Relatório do TCU revela que BC deixou R$ 40 bilhões de fora da dívida federal

    Murillo Camarotto e Alex Ribeiro De Brasília

     

    Após fiscalizar por quase dois meses a contabilidade do governo, os auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) defenderam que oBanco CENTRAL (BC) incorpore à dívida pública um esqueleto de quase R$ 40 bilhões, construído na esteira das chamadas “pedaladas fiscais”. O montante se refere a dívidas da União com bancos e fundos federais que não foram devidamente contabilizadas, resultando em distorções significativas no resultado fiscal dos últimos anos.

    O “esqueleto” foi sendo acumulado ao longo do tempo, aproveitando flancos na contabilidade usada pelo Banco CENTRAL para apurar o resultado primário e a dívida líquida e bruta do setor público. De acordo com números constantes no relatório de fiscalização do TCU, obtido pelo Valor, somente nos seis primeiros meses de 2014 o governo “pedalou” o equivalente a R$ 7,1 bilhões em pagamentos ao Banco do Brasil, BNDES e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

    “Pedaladas” é como ficaram conhecidas as postergações de pagamentos de despesas pelo governo para melhorar resultados fiscais no curto prazo, empurrando o problema para frente. 

    Em todo o ano de 2013, o rombo que deixou de ser incluído na Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) foi de R$ 7,5 bilhões, segundo documentos colhidos junto aos órgãos pelos técnicos do Tribunal.

    A conta já exclui as pedaladas feitas em operações com a Caixa Econômica Federal, que teve que usar recursos próprios para quitar benefícios do programa Bolsa Família, do seguro-desemprego e do abono salarial. Essas transações também não vinham sendo contabilizadas na dívida pública, mas o BC passou a registrá-las poucos dias após a denúncia que deu origem à fiscalização do TCU, em agosto. Ao assimilar todos os débitos retroativos dessas pedaladas, o BC já incorporou esse esqueleto na DLSP.

    O esqueleto de R$ 40 bilhões equivale a aproximadamente 0,8% do PIB. Sem as pedaladas, provavelmente o governo registraria um déficit primário em 2014, e não o equilíbrio (proporção zero do PIB) previsto pelos analistas econômicos do mercado. Também teria dificuldades em cumprir as metas de primário de anos anteriores.

    Do total de passivos que deixaram de ser contabilizados nos últimos anos, o mais representativo recai sobre as operações com o FGTS. Somente os atrasos nos repasses relacionados à arrecadação da contribuição social adicional ao FGTS pagas pelos empregadores quando dispensam trabalhadores sem justa causa somavam R$ 10 bilhões em outubro do ano passado. Já os adiantamentos feitos pelo FGTS para o financiamento do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida estavam em R$ 7,6 bilhões em setembro de 2014. 

    Questionado sobre os motivos de não ter contabilizado os valores na dívida pública, o BC argumentou aos auditores que os recursos do FGTS “pertencem aos trabalhadores, que nele mantêm contas nominalmente identificadas”.

    Além disso, a autoridade monetária alegou não ter atribuição fiscalizatória sobre o fundo.

    Mas a tese não convenceu os técnicos do TCU, que recomendaram ao ministro relator do caso, José Múcio Monteiro, que determine o registro integral dos valores apontados.

    Outro buraco negro identificado na dívida pública federal está no Programa de Sustentação do Investimento (PSI), coordenado pelo BNDES. De acordo com o relatório, o BC tem que registrar na dívida líquida do setor público passivo total de R$ 19,6 bilhões, o que representa acréscimo de R$ 12,1 bilhões em relação ao valor contabilizado em junho de 2014. 

    Também há problemas em programas subsidiados do Banco do Brasil. O maior deles está na equalização das taxas de juros do programa de safra agrícola. O relatório do TCU aponta a necessidade de contabilização, na DLSP, de R$ 7,9 bilhões em passivos da União com a instituição financeira. 

    Há ainda R$ 1,8 bilhão contabilizados pelo BB como “títulos e créditos a receber do Tesouro” e que não estão registrados na DLSP. 

    Os quase R$ 40 bilhões pendentes de contabilização na dívida federal descortinam o vasto repertório de brechas que permitiram que as pedaladas ocorressem. Sem a devida identificação nos livros contábeis, o déficit dessas operações se apresentou menor do que deveria, motivo pelo qual, além de recomendar que o BC reconheça os passivos, o TCU determinou o recálculo do resultado primário de todas as operações. 

    “O fato de o Banco CENTRAL não registrar um passivo da União nas estatísticas fiscais faz com que o déficit primário a ser apurado seja postergado para o momento em que a União efetua o pagamento do respectivo passivo e não para o momento em que o mesmo se tornou devido”, explica o relatório do TCU

    A auditoria reconheceu que em todas as operações mencionadas houve operação de crédito entre bancos federais e União, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Além dos empréstimos ilegais identificados no pagamento, pela Caixa, de benefícios do programa Bolsa Família, os técnicos do tribunal viram operação de crédito configurada com o BNDES.

    “Frise-se que, ainda que vedada, a operação de crédito ocorreu.

    Desse modo, deixaram de ser observadas as condições da Lei de Responsabilidade Fiscal”, diz o relatório, referindo-se a uma operação com o BNDES.

    O fato de o TCU querer a correção das estatísticas fiscais de forma retroativa pode ajudar nos esforços fiscais da nova equipe econômica, porque faz a limpeza de esqueletos. A obrigação de por em dia pagamentos de subsídios e outras pedaladas são um dos fatores que tornam mais difíceis o cumprimento da meta de superávit primário de 1,2% do PIB definida para este ano.

     

    Fonte: Valor Econômico

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