Regulação pós 2008 ainda precisa avançar

    Comitê de Estabilidade Financeira internacional diz ao G20 que é fundamental monitorar

    LéaDe Luca
    Natália Flach

    Cinco anos depois da crise financeira que eclodiu em setembro de 2008 com a quebra do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos, ainda há muito a ser feito pela reforma da regulamentação dos mercados financeiros internacionais. O relatório do Comitê de Estabilidade Financeira (FSB, ou Financial Stability Board), emitido para os líderes do G20 reunidos na Rússia na semana passada, diz que a raiz dos problemas foi o excesso de alavancagem e a fraca administração de riscos dos bancos mas que a pouca regulamentação dos mercados de derivativos ajudou a multiplicar os problemas.

    “Nosso trabalho avançou substancialmente, mas ainda não está completo e precisamos assegurar que novos riscos que possam aparecer sejam monitorados constantemente”, afirma o relatório sobre os progressos nas reformas dos mercados financeiros, que também está empenhado na implantação das regras da terceira fase do acordo de capitais conhecido como Basileia III e na adoção de regras comuns por vários países. Um dos objetivos do pacto firmado como G20 logo após a crise para melhorar a regulamentação dos mercados é tornar os derivativos mais seguros.

    No relatório, esse é um dos pontos que merecem mais empenho para serem finalizados: “Nem todos os países do G20 já implantaram os compromissos de promover maior transparências a essas operações de balcão”, diz o documento do FSB. No Brasil, o mercado de derivativos, considerado um dos mais sofisticados do mundo, é regulado pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários ) CVM). A maior parte das operações é feita na BM&FBovespa — que desde 2008 aumentou suas operações em mais de 250% – e uma menor parcela no chamado mercado de balcão.

    Segundo o diretor da CVM, Otavio Yazbek, a crise de 2008 pressionou por uma maior regulamentação do mercado de derivativos porque neste segmento é que surgem os produtos inovadores com novos riscos, como foram os de crédito imobiliário. Para ele, a regulação no Brasil está um passo a frente. “Tanto a CVM quanto o Banco Central permanentemente reavaliam as condições de mercado a fim de verificar se alguma nova medida se impõe.

    Sobre as recomendações internacionais, porém, estamos mais adiantados que a maioria dos outros países”, diz. Maria Helena Santana, que era presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) na época da crise em 2008, diz que a discussão por mais garantias nessas operações também estão sendo feitas aqui mas lembra que os mercados de derivativos no Brasil sempre foram mais bem-regulados do que nos Estados Unidos. “Os reguladores já haviam aprendido com as crises dos anos 1990 a serem mais exigentes”, afirma.

    Conselheira em empresas como Pão de Açúcar e CPFL, Maria Helena Santana acha, no entanto, que as lições da crise de 2008 no Brasil foram outras. Uma delas, por exemplo, foi perceber que os registros de operações com derivativos nos balanços das empresas abertas não-financeiras não eram tão transparentes quanto se imaginava.

    Na época, Sadia e Aracruz sofreram perdas de mais de US$ 2 bilhões com operações especulativas no mercado futuro de dólar, apostando que a moeda continuaria caindo em relação ao real, tendência que foi bruscamente revertida com a crise. As duas empresas quebraram na época, sendo compradas. Alexandre Cabral, professor de finanças e especialista em derivativos, lembra que após esse episódio, a CVM exigiu melhorias nos balanços de 88 empresas e 11 tiveram que republicar suas demonstrações por causa de derivativos. .

    Segundo o diretor da CVM, Otavio Yazbek, para enfrentar esse problema, a CVM aumentou os requisitos de transparência para essas informações, seja por meio do formulário de referência (da Instrução CVMn. 480), seja por regras contábeis mais adequadas. Mas para a ex-presidente da CVM, o aperfeiçoamento da regulação é importante mas não é totalmente eficiente. “A crise deixou os reguladores mais atentos, monitorando mais de perto produtos ‘criativos’ para burlar as leis. Mas se está sempre olhando para o passado. Não é possível prever o futuro 100%”, diz.

    Retomada americana torna regulação viável

    A escolha de Janet Yellen para a presidência do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, pode levar a adoção de regras mais restritivas nos mercados de derivativos americanos. Já o economista Lawrence Summers tende a manter a regulação mais frouxa. A avaliação é do economista da Simplific Pavarini e professor de economia do Ibmec-RJ, Alexandre Espírito Santo.

    Para ele, a regulamentação de derivativos no mercado americano não avançou nos últimos anos porque havia o risco de um aperto ainda maior na economia, que ampliaria a crise. Agora, como cenário econômico mais positivo, há espaço para medidas mais conservadoras. A adoção dessa política, porém, depende do perfil do novo presidente. “A Janet temum perfil que favorece essa ação porque foi presidente do banco central de um dos estados que mais sofreu comas questão dos derivativos.

    O Summers não será tão caxias”, resume. O professor de finanças do Insper, Alexandre Chaia, lembra que, apesar do esforço, a regulação nunca será suficiente para coibir o risco, que é da natureza do mercado. “Por isso, a regulação no Brasil avançou mais no sentido de responsabilização do que de controle. Serve de alerta para os agentes, mas sem reflexo na cultura”, diz, lembrando que há pouco mais de uma semana o presidente do Banco Central alertou o mercado para o risco de apostas cambiais na direção errada.

     

    Fonte: Brasil Econômico

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