Um mundo de incertezas

    Há 70 anos, em agosto de 1945, o mundo entrou em uma era que ficaria marcada pelo medo de um desastre de dimensões incalculáveis: depois das bombas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, o que se poderia recear mais do que a aniquilação nuclear? A Guerra Fria nasceu e manteve-se por força da intranquilidade gerada por esse temor. Hoje, a probabilidade de que uma catástrofe de alcance oceânico aconteça é praticamente nenhuma. Subsistem, é verdade, possibilidades, ainda que remotas, de uso localizado de armas nucleares, mas, sinal dos tempos, o predomínio agora é de riscos difusos, na origem e no raio de repercussão. São ameaças de dimensões aumentadas por interinfluências de causas e efeitos, expostas ou latentes, em boa parte nutridas pela globalização. O cenário de possibilidades e impactos é amplo, e parece em permanente expansão. A instabilidade tornou-se regra. 

    Perante essa intricada rede de ameaças, consultorias, instituições multilaterais e “think tanks” publicam estudos e relatórios em que buscam avaliar o que há de mais arriscado pela frente. Durante o Fórum Econômico Mundial, realizado na cidade suíça de Davos, circulou, como em todos os anos, uma lista comentada dos maiores riscos globais com probabilidade de ocorrer nos próximos dez anos. Outros estudos buscam analisar mais de perto a conjuntura corrente, como os relatórios econômicos do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (Bird) e da Organização das Nações Unidas (ONU). 

    A consultoria Eurasia Group, especializada em pesquisa e análise de risco político para negócios, colocou a conturbada situação europeia no topo de uma relação dos dez maiores focos de riscos para 2015. “Os laços que unem a Europa estão se desfazendo em múltiplas frentes”, lê-se em seu relatório “Top Risks 2015”, assinado pelos diretores Ian Bremmer e Cliff Kupchan. 

    A instabilidade social no continente se traduz na afluência de movimentos políticos que agitam bandeiras de oposição à ordem inscrita em torno do euro – seja à esquerda, como a Syriza do primeiro-ministro grego Alexis Tsipras, recém-eleito, seja à direita, como a Frente Nacional na França, que expande seus espaços eleitorais. São apenas dois exemplos de focos de distúrbios em um quadro de “crescente incerteza geopolítica”, diz o relatório, fazendo referência a pontos nevrálgicos marcados em uma varredura global.

    Nas últimas semanas, a Grécia tornou-se o centro de atenções, em todo o mundo, depois que o governo de Tsipras declarou-se contrário à continuidade do plano de reformas e austeridade fiscal aceito pela gestão anterior por acordo com a Comissão Europeia, o Banco CENTRALEuropeu e o FMI. A falta de um entendimento significaria, segundo analistas, colocar em risco a própria sobrevivência do euro – ou, no mínimo, o formato atual de sua estrutura de sustentação – com consequências para toda a ordem econômica internacional. O programa de apoio à Grécia, no formato original, expira no fim do mês. Deve ocorrer hoje, em Bruxelas, uma última reunião do Eurogrupo – formado pelos ministros de Finanças da zona do euro – para discussão da contraproposta do governo grego, que, basicamente, pretende obter um empréstimo-ponte e voltar a negociar mais adiante. 

    “O principal impacto geopolítico da eleição grega é marcar a erosão da autoridade alemã sobre a economia do continente”, afirma Matias Spektor, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, no Rio. “Já conhecíamos a fragilidade da zona do euro, mas até hoje, mesmo com questionamentos na Espanha e na Itália, essa autoridade nunca tinha sido posta em questão. Para restaurá-la, a Alemanha terá de mostrar que a austeridade traz bons resultados, mas neste momento não há bons exemplos disso na Europa.” 

    Spektor lembra que esse poder alemão está muito ligado ao projeto de liberalização econômica que foi hegemônico nos últimos 30 anos, mas que se vê agora abalado na Europa, não apenas pela persistência da crise e a ascensão de novos partidos de esquerda, mas também pelo fortalecimento de partidos radicais de direita. “Qualquer efeito que isso possa ter sobre a política europeia reverbera sobre o mundo, porque a Europa continua sendo um centro de referência importante.” 

    A Syriza, coalizão da esquerda radical (significado literal do acrônimo que identifica o partido grego de Tsipras) é uma das organizações que o Eurasia Group alinha como populistas, ora em crescimento (tanto à esquerda como à direita), contrárias a soluções para a crise econômica do continente baseadas em programas de austeridade ou outras imposições de disciplina para a convivência sob a moeda única. 

    Na Espanha, o Podemos, de formação recente, liderado por jovens inconformados com as políticas recessivas do governo de Mariano Rajoy, aparece em segundo lugar (23,9%), em pesquisa de intenções de voto realizada em janeiro, logo em seguida ao Partido Popular, de centro-direita, no poder (27,3%), e antes do Partido Socialista Operário Espanhol, de centro-esquerda (22,2%). Na Itália, o Movimento Cinco Estrelas, liderado por Beppe Grillo, surpreendeu nas eleições gerais de 2013 ao obter 25,6% dos votos para a Câmara dos Deputados. Na França, o partido eurocético conservador Frente National, liderado por Marine Le Pen, ganha espaço paulatinamente, surfando na baixa popularidade do presidente François Hollande, do Partido Socialista. 

    Protagonista dos embates com os credores desde que foi nomeado ministro de Finanças de seu país, Yanis Varoufakis, o economista de sólida formação heterodoxa que afronta os ditames ortodoxos de Berlim e demais governos da zona do euro, vocaliza o sentimento de insatisfação que toma conta da Europa: afirmou recentemente que os únicos beneficiários da estagnação econômica do continente são “antieuropeus, misantropos, racistas, ultranacionalistas e, na Grécia, fascistas”, referindo-se ao partido ultraconservador Aurora Dourada, que elegeu 17 representantes para o parlamento. 

    Gregos, alemães e os outros 17 integrantes da união monetária vivem a mesma crise econômica, cada qual na medida que lhe cabe e com o enquadramento político inevitável, doméstico e externo. A Alemanha paira sobre todos, em situação bem mais confortável, também ajudada pelo euro desvalorizado, que favorece os exportadores e sua conta de comércio com o mundo – inclusive com os outros países do euro. Foi assim que, no último trimestre de 2014, o PIB alemão cresceu 0,7%, ou 2,8% na comparação anual, e a zona do euro pôde ganhar 0,3% e 1,4%, respectivamente. Grande parte da zona do euro, porém, estava ou perto da estagnação ou ainda em retração – indicação de que os remédios da austeridade, onde aplicados, não produziram resultados animadores. 

    E há a possibilidade de deflação, em várias partes da região, incluídos os domínios de Angela Merkel. Diante da perspectiva de retração de preços – aí embutido também o risco de agravamento de uma situação já em si complexa -, que inibiria consumo e investimentos, desenha-se uma possível recaída na recessão no momento em que os EUA e Japão, sempre enredado em tendências de estagnação, vivem dias melhores. O perigo tirou do marasmo o presidente do Banco CENTRAL Europeu (BCE), Mario Draghi, que anunciou, no mês passado, um programa de compra de ativos que poderá chegar a ?1,1 trilhão (o que também contribuiu para a desvalorização do euro, com maior benefício para a Alemanha). Trata-se de um afrouxamento monetário que as autoridades do continente evitaram ao longo de toda a longa crise, enquanto americanos e japoneses o aplicavam.

    A eficácia do mecanismo é posta em dúvida por Bill Gross, fundador da Pacific Investment Management (Pimco), e Tom Stevenson, do Fidelity Worldwide Investment, duas das maiores gestoras internacionais de fundos de investimento. Ambos calculam que o programa anunciado por Draghi, que envolverá compras mensais de títulos de ?60 bilhões, veio muito tarde e não será grande o suficiente.

    Para Spektor, os impactos de uma deflação e uma nova recessão na Europa seriam diversos, e todos nefastos: o descompasso entre as economias dos EUA e da União Europeia dificultaria a obtenção de um amplo acordo de livre comércio entre os dois blocos, “a principal promessa de recuperação célere da economia global”. Além disso, enfraqueceria o projeto europeu de “manter seus países numa redoma de prosperidade e paz” justamente quando o continente tem de enfrentar os desafios do fundamentalismo islâmico em seu formato terrorista – visto em ação no atentado ao semanário “Charlie Hebdo”, em Paris, e em Copenhague no sábado, com ataques realizados por extremistas.

    Não é só. Mesmo às voltas com a retração econômica doméstica, por causa, principalmente, da queda dos preços do petróleo, Vladimir Putin persiste em sua campanha de expansão territorial na parte da Europa sob influência geopolítica da Rússia- em aberto confronto com a União Europeia, que, dependente de fontes de energia russa, aliou-se relutantemente aos EUA em sanções econômicas a Moscou depois que Putin apossou-se da Crimeia num agressivo movimento geopolítico que agora engolfa a Ucrânia. 

    Bremmer e Kupchan, do Eurasia Group, também demonstram preocupação com o que consideram uma “belicização” das finanças internacionais, área de riscos colocada na quarta posição em sua lista de ameaças globais. Na medida em que os EUA queiram usar o dólar e seu poder econômico para garantir influência sobre o resto do mundo e pressionar adversários, “há um grande risco de [ocorrerem] erros de cálculo, com consequências inesperadas, porque [essa] é uma ferramenta nova”. Como se trata de um instrumento que pode ser usado unilateralmente pelo governo americano, também existe o perigo de retaliações por parte da Europa, Japão e China, o que dificultaria a solução diplomática de questões geopolíticas já em curso ou que venham a se manifestar. 

    Riscos globais afetam o Brasil de diferentes formas, por distantes que estejam os epicentros de sua origem. Um deles começa a ser percebido aqui com mais clareza, principalmente no Sudeste: a inconstância dos regimes chuvosos e a consequente escassez de água. O relatório que circulou no Fórum Econômico Mundial coloca o agravamento da insegurança hídrica como perigo com o maior potencial de impacto na próxima década. A Califórnia, por exemplo, enfrenta uma forte seca há quatro anos, pondo em risco a produção agrícola do Estado mais rico dos Estados Unidos. Em janeiro, época chuvosa, a cidade de São Francisco não recebeu sequer uma gota de chuva pela primeira vez na história. 

    De 2007 a 2014, vê-se na sequência de relatórios anuais levados ao Fórum, os riscos de cunho financeiro-econômico ocuparam sistematicamente a primeira colocação, tanto em impacto previsível quanto em probabilidade de ocorrência. Em 2015, pela primeira vez, um risco socioambiental chega ao topo dos perigos prováveis. 

    Além da primeira colocação em termos de impacto, as secas e demais fenômenos ligados à água também compõem um subgrupo da categoria que aparece em segundo lugar por probabilidade de ocorrer, na lista elaborada para Davos: os eventos climáticos extremos. 

    Em novembro, a 21ª conferência das Nações Unidas para o Clima (COP-21) será relizada em Paris com a expectativa de que finalmente se chegue a acordo global que limite as emissões de gases de efeito estufa e o consequente aquecimento do planeta. Segundo Spektor, o principal fator de otimismo para a reunião é a influência do acordo bilateral celebrado no ano passado entre China e EUA.

    O acordo destravou o tabuleiro tradicional, no qual havia países industrializados de um lado e em desenvolvimento do outro. “Fez o resto dos países andar a reboque desse compromisso de cunho político”, diz Spektor. O efeito prático do acordo é que, primeiro, os europeus terão de se adaptar ao fato de que os principais países envolvidos conseguiram se entender; em seguida, os países em desenvolvimento, reunidos no G 77, também não poderão manter suas antigas posições. Flexibiliza-se, assim, a distinção entre compromissos de países de diferentes níveis de renda, e viabiliza-se a cooperação.

    A interconexão entre os fatores de risco, ressaltada no relatório de Davos, exerce papel de grande importância particularmente na avaliação dos perigos de origem ambiental. A forma como diversas ameaças ligam-se umas às outras é clara demonstração do potencial de efeito cascata que encerram. Marcelo Elias, diretor da seguradora Marsh Brasil, que participou da elaboração do relatório distribuído em Davos, chama a atenção para o fato de que, representada graficamente, a estrutura de riscos do mundo tem em seu miolo os chamados riscos “sociais e geopolíticos”, que se conectam a todos os outros. Um deles é a falha na adaptação a mudanças climáticas, que, associada a erros de planejamento urbano – particularmente graves na América Latina -, conduz a crises de abastecimento de água e, em seguida, à falta de alimentos. Esse cenário é capaz de levar à disseminação de doenças infecciosas, resultante da diminuição de padrões higiênicos, mas também a um cenário perigoso de migrações involuntárias de massa. 

    De fato, logo abaixo das crises ligadas à água (secas, enchentes, desabastecimento) na lista de maiores riscos em termos de impacto, os 896 analistas consultados na elaboração do relatório colocaram o perigo de doenças infecciosas espalhando-se aceleradamente. 

    Embora a recente epidemia de ebola não tenha se espalhado para além de alguns países africanos, também é fato que a doença causou destruição massiva e comprometeu as economias locais. O surgimento de uma nova doença poderia se espalhar por outros continentes, no vazio de fragilidades provocadas pela insegurança hídrica, e também provocaria grandes perdas econômicas – que poderiam causar estragos políticos consideráveis, em Estados também enfraquecidos pela insegurança hídrica.

    A voz discordante vem de Spektor, que enumera as epidemias e endemias com as quais a humanidade teve de conviver ao longo dos últimos 800 anos: cólera, sífilis, gripe, catapora, lepra, febre amarela, malária, aids. “A capacidade que os países têm de responder a essas crises epidemiológicas está ligada à sua capacidade de cooperar”, argumenta. “É um problema de cunho transnacional, que só pode ser enfrentado quando autoridades nacionais sabem cooperar.”

    Em linha com a intrincada conexão dos riscos, Elias lembra que o preço mais baixo do petróleo também tem efeito sobre o problema da mudança climática, um dos desafios mais graves e difíceis para a humanidade. Não apenas o combustível barato é um incentivo para o consumo, que contribui para alimentar o efeito estufa, como também inibe as pesquisas e a aplicação de tecnologias de energia renovável, como a solar e a eólica, que nos últimos anos têm se tornado cada vez mais viáveis em termos econômicos.

    Spektor traz o foco para as consequências geopolíticas do baixo preço do petróleo. Os países mais afetados são, em sua maioria, rivais dos EUA: Rússia, Irã, Venezuela. Ao mesmo tempo, com sua própria produção petrolífera e um preço mais baixo, os EUA dependerão menos dos regimes do Oriente Médio e poderão reduzir sua presença militar na região. “Esse cenário, associado aos incentivos para investimento tecnológico em adaptação à mudança climática, pode ser benigno.” 

    O atrito entre a União Europeia e a Rússia em torno da Ucrânia é forte candidato a preencher a maior fonte de preocupações do relatório do Fórum Econômico Mundial: o conflito entre países. Em entrevista para a revista alemã “Der Spiegel”, o último líder da extinta União Soviética, Michail Gorbatchev, chegou a expressar preocupações quanto a uma possível “nova Guerra Fria”, resultante da hostilidade entre o presidente Vladimir Putin e suas contrapartes europeias. Enquanto isso, a Ucrânia segue em guerra civil entre o governo pró-Ocidente, que deseja aproximar-se da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), e os separatistas de fala russa, a Leste (a trégua recém-estabelecida não parece estar sendo levada a sério).

    Para sustentar a afirmação de que “a geopolítica voltou”, o que seria demonstrado pelas dificuldades de relacionamento entre as principais potências mundiais, “maiores do que em qualquer outro período desde a Guerra Fria”, o relatório do grupo Eurasia coloca a Rússia em segundo lugar em sua lista de fontes de riscos – o país como um todo, e não simplesmente o confronto em torno da Ucrânia. 

    Em 2014, Bremmer e Kupchan já haviam chamado a atenção para o gosto de Putin por exercitar os músculos geopolíticos e militares do país que governa; ao longo do ano, a anexação da Crimeia foi, nas palavras dos consultores, “o redesenho mais audacioso das fronteiras europeias desde a Segunda Guerra Mundial”. As sanções econômicas impostas pelo Ocidente e a crise cambial que se seguiu não contribuíram em nada para reaproximar russos e europeus. 

    “Uma crise envolvendo a Rússia sempre implica riscos grandes para o sistema econômico global, porque é um país muito vinculado economicamente à Europa e à Ásia”, diz Elias. “A Rússia é um elo forte no sistema global, principalmente por causa dos recursos naturais, o petróleo, o gás, a mineração.” 

    Spektor é cético quanto à possibilidade de uma escalada na hostilidade entre a Rússia e as potências ocidentais. Em sua opinião, não é certo que a retórica inflamada do governo de Putin seja uma demonstração de força da antiga superpotência. Ao contrário, como demonstraria o recente derretimento da cotação do rublo, “pode ser a demonstração daquilo que faz uma Rússia rapidamente declinante”, diz Spektor, para quem os países em decadência precisam mascarar o mau momento com gestos grandiloquentes.

    Mais importante ainda, há uma série de fatores que obrigam russos, europeus e americanos a se sentarem à mesa para negociar e trabalhar juntos. Um deles é a dependência recíproca: os europeus precisam da energia russa e os russos não conseguem se desatrelar definitivamente da economia europeia. 

    O principal fator de aproximação entre os dois blocos, porém, atende pelo nome de Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EI). Os relatórios publicados no mês passado foram redigidos no segundo semestre de 2014. Antes, portanto, do ataque de fundamentalistas islâmicos à redação da revista satírica francesa “Charlie Hebdo”, em janeiro, que deixou 12 mortos e provocou extensa discussão sobre o jihadismo e o multiculturalismo europeu. “Se o relatório [de Davos] estivesse sendo feito hoje, certamente o tema do terrorismo estaria em posição muito mais alta”, comenta Elias. 

    De todo modo, os perigos nessa área não foram subestimados. No relatório assinado por Bremmer e Kupchan, a ascensão do EI figura na quinta posição. Hoje, há sinais de que o grupo extremista se expande para além das fronteiras da Síria e do Iraque, com ramificações no Norte da África, região que permanece instável desde a chamada Primavera Árabe, de 2011. O EI tem demonstrado um amplo domínio de técnicas de propaganda on-line e consegue recrutar para suas fileiras jovens ao redor do mundo, a começar pela Europa. 

    Spektor afirma que o EI é uma ameaça importante, tanto para a Europa quanto para a Rússia. Esta se vê às voltas, há décadas, com movimentos separatistas, inclusive de populações muçulmanas, que o governo classifica como terroristas. “A situação resultante é bizarra, porque o principal aliado dos EUA no Cáucaso para combater o jihadismo é a Rússia e o principal aliado para combater o EI no Oriente Médio é Bashar al Assad.” Há dois anos, os EUA cogitavam fazer bombardeios na Síria para remover Assad, líder do país há 15 anos. 

    Além do Leste Europeu, conflitos armados também são possíveis em outras regiões, espalhando instabilidade geopolítica pelo mundo. Na África, regiões da Nigéria sofrem ataques do violento grupo islamita Boko Haram. No Oriente Médio, a Síria está em guerra civil desde 2011 e Israel se vê às voltas com disputas tanto com o Hamas em Gaza quanto com o Hezbollah no sul do Líbano. 

    As tensões entre a Arábia Saudita e o Irã aparecem como oitavo maior risco na lista do Eurasia Group, por causa da combinação explosiva entre interesses opostos nos conflitos da região, a política interna de cada país e as disputas diplomáticas em torno do programa nuclear iraniano. Segundo o relatório da consultoria, a Ásia também não é uma ilha de estabilidade. A China, que tem administrado com sucesso o projeto de desaceleração do crescimento econômico baseado em investimentos, mantém relação tensa com a ilha de Taiwan, que tende a deteriorar-se, na avaliação de Bremmer e Kupchan. Um conflito naquela área poderia causar impactos no Japão, nas Filipinas e, eventualmente, nos EUA. 

    O tom em geral é otimista, mas sempre pontuado por sinais de perigo, no relatório do Banco Mundial sobre a economia do planeta em 2015. Para o Banco, o crescimento global poderá ser de 3,5% em 2015, mas quatro grandes fatores podem fazer com que a tendência de aceleração se reverta: o comércio transnacional, que deve continuar fraco; a volatilidade do mercado financeiro, quando as principais economias começarem a elevar suas taxas de juros de maneira não coordenada; o efeito que a persistência da baixa cotação do petróleo poderá ter sobre o balanço de pagamentos dos países produtores; e o fracasso dos esforços para evitar um período prolongado de estagnação ou deflação na zona do euro e no Japão. 

    “Uma grande preocupação é a recuperação estagnada em alguns países de alta renda, e mesmo alguns de renda média”, afirmou o economista-chefe do Banco Mundial, Kaushik Basu, durante o lançamento do relatório, no mês passado. “Este pode ser um sistema de dificuldades estruturais profundas.” 

    No relatório “World Economic Situation and Prospects 2015”, a ONU também prevê um cenário econômico benigno em 2015, mas aponta riscos que podem modificar o quadro. Um é a fragilidade da recuperação na zona do euro. Outro é a tensão geopolítica em diversos pontos do planeta, cujos impactos locais já pôde ser percebidos, e que ainda pode causar distúrbios globais. O relatório também assinala que as economias emergentes, entre elas o Brasil, estão enfrentando uma combinação de fatores de instabilidade internos e externos, que podem provocar uma reação em cadeia sobre a economia global. O maior risco para essas economias vem do efeito cascata possível que envolva “fraca atividade no setor real, reversão da entrada de capitais e o aperto nas condições financeiras domésticas quando os EUA aumentarem a taxa de juros“.

    A virada dos juros americanos, que de alguma forma deverá ocorrer, aparece como maior risco para a economia global justamente quando a política monetária nos demais países centrais parece começar a ser ajustada, gradativamente. Dependendo dos dados econômicos americanos, a alta dos juros poderá ser mais lenta, incentivando um aumento de volatilidade nos mercados financeiros globais, ou mais rápida, impactando os retornos de títulos dos demais países. Segundo o relatório da ONU, qualquer erro de cálculo nessas manobras do Federal Reserve, para cima ou para baixo, poderá produzir um furacão na economia mundial. 

    O panorama econômico global publicado trimestralmente pelo FMI apresenta uma perspectiva ligeiramente pessimista. A previsão de crescimento da economia mundial foi reduzida em 0,3 ponto desde o relatório de outubro, chegando a 3,5%. Segundo o relatório, o crescimento será incentivado pelo preço baixo do petróleo, mas a taxa de investimento será fraca, porque as expectativas quanto ao crescimento no médio prazo são pessimistas nos países desenvolvidos.

     

    Fonte: Valor Econômico

    Matéria anteriorReflexões sobre a previdência complementar do servidor
    Matéria seguinteDesafios do Congresso