Lucinda Pinto e José de Castro | De São Paulo
No momento em que o mercado está ajustando suas apostas em uma Selic perto de 7%, o Banco Centraltem demonstrado alguma preocupação com as expectativas para a taxa de Juros em um horizonte mais longo. Nos encontros privados com representantes do mercado, um tema recorrente tem sido o comportamento das projeções dos contratos futuros de Juros, que já apontam uma taxa de dois dígitos a partir de julho de 2019, a despeito do consenso entre os agentes de que a inflação deve permanecer sob controle.
A resposta que o Banco Central tem recebido desses profissionais é que a confiança no cenário de Jurosbaixos depende da evolução das reformas. E essa variável só estará definida após a eleição de 2018. “Hoje, o mercado vê uma queda forte de Juros por razões conjunturais, mas não está seguro de que a queda é estrutural”, define o economista-chefe da Garde Investimentos, Daniel Weeks. “Se a agenda de reformas não avança, o juro neutro é mais alto e a Selic tem que subir mais no futuro.”
A percepção de que o mercado diminui a confiança na permanência do juro nas mínimas históricas – para onde ela deve ir no fim do ciclo em curso – está expressa na chamada inclinação da curva a termo, ou seja, na diferença entre as taxas dos contratos de prazos curtos e longos. Esse degrau, considerado uma importante medida de risco sobre as perspectivas futuras para a economia, está hoje em 2,15 pontos percentuais quando se comparam os contratos com vencimentos em janeiro de 2019 e janeiro de 2023. Mas foi de 1 ponto percentual às vésperas da delação da JBS, evento que esvaziou as perspectivas da Reforma da Previdênciaainda neste ano. No fim de 2016, quando o mercado operava sob efeito da escolha de Ilan Goldfajn para o BC, tido como mais conservador na gestão da política monetária, essa diferença chegou a ser negativa em cerca de 1 ponto.
É normal que, em um ciclo de alívio monetário, as taxas mais longas superem as de curto prazo. Afinal, para obter a resposta da economia, o juro precisa ir para baixo do nível neutro – que permite um crescimento da atividade sem gerar inflação – e que depois volte a subir. Mas a diferença observada agora é considerada excessiva, dado o cenário benigno traçado para a inflação. Basta olhar a inflação projetada pelas NTN-Bs, Títulos públicos atrelados ao IPCA, que seguem abaixo de 5% pelos próximos seis anos.
O movimento da inclinação também chama a atenção porque essa diferença já é mais alta do que a observada em 2012, quando o Banco Central levou a Selic ao menor nível da história, de 7,25%, sem que as expectativas para o IPCA tivessem convergido para a meta. Na ocasião, a diferença entre os contratos com prazos equivalentes – de dois e seis anos à frente – alcançou a máxima de 1,73 ponto.
Quando o BC comandado por Alexandre Tombini iniciou o ciclo de alívio monetário, em agosto de 2011, a inclinação da curva também disparou porque o mercado acreditava que a inflação não estava controlada. “O mercado entendia que não havia espaço para o juro cair a 7,25% naquele momento e isso abalou a confiança no BC”, afirma um gestor. Mas a crise fiscal não havia explodido – o governo ainda colhia superávits primários – e os Juros no mundo estavam em níveis ainda mais baixos do que os atuais, enquanto o Brasil ainda ostentava grau de investimento.
Agora, dizem os analistas, a questão fiscal – que levou ao rebaixamento do rating do país – prevalece sobre o fato de o mercado enxergar uma dinâmica benigna para a inflação. “Não há um questionamento do Banco Central, da política monetária”, afirma o sócio gestor da Modal Asset Management, Luiz Eduardo Portella. “O mercado está colocando no preço o discurso do BC: tem espaço para o juro cair mais agora, mas se não houver reformas, a Selic vai ter que subir”, afirma.
É preciso considerar que a visão de que o BC pode cortar ainda mais o juro, que cresceu nas últimas semanas, ajuda a explicar o aumento dessa diferença. O mercado ampliou as fichas numa Selic mais baixa por causa do comportamento persistentemente benigno da inflação e, com isso, o contrato de juro futuro com vencimento em janeiro/2019 fechou ontem em 7,76%, a menor taxa deste ano. Mas os contratos mais longos, por sua vez, não somente deixam de acompanhar esse movimento como também exibem alguma elevação.
Outra forma de olhar o cenário traçado pelo mercado é por meio das taxas de Juros acumuladas entre determinados vencimentos – os chamados FRAs (Forward Rate Agreement) de DI. Já a partir do segundo semestre de 2019, essa taxa avança para a casa dos 10%. Já os contratos entre 2020 e 2025 projetam taxa de 11% ao ano.
Os efeitos da alta desses Juros mais longos sobre a economia justificam a preocupação que o BC tem demonstrado em relação a esse tema. Embora a Selic esteja em queda e haja chances concretas de renovar a mínima histórica, a alta dos Juros longos eleva o custo para o Tesouro Nacional rolar a sua dívida mobiliária. São essas taxas a referência para toda a estrutura de financiamento do setor privado, instrumento importante no processo de retomada da atividade.
O diretor de pesquisa macroeconômica do banco para a América Latina, Alberto Ramos, diz que as reformas por si só seriam capazes de promover uma distensão monetária, barateando o custo de financiamento das empresas, facilitando investimento e preparando o terreno para uma retomada mais clara da economia. “Mas com uma eleição no meio do caminho não há garantia de que a condução da política macro será ortodoxa a partir de 2019. E isso impede esse afrouxamento monetário via queda do juro neutro”, diz.
“Nossa impressão é que a curva está absorvendo a probabilidade de a Reforma da Previdência ficar para 2019″, diz Gustavo Mendonça, estrategista do banco para a América Latina. Mendonça prevê, no entanto, que 2018 deve começar “melhor”, o que aumenta a possibilidade de os efeitos positivos da agenda reformista ganharem espaço no debate político.
Já os estrategistas Mario Castro e João Pedro Ribeiro, do Nomura, ponderam que, aos preços atuais, a curva de Juros mais longa embute um cenário com resultado “ligeiramente otimista” sobre a Reforma da Previdência. A curva longa, segundo eles, está 16 pontos-base abaixo do cenário-base do banco. Por outro lado, está 20 pontos-base acima do condizente com um quadro “construtivo”, no qual a Reforma da Previdência teria 95% de chance de mostrar pelo menos 40% de sua força original.
Fonte: VALOR ECONÔMICO