Uma carta inacabada

    Constituição Federal completa 25 anos com muitas lacunas a serem preenchidas. Nada menos do que 112 dispositivos ainda carecem de regulamentação, entre eles o que trata do direito de greve no serviço público

    Felipe Canêdo

    Belo Horizonte — Há 25 anos, em 5 de outubro de 1988, o então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, promulgava a Constituição Federal, enterrando de vez o regime militar iniciado em 1964 no Brasil. Um quarto de século depois, o reconhecimento pelos diversos avanços trazidos por ela é unânime — principalmente nos direitos coletivos e individuais —, mesmo assim, não são poucos os que clamam por mudanças no texto. Dos 369 dispositivos constitucionais presentes na Carta, 112 ainda carecem serem regulamentados.

    A falta de regulamentação de vários artigos com as chamadas leis complementares deixou em aberto vários temas polêmicos, como o direito de greve de servidores públicos, a limitação de compra de terras por estrangeiros, a implementação de imposto sobre grandes fortunas e a exploração de recursos naturais em reservas indígenas. Desde outubro de 2007, há seis anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão emblemática num caso sobre direito de greve de servidores públicos, concedendo mandados de injunção. A medida estabeleceu meios para que o direito deles fosse viabilizado na ausência de regulamentação sobre o tema, e a Suprema Corte decidiu que valeriam para os servidores as regras previstas para o setor privado.

    Uma comissão mista foi criada no Congresso em abril com o objetivo de regulamentar dispositivos da Constituição, e três propostas foram aprovadas por ela desde então. A principal é a que trata dos direitos dos trabalhadores domésticos, em vigor desde maio. Dois outros projetos, um sobre veiculação de programação regional em rádio e televisão e outro sobre a eleição indireta para a Presidência da República em caso de vacância de presidente e vice também foram aprovados e aguardam apreciação do plenário. A regulamentação do direito de greve de servidores públicos, de questões indígenas e a definição do crime de terrorismo são outros temas urgentes que aguardam apreciação.

    Omissão
    Para o constitucionalista Alfredo Baracho, o grande número de dispositivos ainda não regulamentados reflete a omissão do Congresso Nacional em relação a determinados temas, mas também levanta a discussão sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal na ausência de regulamentação. “Pensa-se muito pouco no quanto o STF poderia contribuir para a legislação. Houve um hiato de 19 anos no STF sem que fosse efetivado o mandado de injunção. Antes disso, o STF comunicava a omissão ao Congresso e o Congresso seguia sem consequências”, afirma ele. Já o ex-deputado constituinte Aldo Arantes (ex-PMDB-GO) acredita que os 112 dispositivos ainda sem regulamentação explicitam uma falta de vontade de tratar dos temas polêmicos contidos nesses artigos. “O Congresso não votou essas questões depois de 25 anos porque não quer votar. Porque não há pressão popular para que esses dispositivos sejam votados e o setor conservador hegemônico do Congresso não quer”, ele avalia.

    Baracho prefere não elencar os pontos mais importantes que ainda não foram regulamentados, mas cita o direito de greve no serviço público, a questão do aviso prévio de demissão proporcional ao tempo de serviço e o artigo que trata das matérias de competência comum da União, dos estados e do Distrito Federal. “O Artigo 23, parágrafo único, estabelece que leis complementares fixarão normas para a cooperação dos entes federativos, várias propostas foram apresentadas e até hoje esse dispositivo não foi complementado. O risco que existe é de políticas públicas conflitantes”, explica.

    Já Aldo destaca o tema da reforma política: “É uma questão que não foi abordada. A Constituição é vaga nessas questões”. Ele acredita que a Carta promulgada por Ulysses Guimarães há 25 anos foi fruto da intensa mobilização popular e que as questões não regulamentadas decorrem diretamente da disputa política entre forças conservadoras e progressistas que ocorrem desde aquela época. “A Constituição é uma vitória dos setores democráticos e progressistas que conseguiram garantir diversos avanços através da participação popular. Houve uma dificuldade para ir além de princípios de caráter mais geral e muita coisa foi jogada para regulamentação posterior”, argumenta.

    O deputado estadual e ex-constituinte Carlos Mosconi (PSDB-MG) concorda que uma lacuna importante a ser preenchida é a reforma política. Outras seriam a reforma tributária e a da previdência. “Infelizmente, acho que o Brasil não tem clima hoje para grandes reformas, mas precisa fazê-las”. Uma ressalva que do parlamentar é que havia previsão no texto da Constituição de que uma revisão seria feita no prazo de 5 anos de sua promulgação, mas ela não foi feita.

     

    Fonte: Correio Braziliense

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