A presidente afastada Dilma Rousseff terá que se desdobrar mais uma vez para evitar uma nova rejeição de suas contas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A área técnica do órgão apontou uma série de irregularidades que fundamentariam a reprovação das demonstrações referentes ao exercício de 2015.
O diagnóstico dos auditores será enviado nos próximos dias para o gabinete do ministro José Múcio, que é o relator das contas de 2015. Apesar de toda a celeuma em torno das “pedaladas” fiscais – feitas em grande volume em 2014 -, foram as manobras realizadas no ano passado que embasaram o afastamento de Dilma pelo Senado da República.
Múcio, que tem evitado falar sobre o processo, pretende levar o caso ao plenário do TCU na segunda semana de junho, possivelmente entre os dias 15 e 17. Já que o parecer técnico sugere a reprovação das contas, o relator vai abrir prazo de 30 dias para a defesa do governo afastado antes mesmo de emitir seu voto. Como Dilma não está mais no comando do país, o processo deve ser encaminhado ao ex-ministro da Justiça e da Advocacia Geral da União, José Eduardo Cardozo, que está assessorando a presidente.
O Valor apurou, no entanto, que há uma tendência forte entre os ministros de acompanharem integralmente o parecer técnico. Essa é a forma mais eficiente de os integrantes do colegiado evitarem a politização do processo, como acabou acontecendo em 2014, quando o então relator Augusto Nardes chegou a ser acusado pelo governo de ter antecipado seu voto no julgamento.
Após a reprovação unânime das contas de 2014, o governo providenciou a regularização dos passivos no último dia útil do ano passado. Mas, segundo os técnicos do TCU, isso não significa que tudo correu bem em 2015. Foram apontados pelo menos quatro irregularidades que, na avaliação dos auditores, justificariam nova rejeição da contabilidade federal.
Os técnicos do tribunal indicaram que o governo fez uso de medida provisória para efetuar mudanças na destinação de receitas vinculadas, o que é proibido por lei. A MP 704, publicada em 23 de dezembro do ano passado, autorizou que o superávit financeiro das fontes de recursos decorrentes de vinculação legal existente na conta única do Tesouro até dezembro de 2014 fosse destinado à cobertura de despesas primárias obrigatórias em 2015. A possível irregularidade dessa estratégia foi alertada em reportagem do Valor, de 22 de janeiro deste ano.
O superávit financeiro é composto por uma série de receitas, incluindo um estoque de recursos que tem destinação certa e não foi utilizado, como impostos e taxas recolhidos para fundos regionais, saúde e educação. Esse superávit está depositado na conta única do Tesouro Nacional no Banco Central, que tinha cerca de R$ 1 trilhão no fim de 2015.
A especialista em contas públicas Selene Nunes disse à época que a MP é inconstitucional, pois fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, que diz no artigo 8º: “Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso”. A MP 704 foi rejeitada pelo plenário da Câmara.
Além desse problema, os técnicos do TCU apontaram calotes do governo em pagamentos que deveriam ter sido feitos nos dias 2 de janeiro e em 3 de julho do ano passado ao BNDES e ao Banco do Brasil. As faturas, referentes ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e Safra Agrícola, foram pagas com atraso – apesar dos generosos prazos concedidos por meio de portarias que também foram consideradas irregulares pelo tribunal de contas.
Um terceiro ponto ainda gera discussões, mas também foi apontado entre os casos suspeitos. A quitação das “pedaladas” contou com uma emissão de R$ 1,5 bilhão em títulos que foram adquiridos pelo BB. Os técnicos suspeitam que a instituição tenha sido “forçada” a ficar com os papéis, o que poderia configurar operação de crédito ilegal entre o Tesouro e um banco público.
A edição dos decretos de suplementação – principal base jurídica usada para o afastamento de Dilma – também será apontada no relatório técnico.
Após o acolhimento das recomendações pelo relator, o processo será encaminhado para a defesa de Dilma. As respostas também levarão cerca de 30 dias para serem avaliadas pelo TCU, o que joga o desfecho do julgamento para meados de setembro. (Colaborou Eduardo Campos)
Fonte: Valor Econômico