Sobram pesquisas, falta transparência

    A discrepância entre o resultado das urnas e as sondagens eleitorais reforça, segundo especialistas, a necessidade de haver maior clareza sobre os métodos utilizados para aferir a opinião do eleitorado

    As pesquisas de intenção de voto estão em xeque no país depois que as urnas contrariaram as sondagens em alguns estados e na eleição presidencial. Para alguns especialistas, a desconfiança quanto à precisão dos resultados indica a necessidade de maior transparência quanto à metodologia usada em cada levantamento.

     

    Paulo Calmon, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), levanta a hipótese de as amostras não estarem refletindo de forma precisa o universo de eleitores. “Houve mudanças socioeconômicas muito rápidas no país e pode ser difícil captar isso. Falta transparência no processo de amostragem”, alertou o professor.

     

    Ele chama a atenção para o fato de que não se pode exigir dos institutos de pesquisa o detalhamento completo das amostras que usam. “Isso faz parte do segredo do negócio.” Mas sugere, por exemplo, um comitê de ética, ou um organismo que fiscalize o processo, como as agências reguladoras. “É algo que precisa ser aperfeiçoado”, defendeu.

     

    O sociólogo Artur Trindade, também professor da UnB, descarta a possibilidade de erros nas amostras, sob o argumento de que elas são feitas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas ele também defende maior transparência nas pesquisas, explicando, por exemplo, quando as intenções de voto são apresentadas sem a ponderação do nível de certeza da escolha do eleitor. Alguns levantamentos incluem isso, mas nem todos, pois o trabalho se torna muito mais custoso.

     

    No caso das pesquisas de boca de urna, não se trata de intenção de voto: o eleitor declara o que realmente escolheu. Para Trindade, a discrepância entre essas sondagens e o resultado da apuração não foi excessiva. “Tivemos 55 eleições majoritárias no país, caso se considere o pleito presidencial e as escolhas de governadores e senadores. Acho que as surpresas ocorreram em aproximadamente 10% dos casos”, avaliou.

     

    O matemático José Dutra de Oliveira Sobrinho afirmou que é aceitável o resultado de algumas pesquisas ficar fora das margens de erro em alguns levantamentos, afinal, as amostras são muito pequenas em relação ao universo total. Ele lembrou, ainda, que as pesquisas de intenção de voto não têm apenas componentes que podem ser tratados com exatidão. “A chance de ganhar na Mega-Sena com uma aposta simples é de uma em 50 milhões. Mas, se for uma combinação fácil, por exemplo, seis números em sequência, a tendência é de que essa seja a escolha de muita gente, e que o prêmio tenha de ser dividido. É algo que não se consegue medir.” No caso das pesquisas eleitorais, apontam especialistas, o imponderável inclui o fato de a pessoa não relevar corretamente em quem votou ou em quem pretende votar.

     

    Mercado

    Para o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, os analistas de mercado consideram as pesquisas confiáveis, ainda que em alguns casos tenham aparecido surpresas. “Se as próximas pesquisas vierem com pequena diferença entre Dilma e Aécio, as ações de empresas estatais vão continuar subindo fortemente. O que os analistas vão querer saber é se terá ocorrido transferência de mais de 50% dos votos de Marina para Aécio. Isso elevará o otimismo.”

     

     As maiores surpresas nas eleições foram o alto percentual obtido por Aécio Neves (PSDB), além dos resultados para governador no Rio Grande do Sul e na Bahia. Em São Paulo, por exemplo, Alexandre Padilha (PT), que ficou em terceiro lugar, teve uma votação muito maior do que a apontada nas pesquisas.

     

    MEMÓRIA

     

    Equívocos periódicos

    » AMANDA ALMEIDA

    As falhas dos institutos de pesquisa ao tentar captar o voto do eleitor brasileiro se repetem desde 1982, quando as sondagens começaram a ser usadas nas disputas no país. Em texto para a pós-graduação da Universidade Católica de Goiás, os autores Mário Ferreira Neto e Cárbio Almeida Waqued lembram os erros dos levantamentos eleitorais. Em 1982, na briga pelo governo do Rio de Janeiro, as pesquisas mostravam Leonel Brizola com 2% das intenções de voto, enquanto Moreira Franco sairia vitorioso no primeiro turno. “Leonel Brizola, com a apuração das urnas, obteve 34,2% de votos e Moreira Franco, 30,6%. Leonel Brizola sagrou-se vencedor no primeiro turno”, dizem os autores.

     

    Os pesquisadores mostram ainda que, em 1990, até a reta final, o Ibope dava Antônio Carlos Magalhães (PFL) como vitorioso nas eleições para o governo da Bahia, no primeiro turno, com cerca de 60% dos votos válidos. Ele venceu, mas com menos de 51%. “Em 1994, a disputa para Presidência da República, entre Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. As pesquisas direcionavam que ocorreria a disputa entre esses candidatos no segundo turno”, registram Ferreira Neto e Waqued. O tucano venceu na primeira etapa da corrida, com 54,28% dos votos. Em 1998, as pesquisas no Distrito Federal viam Cristovam Buarque como vitorioso. Joaquim Roriz surpreendeu e venceu.

     

    Em 2004, na disputa para a prefeitura de Curitiba, Beto Richa (PSDB) obteve mais do que o dobro dos 10% a 13% que as sondagens previam para ele. Em 2006, os pesquisadores mostram que, a apenas três dias para o primeiro turno das eleições presidenciais, o instituto Sensus divulgou que Geraldo Alckmin (PSDB) tinha 27% de intenções de votos. Nas urnas, ele obteve 41,64% de votos válidos. Em 2008, na briga pela prefeitura de São Paulo, as pesquisas apontavam Marta Suplicy (PT) com 35%, contra 25% de Gilberto Kassab. Depois da apuração, Kassab ficou com 33,61% dos votos válidos e Marta somou 32,79%.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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