Relator acaba com efeito suspensivo em projeto sobre leniência de bancos

    Relator do projeto de lei que institui os acordos de leniência no Banco Central (BC) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o deputado federal Alexandre Baldy (Pode-GO) modificou a proposta para acabar com o efeito suspensivo de recursos feitos por empresas do sistema financeiro e pessoas que atuam neste setor a sanções aplicadas. O texto era votado ontem no plenário da Câmara do Deputados, mas não tinha sido concluído até o fechamento desta edição.

    O fim do efeito suspensivo já estava previsto na medida provisória (MP) 784, que perderá a validade hoje por falta de votação, mas tinha saído do projeto apresentado pelo deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) e negociado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que articulou a votação de uma nova proposta em substituição à MP.

    A manutenção do efeito suspensivo era bem-recebida por advogados e bancos, ao impedir a aplicação de sanções mais duras enquanto não ocorresse o julgamento do recurso dos acusados no Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional do BC, o “Conselhinho”, ou no órgão colegiado da CVM. Bancos reclamavam que, se não houver o efeito suspensivo, até ser julgado o recurso a empresa já terá quebrado porque uma das punições é a suspensão do funcionamento.

    O relator no plenário, num acordo com o autor, contudo, retomou a proposta do Banco Central de não paralisar automaticamente a pena. “São infrações graves que exigem punição grave. Se a pessoa está cometendo um delito, não podemos deixar que continue atuando”, disse Baldy.

    Pelo novo texto, será necessário provar que o caráter imediato da decisão – o afastamento do executivo, por exemplo – causará danos para suspender a aplicação imediata da punição. Terão esse tratamento três tipos de sanções: proibição de realizar atividades ou modalidades de operação, inabilitação para atuar como administrador e para exercer cargo de instituição sob supervisão do BC e cassação de autorização para funcionamento.

    Numa negociação de última hora com o PT, também foi alterado o termo de compromisso, acordo realizado com o BC e CVM em que instituição paga uma multa para extinguir o processo, mas não reconhece a culpa. Esse tipo de instrumento não poderá ser firmado em caso dessas três infrações mais graves.

    Essas três sanções só serão suspensas em um “acordo administrativo em processo de supervisão”, que na MP era batizado de acordo de leniência. Neste caso, a empresa precisa confessar a irregularidade e apontar delitos cometidos por outros instituições ou pessoas, se existirem. Se for a primeira a “delatar”, a instituição ou pessoa física poderá ter a pena extinta. Se outra já tiver informado a irregularidade, terá no máximo redução de um da dois terços da multa.

    Autor do projeto, Pauderney defendeu a proposta como um fortalecimento dos instrumentos de controle do BC e CVM, com aumento do valor das multas. “Esse é um projeto de Estado, um projeto para o país, para tornar o sistema bancário e o mercado de capitais mais seguro”, disse.

    Já o PT protestou e defendeu que o real objetivo do projeto é preservar os bancos, ao permitir, em acordos que permanecerão sigilosos, a extinção de multas por irregularidades cometidas. “É o pagamento do apoio ao golpe [impeachment]”, afirmou a deputada Érica Kokay (DF). A medida visaria, afirmaram integrantes do partido, salvar as Instituições Financeiras da delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, que atuou no governo Lula.

    Investigado pode propor acordo sem admitir culpa

    Por Talita Moreira e Vinícius Pinheiro | De São Paulo

    Os investigados em processos administrativos no Banco Central e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) poderão propor acordos para corrigir eventual irregularidade, mas sem admitir a culpa perante os reguladores. A mudança no chamado termo de compromisso foi feita no projeto de lei que substitui a medida provisória (MP) 784, que perde a validade hoje.

    O reconhecimento de culpa como condição para a realização dos chamados termos de compromisso foi incluído pelos parlamentares durante a tramitação da MP, mas era considerado um equívoco pelo próprio BC. O projeto de lei de autoria do deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) restitui a ideia do governo prevista no texto original da medida provisória, em que a celebração do acordo não implica a confissão de eventual ato ilícito.

    Pela proposta, os reguladores terão dois instrumentos à disposição para lidar com eventuais irregularidades na esfera administrativa: o termo de compromisso e o acordo de leniência. No primeiro, o acusado pode propor, por exemplo, o pagamento de uma multa para encerrar o processo. Mas é apenas na leniência, agora chamada de “acordo administrativo em processo de supervisão”, que será exigida a confissão de culpa, além da colaboração para a apuração das irregularidades em troca de redução na penalidade.

    Para a advogada Patricia Agra, sócia da área de defesa da concorrência e compliance do L.O. Baptista Advogados, a mudança no projeto é negativa porque pode dificultar a celebração de acordos de leniência com empresas e bancos. “A tendência é que todos busquem o termo de compromisso para não terem a obrigação de reconhecer a culpa ou colaborar com as investigações”, afirma.

    É natural que os acusados de irregularidades prefiram o termo de compromisso, mas o projeto prevê que a palavra final sobre a aceitação do acordo será dos reguladores, segundo o advogado Renato Ximenes, sócio do escritório Mattos Filho. Ele defende que o termo continue da forma como já é usado hoje nos processos da CVM, ou seja, sem o reconhecimento de culpa. “Do jeito que estava, a norma acabaria com a atratividade de um instrumento que já funciona”, diz.

    A leniência deve ser o caminho em situações em que houver infrações mais graves a normas e os reguladores tenham interesse em investigar os casos, mas precisem de instrumentos para reunir provas. “A instituição reconhece a culpa, se compromete a cessar o ilícito e a cooperar com o regulador”, diz Fábio Braga, sócio do Demarest Advogados. Em todo caso, se no curso de uma investigação os reguladores notarem que há indícios de crime, eles continuam obrigados a notificar o Ministério Público.

    Num primeiro momento, o item do PL que mais fez barulho foi a mudança nas multas aplicáveis pela CVM. A MP previa a possibilidade de a autarquia aplicar punições de até R$ 500 milhões, valor que foi reduzido para R$ 50 milhões no projeto. No caso do BC, as penalidades não foram alteradas, mas multas superiores a R$ 50 milhões terão de ser aprovadas por um colegiado do qual façam parte membros da diretoria.

    A revisão, no entanto, não representa um retrocesso, afirma Marcelo Trindade, advogado especializado em mercado de capitais e ex-presidente da CVM. A autarquia poderá aplicar penalidades que sejam proporcionais ao ganho com uma operação irregular, ao tamanho dessa operação, ao prejuízo causado por ela ou R$ 50 milhões – o maior deles. Portanto, essa cifra não representa o teto. “Ainda assim, R$ 50 milhões são dez vezes mais que a multa atual corrigida”, afirma.

    Fonte: VALOR ECONÔMICO

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