A CÂMARA SEM MÁSCARA
Com fim do voto secreto, cresce pressão sobre conselhos de ética; para sociedade, decisão histórica
Isabel Braga, Evandro Eboli, Júnia Gama, Chico de Gois e Maria Lima
opais@oglobo.com.br
Divisor de águas. Cassação de Natan Donadon, que saiu do presídio para assistir no plenário da Câmara a inédita sessão com voto aberto, deverá aumentar a pressão sobre os conselhos de Ética das duas Casas do Congresso.
A cassação com voto aberto do ex-deputado Natan Donadon, com 467 votos a favor, nenhum contrário e só uma abstenção, em sessão histórica anteontem à noite na Câmara, tem pelo menos uma consequência prática e imediata no rito dos processos por quebra de decoro no Congresso: os conselhos de Ética das duas Casas, compostos por integrantes que também têm problemas na Justiça, ganham importância e relevância e, ao mesmo tempo, sofrem maior pressão dos partidos. Cabe a esses parlamentares enviar as ações de perda de mandato para os plenários, onde a degola é considerada certa a partir de agora, sem o voto secreto.
Com votação aberta e num ano eleitoral, a nova regra deverá levar o plenário da Câmara a viver um longo período sem novos processos de cassação de mandato. Hoje, só um caso já analisado pelo Conselho de Ética da Câmara está pendente de decisão do plenário, mas não se trata de perda de mandato. Os deputados terão que julgar a recomendação de suspensão do mandato, por 90 dias, do deputado Carlos Alberto Lereia (PSDB-MG), por causa de suas relações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
A expectativa entre os políticos é que, a partir de agora, só “casos cabeludos” serão levados a plenário pelo conselho, que sempre decidiu por voto aberto. O atual presidente do Conselho de Ética da Câmara, Ricardo Izar Júnior (PSD-SP), admite que a pressão política pode aumentar.
– O Conselho de Ética vai virar um órgão importante. As lideranças partidárias vão querer ter controle sobre os deputados que indicarem para lá. Antes, só os integrantes do Conselho de Ética ficavam expostos. O voto ali é aberto e declarado um a um, com chamada nominal. Só nós colocávamos a cara. Não vai acontecer mais o que houve no mensalão: o conselho cassava e o plenário absolvia. Tem muita gente corajosa com voto fechado. Aberto, a história é outra.
Por seu suposto envolvimento com os negócios ilegais de Cachoeira, Lereia foi condenado pelo Conselho de Ética a ter seu mandato suspenso por três meses. Ele trabalhou para retardar a votação em plenário. Mas, agora, seu caso irá a voto aberto.
– Enfrentarei o plenário sem nenhum problema. O tipo de votação não altera em nada a consciência dos parlamentares – disse Lereia.
Também integrante do Conselho de Ética, Vilson Covatti (PP-RS), afirmou:
– Ninguém vai poder se esconder mais. Dividiremos essa responsabilidade com o plenário.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) disse acreditar que tão cedo não se repetirá outra sessão de cassação de mandato, a não ser que aconteça algum problema flagrante ou de grande repercussão na sociedade:
– Continua precisando fazer muita falcatrua para poder sair do conselho e chegar ao plenário. A Jaqueline Roriz não escaparia. O Valdemar Costa Neto, que está preso, teve duas representações contra ele arquivadas (no voto secreto). Não mudou nada de agosto para cá, exceto o conteúdo do voto. Mudou radicalmente a qualidade do voto por ele estar sob a vigilância da cidadania. Mas não acredito que acabe com o corporativismo, porque é natural de qualquer agrupamento humano se autoproteger.
Líder do PPS, Rubens Bueno (PR) também reforçou a importância dos conselhos. Ele disse que o voto aberto reduzirá o corporativismo:
– O voto aberto tem esse antídoto. Agora, sei que tenho imunidade parlamentar, mas, se fizer algo errado, não terei mais o voto secreto para me proteger. É pedagógico! Não tentarão mais adquirir mandato para se proteger – disse Bueno.
A atual composição dos dois conselhos de Ética do Congresso é um sinal do descuido com que os partidos trataram suas indicações: na Câmara, um terço dos conselheiros responde a processos na Justiça; no Senado, são mais de dois terços dos seus integrantes nessa situação.
no senado, um conselho sem atividade
Na Câmara, as acusações vão de crimes eleitorais, caso do deputado Júlio Delgado (PSB-MG), à apropriação de parte dos salários de servidores do próprio gabinete, feita contra o deputado Zequinha Marinho (PSC-PA). O deputado Sérgio Moraes (PTB-RS), que disse certa vez que estava “pouco se lixando para a opinião pública”, recorre de uma condenação, em primeira instância, por improbidade administrativa.
Aparelhado pelo presidente Renan Calheiros (PMDB-AL), que temia novos processos após voltar à presidência da Casa, o Conselho de Ética do Senado vive às moscas. A única reunião do colegiado, desde que Renan assumiu, foi para instalar e nomear seus integrantes: dos 15 titulares, 11 respondem a processos.
Indicado por Renan para o comando do Conselho, o senador João Alberto (PMDB-MA) é amigo de José Sarney (PMDB-AP) e acusado de usar o cargo para intimidar inimigos do padrinho político – caso dos senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e João Capiberibe (PSB-AP). Representações contra ambos, apresentadas em junho de 2013 por um aliado de Sarney, estão paradas lá.
– Essa demora em decidir é uma atitude para intimidar o exercício do meu mandato. Fica a ameaça permanente de que, a qualquer momento, eles podem abrir o processo – afirmou Capiberibe.
– Se o Conselho de Ética funciona? Funciona sim, mas só contra mim e o senador Capiberibe. Não arquivam nem dão prosseguimento às representações, para deixar como uma espada na minha cabeça – disse Randolfe.
João Alberto foi procurado pelo GLOBO mas não retornou.
Fonte: O Globo