Sem direito a regalias

    Vara de Execuções Penais decide que a autorização de trabalho de José Dirceu seguirá a fila de espera existente. Defesa tinha pedido um tratamento diferenciado baseado no Estatuto do Idoso

    DIEGO ABREU

     

    Contratado para receber salário de R$ 20 mil na função de gerente administrativo do Hotel Saint Peter, em Brasília, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu não terá prioridade na análise de seu pedido de autorização para trabalhar. A Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal comunicou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a solicitação do petista será apreciada somente depois daquelas que já se encontram em uma fila de espera. O processo todo leva em média de 40 a 50 dias. Em resposta ao pleito formulado pela defesa de Dirceu para que o caso tivesse prioridade, a VEP destacou que todos os estudos técnicos relativos à autorização para trabalho de presos do regime semiaberto são tratados com rapidez, mas seguem o critério da ordem de chegada.

    O ex-ministro, de 67 anos, havia pedido um tratamento diferenciado por ser idoso. A VEP destacou que já vem adotando tal procedimento em razão de Dirceu ter mais de 60 anos, mas ressalvou que isso “não significa a necessidade de finalização da análise da proposta antes de todas as demais”. “Vejo que a proposta de emprego do ora sentenciado José Dirceu não é mais frágil e suscetível de perecimento que as demais que aguardam, há mais tempo, o estudo psicossocial acerca da idoneidade”, destaca a decisão, assinada pelo juiz Vinicius Santos Silva.

    Condenado no processo do mensalão, o petista está preso desde 16 de novembro no Complexo Penitenciário da Papuda, em uma ala reservada para detentos do regime semiaberto. Um outro fator pode complicar a situação de Dirceu durante a análise a ser realizada pela Seção Psicossocial da VEP. Trata-se do fato revelado na terça-feira pelo Jornal nacional de que o presidente da Truston International, empresa com sede no Panamá proprietária do Hotel Saint Peter, é um auxiliar de escritório que mora em um bairro pobre da capital panamenha. A contratação do ex-ministro foi articulada pelo empresário Paulo de Abreu, amigo do petista e apontado como dono do hotel, embora tenha apenas 0,01% do capital do negócio.

    De acordo com a VEP, há critérios rigorosos a serem observados para que um preso seja autorizado a trabalhar. Na decisão divulgada ontem, o juiz alerta que a prioridade conferida para a análise do pedido de Dirceu “não pode se sobrepor à específica hipótese de estudo da idoneidade das propostas de emprego, pela Seção Psicossocial, tudo sob pena de grave prejuízo aos demais sentenciados e à estabilidade do sistema prisional”.

    “Todas as propostas particulares de emprego já são tratadas e conduzidas como dito com absoluta prioridade por este juízo independente da condição etária ou de saúde, não havendo que se falar, nessa específica hipótese, de eventual prioridade da prioridade (…) Cumpre observar, ainda, que o sentenciado que apresenta proposta de emprego encontra-se já em situação de vantagem sobre os demais, vez que a maioria da massa carcerária aguarda oportunidade de trabalho externo por meio de convênios firmados pela Funap (Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso)”, destacou o juiz da VEP.

    Repercussão
    As suspeitas levantadas contra a empresa dona do hotel que contratou Dirceu levaram ministros do Supremo a cobrarem atenção da VEP quanto à avaliação da petição na qual o petista requer autorização para trabalhar. “É uma questão que precisa ser analisada com cautela pela Vara de Execuções Penais, certamente em entendimento com a relatoria aqui do processo no STF. Como sabemos, incumbe ao Supremo a execução do julgado. O pedido aí é livre, mas, de fato, tem que haver bastante cautela por parte de quem decide para que não ocorram abusos. Com certeza, a VEP tomará todas as cautelas devidas”, disse Gilmar Mendes.

    O ministro Marco Aurélio Mello confessou que não vê “com bons olhos” as suspeitas levantadas contra o Hotel Saint Peter. “Não chego a julgar o caso, porque não está retratado num processo. Mas, como cidadão, eu não vejo com bons olhos (…) Todos nós devemos contas à sociedade. E cada qual adota a postura que entende conveniente”, frisou. No regime semiaberto, o detento dorme no estabelecimento prisional, mas pode passar o dia no trabalho, desde que autorizado pela Justiça.

    Procurado, o advogado de Dirceu, José Luis Oliveira Lima, adiantou que apresentará recurso ainda hoje, ao Supremo, contra a decisão da VEP. “Não existe graus de prioridade. Ou há prioridade ou não há”, reclamou. O defensor acrescentou que “a constituição societária do hotel não diz respeito” a seu cliente. “Por que 400 pessoas podem trabalhar no hotel e o ex-ministro não? Esse hotel é antigo em Brasília, tradicional, mas para alguns parece que foi inaugurado ontem. Juntamos toda a documentação necessária para que meu cliente possa trabalhar e espero a decisão da Justiça”, enfatizou Lima.

    Parecer pela manutenção da pena
    Em parecer enviado ontem ao Supremo Tribunal Federal, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manifestou-se pela manutenção da pena de José Dirceu pelo crime de formação de quadrilha. No ofício, Janot sustenta que no mensalão nada foi “praticado de forma isolada” e que a participação do petista se mostrou “essencial para que o esquema criminoso tivesse sucesso”. Com esses argumentos, o procurador recomenda que Dirceu não seja absolvido no julgamento dos embargos infringentes, previstos para o primeiro semestre de 2014. Caso a condenação seja confirmada, o ex-ministro cumprirá pena total de 10 anos e 10 meses de prisão e passará do regime semiaberto para o fechado. 

     

    Fonte: Correio Braziliense

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