Rombo de R$ 9 bilhões

    Com desempenho pífio do Tesouro Nacional, as contas do setor público amargam em setembro o maior deficit em 11 anos. O resultado corrobora as críticas à política fiscal do governo e aumenta a desconfiança sobre a economia brasileira

    DECO BANCILLON
    ROSANA HESSEL

     

    Contas públicas do país registram rombo recorde true Motivo da desconfiança crescente de investidores e organismos internacionais com a economia brasileira, as contas públicas tiveram em setembro o pior resultado em 11 anos. No mês passado, o setor público consolidado — que engloba União, estados, municípios e empresas estatais, exceto Petrobras e Eletrobras — fechou no vermelho em R$ 9,05 bilhões. Foi o pior resultado para o mês desde o início da série histórica, que começou a ser pesquisada pelo Banco Central (BC) em 2001. O número veio tão abaixo das projeções de mercado que até mesmo o governo reagiu mal. “Não há dúvida de que o quadro fiscal é desafiador”, declarou o chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel.

    Os analistas mais pessimistas acreditavam que, na pior das hipóteses, o rombo do mês seria de R$ 2,6 bilhões. No entanto, eles não esperavam que o desempenho do governo central (Tesouro, BC e Previdência) seria tão ruim: deficit de R$ 10,473 bilhões, o resultado mais decepcionante já contabilizado no mês.

    O descompasso nas contas públicas, explica Raul Velloso, doutor em economia pela Universidade Yale, nos Estados Unidos, decorre de uma realidade que se repete há muito tempo. “Desde junho de 2012, o gasto cresce acima da receita”, observa. De janeiro a setembro, a arrecadação do governo central aumentou apenas 8% na comparação com o mesmo período de 2012. Já as despesas dispararam 13,5%.

    Endividamento
    Com as contas no vermelho, o Estado acaba tendo de emitir títulos públicos para se financiar. Por conta disso, a dívida bruta não para de crescer. Em setembro houve nova alta, de 0,3 ponto percentual, fazendo com que ela alcançasse 58,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Uma outra metodologia, do Fundo Monetário Internacional (FMI), mostra uma realidade ainda pior. Pelos cálculos da entidade, o débito era, em dezembro do ano passado, de 68,5% do PIB, fazendo do Brasil um dos países com o maior endividamento entre economias emergentes (veja arte).

    O descontrole fiscal vem sendo duramente criticado por organismos como o próprio FMI e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na semana passada, o fundo chamou a atenção para a “erosão” das contas públicas brasileiras, em um relatório em que apontou ainda a falta de investimentos e a incapacidade do país de crescer de maneira sustentável, se os desequilíbrios não forem corrigidos.

    O diagnóstico foi repelido de maneira ríspida pelo governo. A presidente Dilma Rousseff reagiu com desdém, dizendo que não se daria ao trabalho de comentar as conclusões dos técnicos. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, chamou o relatório de “equivocado” e “incoerente”. Uma semana depois, porém, o que se impõe é a realidade dos números, e o que ela mostra é um quadro desalentador.

    Com a dívida crescendo e as contas debilitadas, o Brasil passou a acionar a luz amarela das agências de classificação de risco, que se dedicam a avaliar a capacidade de empresas e países de quitar seus compromissos. Organizações como Moody”s e Standard & Poor”s ameaçam reduzir a nota de crédito brasileira, o que tornaria ainda mais caro para o Tesouro e empresas nacionais recorrer ao mercado financeiro. “O resultado de setembro está em linha com o raciocínio de rebaixamento do país”, diz o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.

    Promessa
    O comprometimento das contas públicas também provoca dúvidas sobre a capacidade do governo de alcançar as metas fiscais, mesmo recorrendo, mais uma vez, a truques contábeis. O objetivo fixado na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é o de uma economia de R$ 155,85 bilhões, o equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), esforço que tem que ser feito por todos os entes públicos. São esses recursos, reservados ao pagamento dos juros da dívida pública — o chamado superavit primário —, que garantem aos credores que o país tem condições de honrar com os compromissos assumidos.

    Até setembro, porém, foram apenas R$ 44,965 bilhões, menos de um terço do valor necessário. O montante ficou ainda 41% abaixo do conseGuido no ano passado, neste mesmo período. Diante da dificuldade, o governo já avisou que perseguirá em 2103 uma meta de apenas R$ 115,6 bilhões, ou 2,3% do PIB.

    Ainda assim, o objetivo parece distante — mesmo com a perspectiva do pagamento dos R$ 15 bilhões que os vencedores do leilão para explorar o campo petrolífero de Libra terão que fazer à União no fim deste mês. “A deterioração fiscal é muito forte. Enquanto as receitas com impostos crescem a um ritmo de 2,3%, as despesas públicas sobem 6%. É uma conta que não fecha”, disse o economista Vagner Alves, da gestora de recursos Franklin Templeton. “É difícil acreditar que o governo vá conseguir cumprir a meta, faltando apenas três meses para o fim do ano”, completou Felipe Salto, da consultoria Tendências.

    O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, reconheceu que setembro foi um mês ruim, mas pondera que “especificidades” atenuaram o resultado, como a elevação dos repasses para estados e municípios, as despesas de compensação dos custos de energia elétrica devido à seca e também ao aumento dos gastos com abonos salariais. Ele espera que a arrecadação e os resultados melhorem nos próximos meses, e garantiu, contra todas as evidências, que o governo vai cumprir o superavit. “Trabalhamos para isso. Estamos fazendo um esforço (extra) e achamos que ele vai ser bem-sucedido”, afirmou.

    » Investimento baixo

    A queda da arrecadação cria outro problema. Sem recursos, o governo não consegue investir e estimular a economia. “No ano”, diz Felipe Salto, da Tendências, “os investimentos cresceram apenas 2,9%, para R$ 46,5 bilhões, o que, descontada a inflação, é praticamente nulo”. O secretário Arno Augustin rebateu as críticas. “O Brasil tem ido muito bem, mas temos sido vítima da volatilidade internacional.”

     

    Fonte: Correio Braziliense

     

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