Um ataque inusitado à autonomia formal do BC

    A campanha eleitoral tomou rumos inusitados desde que Marina Silva, candidata do PSB à Presidência, mostrou-se com potencial para destronar o PT do poder. Uma discussão esotérica – a autonomia institucional do Banco CENTRAL – concentra por dias a fio a atenção e a agenda dos candidatos e promete ir longe. O tema é importante, mas colocado na linha de frente dos palanques, produziu mais calor que luz e um festival de bobagens.

     

    Os marqueteiros da presidente Dilma Rousseff não entraram na discussão para esclarecer, mas para confundir – e atacar. Criaram uma peça de rara desonestidade em que, no final, pérfidos banqueiros, que tomaram naturalmente o Banco CENTRAL autônomo, roubam a comida da mesa do pobre cidadão brasileiro – adverte-se que podem fazer outros males, como produzir desemprego, queda dos salários etc.

     

    Mas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff mantiveram relações amistosas com a banca, um dos principais financiadores de suas campanhas. O objetivo das peças eleitorais na verdade nada tinha a ver com a proposta de autonomia formal do BC. Visavam deter no desespero a ascensão da candidata do PSB, que tem como conselheira Neca Setubal, herdeira do Banco Itaú, associando a imagem de Marina à da parcela mais rica e aristocrática da elite nacional.

     

    Talvez a escolha do tema de ataque tenha surpreendido Marina. Ela não concordava com a proposta que acabou fazendo porque o ex-cabeça de chapa, Eduardo Campos, tinha se comprometido com a bandeira antes de morrer. E também porque nos governos petistas, em especial nos dois primeiros mandatos de Lula, o banqueiro Henrique Meirelles comandou o BC e dispôs de invejável carta branca. Chegou a ganhar status de ministro, livrando-se da subordinação hierárquica à Fazenda. Um governo petista usando bancos como espantalho não combina com o passado.

     

    Setores do PT, e até mesmo do PSDB, sempre torceram o nariz para a autonomia formal do BC. A proposta é polêmica e há bons argumentos contrários e favoráveis a ela. A discussão é complexa. Há modelos diferentes, mas basicamente a autonomia em lei visa evitar interferências políticas na condução da política monetária, com mandatos fixos não coincidentes para os membros do BC, regras para sua destituição, escolha etc.

     

    Um dos pontos fundamentais é que as metas e os objetivos que o BC autônomo perseguirá, à sua maneira, são determinadas fora dele, pelo Executivo com ou sem aval do Congresso. É o Executivo também que deve indicar os escolhidos para o cargo, que serão examinados e aprovados (ou não) pelo Congresso. Da mesma forma, a meta de inflação, ou de crescimento, ou ambas, podem ser fixadas pelo Executivo, ao passo que a prestação de contas costuma ser periódica e é feita ao Congresso. Assim, para que haja um festim de banqueiros com as merendas tiradas da mesa do povo na sede de um novo BC autônomo, como mostra a propaganda petista, é preciso que tudo isso seja feito com o expresso consentimento dos representantes desse mesmo povo.

     

    Tudo isso a presidente Dilma e boa parte dos petistas sabem. Perplexa diante do golpe baixo, Marina Silva sacou uma “bolsa banqueiro” de duvidoso calibre para revidar. Talvez por não se sentir à vontade com uma ideia que não era sua, ela evitou desmontar os argumentos indigentes contra ela apresentados. E exagerou na argumentação, ao sugerir que o país não volta a crescer e os investimentos a se revigorar se a autonomia do BC não virar lei. Mesmos os liberais tucanos não deram prioridade ao assunto – ele não tem apelo eleitoral.

     

    O governo Lula deu-se bem com os banqueiros, que lucraram para valer em seu governo, porque sua política econômica permitiu que milhões de pessoas que nunca haviam tomado crédito batessem às portas dos bancos. E, supondo-se que não gostasse deles, teria de ser amistoso, porque os bancos detinham boa parte da dívida mobiliária federal interna de R$ 623 bilhões, quando Lula assumiu o poder em 2003, e de mais de R$ 1,6 trilhão, quando o deixou no fim de 2010. A presidente Dilma tentou derrubar os juros, mas errou no método, aumentando ao mesmo tempo as dívidas e reduzindo a economia necessária para pagá-las. Os juros voltaram a ser o que eram antes dela chegar ao Planalto. E uma forma de ganhar alguma autonomia em relação aos bancos é não precisar tanto deles.

     

    Fonte: Valor Econômico

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