Copom pede atenção a superávit estrutural

    Por Ribamar Oliveira | Brasília

    O Banco Central surpreendeu a todos com a observação, colocada na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), de que “criam-se condições para que, no horizonte relevante para a política monetária, o balanço do setor público se desloque para a zona de neutralidade”. Provavelmente, os diretores do BC estejam se referindo à decisão do governo de realizar um esforço fiscal adicional de R$ 10 bilhões neste ano, anunciado no fim de julho.

    Com isso, o superávit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) neste ano passará de R$ 63,1 bilhões ou 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB) para R$ 73,1 bilhões ou 1,5% do PIB. Esse esforço adicional, de acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, permitirá obter neste ano um superávit do setor público consolidado de 2,3% do PIB.

    No ano passado, o superávit primário do setor público foi de 2,38% do PIB. Mas esse resultado foi obtido com todos os truques da chamada “contabilidade criativa”, entre eles o uso de uma poupança de R$ 12,4 bilhões do Fundo Soberano do Brasil (FSB) e outras mágicas envolvendo receitas de dividendos de estatais. Se tudo isso for excluído do cálculo, não é impossível que o superávit fique próximo do que será obtido neste ano.

    Aqui cabe uma observação: o Copom já informou que trabalha com o conceito de superávit primário estrutural em seus modelos de projeção econômica, por considerar que esse conceito “permite melhor avaliação do impacto de ações discricionárias do governo, na área fiscal, em determinados períodos”. O superávit estrutural é obtido com a exclusão das receitas e despesas decorrentes dos ciclos econômicos e das receitas e despesas extraordinárias. E dos truques contábeis, claro.

    Assim, parece que o Copom quis dizer que existe a possibilidade de que o superávit primário estrutural deste ano seja neutro, em comparação com o superávit estrutural de 2012, desde que o governo realmente faça o esforço adicional de R$ 10 bilhões com que se comprometeu. Ou que o superávit estrutural nos próximos meses será neutro se o governo fizer um esforço em linha com o que vem realizando. Do ponto de vista do impacto sobre a demanda agregada da economia, o que interessa é estimar o impulso fiscal ocorrido em um período em relação ao anterior.

    Não são conhecidos os cálculos e a metodologia do BC para o superávit primário estrutural. Mesmo quando afirmou que a política fiscal de 2012 foi expansionista em relação à de 2011, medida pelo conceito estrutural, o BC não informou qual tinha sido o superávit estrutural do setor público do ano passado. É importante observar que não há acordo dentro do próprio Ministério da Fazenda sobre a metodologia que deve ser adotada para o resultado fiscal estrutural. Também não há acordo entre a Fazenda e o BC sobre essa questão.

    O BC utiliza, portanto, uma metodologia que não reflete um consenso do governo. Há questões delicadas relacionadas com o conceito estrutural que ainda não estão pacificadas na área econômica, como o ajuste das receitas e despesas ao ciclo econômico, que pressupõe a comparação entre o PIB efetivo e o PIB potencial. Outra dificuldade importante é definir quais receitas extraordinárias devem ser excluídas do cálculo. De qualquer forma, ao analisar a política fiscal sob o prisma do resultado estrutural, o Copom pode ter constatado que ela tenderá à neutralidade se as promessas do Ministério da Fazenda forem cumpridas.

    O problema é que, um dia depois da última reunião do Copom, o governo anunciou a proposta orçamentária de 2014 que prevê uma redução substancial do superávit primário do governo central, que cairia para 1,1% do PIB. Se o “horizonte relevante da política monetária” incluir o próximo ano, o Copom terá que obter o compromisso do governo de que haverá, em fevereiro do próximo ano, um contingenciamento do Orçamento que traga, de novo, a meta de superávit para um patamar próximo ao que será obtido neste ano. Só assim a observação que a política fiscal tende à neutralidade se tornará crível. Mas não se pode esquecer que 2014 é ano de eleições gerais, geralmente marcado por uma política fiscal mais expansionista.

     

    Fonte: Valor Econômico

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