Saída de subsecretário da Receita reflete crise interna

    Por Leandra Peres | De Brasília

    A saída do subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Caio Marcos Cândido, que atribuiu a decisão a “ingerências externas” no órgão, não é resultado apenas de discordância técnica sobre o Refis e os generosos benefícios dados às multinacionais brasileiras. Trata-se de manifestação de uma crise mais profunda na instituição. Desde a saída de Jorge Rachid do comando da Receita, em 2008, os servidores se ressentem de o Fisco não ter mais voz nas decisões tributárias, de ser sistematicamente desautorizado e fragilizado.

    Fontes da autarquia queixam-se da absoluta predominância da secretaria-executiva, do gabinete do ministro Guido Mantega e da Casa Civil da Presidência como centro de formulação da política tributária. Nessa avaliação há, sim, uma inegável saudade do tempo em que a Receita era toda-poderosa, agia autonomamente e perdia poucas batalhas. Mas os episódios da última semana devem ser entendidos como algo maior que apenas o ranço por poder.

    Em entrevista para explicar a lei que recria o Refis e amplia o programa, o subsecretário de Arrecadação, Carlos Roberto Occaso, fez questão de deixar claro que a decisão pela renegociação de débitos era do Executivo e que os estudos técnicos da Receita não recomendam essa solução. Em nota à imprensa, Occaso disse, na quinta-feira, que a entrevista foi técnica, que a Receita foi ouvida nas discussões sobre o Refis e que rejeita “qualquer tentativa de vincular uma entrevista técnica à saída do auditor-fiscal Caio Marcos Cândido do cargo que ocupava”.

    Segundo apurou o Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, não foi um movimento coordenado ou uma ação conjunta, muito menos uma tentativa articulada de protesto. Mas, juntas, as duas manifestações explicitam o desconforto que grassa entre os auditores. Não é novidade mas, de tempos em tempos, a pressão vaza. Esse foi mais um episódio. Como órgão responsável pela administração dos tributos, a Receita deixou de ser ouvida. É hoje um órgão de assessoramento, faz as planilhas que lhe são encomendadas, mas não é mais chamada a influenciar na política tributária. A decisão, afirmam descontentes, tem que ser tomada por Mantega, mas o desenho das propostas, as melhores saídas e ressalvas deveriam ser a seara da Receita.

    A discussão do Refis para as coligadas e controladas foi só a gota d”água. O governo começou dizendo que não permitiria a consolidação dos resultados no exterior. Terminou a negociação cedendo não só nisso, mas também permitindo que o principal da dívida seja pago com prejuízos acumulados. A visão que prevalece, entre as vozes descontentes, é que o gabinete do ministro “deu tudo o que as empresas queriam” e criou um sistema impossível de ser fiscalizado.

    Autoridades da Fazenda defendem essa subordinação e afirmam que a Receita é um órgão da estrutura da pasta e não autarquia independente. Essa certeza é que guiou a saída de Rachid e, para muitos, o desastre que se seguiu com a nomeação de Lina Maria Vieira.

    Carlos Alberto Barreto foi alçado ao cargo com a expectativa de que se manteria longe da disputa por poder e se limitaria ao trabalho técnico. É o que vem fazendo à risca desde 2011. A dúvida agora é por quanto tempo mais conseguirá se equilibrar entre o técnico que o governo quer que ele seja e o chefe de uma corporação que não está feliz com seu papel.

     

    Fonte: Valor Econômico

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