Um bom proveito da crise

    A reação do Senado ao desgaste causado pela tentativa de PMDB, PT e outros partidos da base governista de indicarem o senador Gim Argello (PTB-DF) para o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), com aval da presidente Dilma Rousseff, pode ser um caso emblemático de gerenciamento de crise.

    Após a desistência de Argello, o Senado agora está prestes a escolher um técnico. Três nomes foram indicados por líderes partidários e, se as indicações forem mantidas até terça-feira, todos serão sabatinados e submetidos à votação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). As sabatinas estão marcadas para as 9h30, 10h30 e 11h30. Se os três forem aprovados na comissão, a disputa será decidida em plenário.

    A primeira indicação, do economista Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt, partiu de PSB, PDT, PSDB, DEM e PSOL. A ideia era uma disputa com Argello. Atualmente assessor do senador Pedro Taques (PDT-MT), Moutinho foi analista de Finanças e Controle Externo do TCU, de 1995 a 2006, e consultor de orçamento do Senado, de 2006 a 2012.

    Se mantidos, três técnicos disputarão vaga do TCU

    Num revide, PMDB, PT e aliados se articularam para indicar outro técnico, bastante conhecido na Casa: o advogado Bruno Dantas Nascimento. Desde outubro de 2013 consultor jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional, foi conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 2011 a 2013, conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), de 2009 a 2011, e consultor-geral legislativo do Senado, de 2007 a 2011.

    Menos conhecido no Senado é Sérgio da Silva Mendes, auditor do TCU e ex-chefe de gabinete da Presidência do Supremo Tribunal Federal(STF) na gestão de Ayres Britto.

    Entusiasmado com a possibilidade do debate, Moutinho considera positiva a diversidade de origem dos ministros do TCU. Lembra que alguns políticos tiveram grandes atuações no órgão, como Adylson Motta e Humberto Souto. Defende maior concentração da fiscalização nas áreas de grande risco , como na chamada contabilidade criativa e na execução dos contratos de concessão no setor de infraestrutura. Segundo ele, o próprio TCU poder fazer seleção das áreas de maior risco, com base na fiscalização que realiza.

    Bruno Dantas não quis falar sobre sua indicação ao TCU, mas decisões tomadas por ele em matéria de controle de contas ficaram nacionalmente conhecidas. Uma delas, dada como conselheiro do CNJ, suspendeu o pagamento retroativo de R$ 100 milhões de auxilio alimentação de magistrados. Foi autor e relator da resolução que instituiu os critérios da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº 135, de 2010) para ocupação de cargos em função comissionada no Poder Judiciário.

    Esta é uma boa oportunidade para o Senado discutir a composição do cargo vitalício de ministro do TCU, local onde se arquivam os amigos , segundo Getúlio Vargas.

    Líder do bloco União e Força, que reúne 12 senadores (PTB, PR, PSC e PRB), aliado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e tido como parlamentar próximo a Dilma, Argello responde a seis inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), por acusações de lavagem de dinheiro, corrupção e falsidade ideológica, e tem uma condenação em primeira e segunda instâncias na Justiça do Distrito Federal por dano ao patrimônio público.

    Esse histórico levou a Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON) e a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) a considerar que Argello não preenche o requisitos constitucionais para o TCU, de reputação ilibada e idoneidade moral. Houve atos públicos e pressão sobre os parlamentares.

    Após os protestos, a rejeição da urgência para a tramitação – que suspenderia a sabatina – e a divulgação de nota do TCU deixando clara a disposição de não dar posse a Argello, o senador foi convencido a abrir mão da indicação. Ele foi escolhido pelo grupo que comanda o Senado para a vaga de Valmir Campelo, que antecipou sua aposentadoria, cujo prazo seria em outubro.

    A desistência evitou repetição do constrangimento ocorrido em 2006, quando o então senador Luiz Otávio (PMDB-PA) teve sua indicação para o TCU rejeitada na Câmara dos Deputados. Havia uma denúncia contra ele de desvio de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em favor de uma empresa de construção de balsas, da qual era diretor.

    TCU tem nove ministros titulares. Além desses, há quatro técnicos que são chamados de ministros substitutos. Relatam processos, mas só votam na ausência de ministro. Entre os nove titulares, três são da cota da Câmara, três do Senado e outros três, escolhidos pela Presidência da República, sendo que dois desses têm de ser escolhidos entre os auditores e membros do Ministério Público. Embora raros, há exemplos de escolha de técnicos pelo Congresso.

    É o caso do atual ministro Raimundo Carrero, ex-secretário-geral da Mesa Diretora do Senado, indicado pela Casa após a rejeição de Luiz Otávio pela Câmara. Um episódio que lembra a reação atual do comando da Casa aos protestos contra Argello.

    O ministro José Jorge, ex-senador, relator no TCU do processo da compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras, diz que é importante o equilíbrio entre políticos e técnicos no TCU. Desde que os políticos sejam bem escolhidos e os técnicos, também. Não é o fato de ser técnico que faz o ministro ser bom nem o fato de ser político que o transforma em ministro ruim.

    José Jorge foi secretário de Estado em Pernambuco em três governos, deputado federal por quatro mandatos, senador, ministro de Minas e Energia, presidente do conselho da Petrobras e da Eletrobras e de duas estatais.

    Com a indicação de nomes técnicos, o Senado tenta dar a volta por cima e livrar a própria pele. Mas quem agradece é o TCU. O órgão, aliás, com sua firme reação, sai fortalecido do episódio.

    Raquel Ulhôa é repórter de Política em Brasília. Escreve mensalmente às quinta-feiras

    E-mail: raquel.ulhoa@valor.com.br

     

    Fonte: Valor Econômico

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