Renúncia estratégica

    MENSALÕES

    Azeredo abre mão de mandato para tentar evitar julgamento no stf e não prejudicar Aécio

    Fernanda Krakovics e Isabel Braga 
    AIlton de Freitas
    BRASÍLIA

    Acusações. Na carta de renúncia, Azeredo atacou o MP: “As alegações radicais e desumanas configuram uma denúncia da Inquisição” .
    Isolado pelos colegas de partido, pressionado a evitar um desgaste político maior para a campanha presidencial do tucano Aécio Neves (PSDB-MG) e na esperança de não ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o deputado Eduardo Azeredo (PSDB-MG) renunciou ontem a seu mandato na Câmara. Com a manobra, o agora ex-deputado perde o foro privilegiado, e o processo contra ele no mensalão tucano pode passar para a primeira instância da Justiça Federal, em Minas. Mas essa transferência não está garantida. O Supremo ainda não definiu qual será o destino do processo, e é possível que seja mantido no tribunal, como já ocorreu em caso semelhante em 2010. 

    Abalado com a recomendação de 22 anos de prisão feita pela Procuradoria Geral da República (PGR), o tucano disparou críticas ao Ministério Público e ao PT. Acusado de peculato (desvio de dinheiro público) e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão tucano em Minas, ele reconheceu que renunciou para se preservar e também para poupar o partido. Dirigentes do PSDB negaram qualquer pressão sobre Azeredo pela renúncia, mas a decisão trouxe alívio aos tucanos. 

    Fora da Lei da Ficha Limpa 

    Pelo ato de ontem, Azeredo não será enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que prevê a perda dos direitos políticos em caso de renúncia para escapar de um processo de cassação do mandato no Legislativo – não havia na Câmara qualquer pedido de abertura de processo de perda de mandato contra ele. 

    Em sua carta de renúncia, o político tucano admite que, além de uma tentativa de autopreservação, a decisão de abrir mão do mandato, antes mesmo de qualquer condenação, teve o objetivo de diminuir o desgaste do PSDB em um ano eleitoral: “Não aceito que o meu nome continue sendo enxovalhado, que meus eleitores sejam vítimas, como eu, de mais decepções, e que sejam atingidos o meu amado estado de Minas Gerais e o meu partido, o PSDB”. 

    O discurso público dos tucanos, no entanto, é que não houve pressão para que Azeredo renunciasse, e que a decisão teria sido de foro íntimo. Mas, desde que a PGR recomendou a pena de 22 anos de prisão para o ex-deputado, no dia 7 de fevereiro, o PSDB deixou claro que não assumiria sua defesa e que, ao contrário do PT, não partiria para um confronto com o STF. 

    Na carta, que foi entregue pelo filho de Azeredo, Renato, ao presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), o ex-deputado afirma que há motivações eleitorais na denúncia feita contra ele: “Esta sanha não quer que prevaleça a ponderação da Justiça, mas, sim, ver, pendurado e balançando no cadafalso, o corpo de alguém exemplado para satisfazer os mais baixos apetites em ano de eleição”. 

    O ex-deputado refutou as acusações contra ele, afirmando que foram baseadas em “testemunhos e documentos falsos”, e disse que, a partir de agora, vai se dedicar a fazer a sua defesa. No documento, o tucano classificou as alegações finais da Procuradoria Geral da Repúblico (PGR) como uma “denúncia da Inquisição”, disse que foi condenado a priori e que não vai se sujeitar à “execração pública”. 

    “As alegações injustas, agressivas, radicais e desumanas da PGR formaram a tormenta que me condena a priori e configuram mais uma antiga e hedionda denúncia da Inquisição do que uma peça acusatória do Ministério Público”, diz a carta, que foi lida em plenário, no final da manhã, pelo deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE). 

    No início do mês, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou ao STF as alegações finais no processo do mensalão mineiro, recomendando a condenação de Azeredo a 22 anos de prisão por peculato e lavagem de dinheiro. Janot também pede que o deputado pague multa de R$ 404.950, um valor ainda sujeito à correção monetária. Segundo a denúncia, a campanha à reeleição de Azeredo ao governo de Minas, em 1998, foi irrigada com verbas desviadas de estatais mineiras. 

    O ex-deputado tucano classificou como “infeliz coincidência” o fato de o pivô do mensalão mineiro, o publicitário Marcos Valério, ser o mesmo do escândalo de corrupção que atingiu o PT: “A infeliz coincidência de uma agência de publicidade, contratada antes mesmo de meu governo, ter se envolvido em rumoroso episódio de negociações suspeitas para fins políticos a nível federal fez de mim um cúmplice que não fui e nunca seria em ações de que nunca participei nem participaria”. 

    Sem citar o ex-presidente Lula, o ex-deputado tucano comparou novamente sua situação à do petista, que foi poupado na denúncia do mensalão do PT: “O governador de Minas Gerais, com 20 milhões de habitantes e mais de 500 mil funcionários entre ativos e inativos, não governa sem descentralizar, sem delegar! Insisto em que as responsabilidades de um governador são semelhantes e proporcionais às de um presidente da República!”. 

    Em outro trecho da carta de renúncia, Azeredo diz que as acusação da PGR não pouparam nem o político nem o cidadão: “De cidadão, que deveria ter assegurado o sagrado direito de defesa, fui transformado em mero alvo político destinado a sofrer ataques para compensar delitos cometidos por outros”. 

    Questionado se, com a renúncia, o processo contra Azeredo sai do Supremo e volta para a primeira instância da Justiça, o advogado do ex-deputado, José Gerardo Grossi, não especulou: 

    – Não tenho a menor ideia. Não sou ministro do Supremo para saber. 

    Pessoas próximas a Azeredo afirmam que ele ficou muito abalado com a manifestação da PGR. O deputado não esperava uma pena tão alta e estaria deprimido desde então. Azeredo havia planejado fazer um discurso de defesa, no plenário da Câmara, na semana passada, mas desistiu alegando crise de pressão alta e tirou uma licença médica. No início desta semana, sua assessoria reafirmou que ele permaneceria de licença, mas que o discurso preparado seria lido pelo deputado Marcus Pestana, presidente do PSDB mineiro, o que, de fato, aconteceu na tarde de ontem no plenário da Câmara. 

    Logo na primeira parte da carta de renúncia, o tucano mineiro demonstra o quanto o processo o abalou: “É assim que me sinto, hoje! Uma tragédia desabou sobre mim e a minha família, arrasando o meu nome e a minha reputação, construídos com zelo permanente a partir do legado exemplar que recebi de meus saudosos pais, Renato e Ruth Azeredo – eles próprios pessoas que também sempre se dedicaram à vida pública e ao bem de Minas Gerais e do nosso país”. 

     

    Fonte: O Globo

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