    Cidades: R$ 10,07 bilhões 
    Titular: Aguinaldo Ribeiro (PP) 
    A vaga continuará com o PP 

    Pesca: R$ 190 mil 
    Titular: Marcelo Crivella (PRB) 
    A vaga pertence ao PRB 

    Secretaria dos Portos: coordenará R$ 50 bilhões em investimentos previstos* 
    Titular: Antonio Henrique Silveira (ex-secretário interino da Secretaria de Desenvolvimento Econômico) 
    O cargo é técnico, mas poderá ter uma indicação política. PMDB e Pros correm por fora 

    Total: R$ 72,02 bilhões 

    * O orçamento da Secretaria dos Portos é irrisório, mas a pasta, ao lado da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), comandará investimentos bilionários da iniciativa privada nos próximos anos. 

     

    Fonte: Correio Braziliense

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