Edição 16 - 26/1/2024

A autonomia do BC e o regime estatutário


O Apito Brasil de hoje traz novos apontamentos acerca da PEC 65/2023, com foco na manutenção do regime estatutário. Importante destacar que o SINAL não decidiu ainda como se posicionar com relação a tal proposta. O texto a seguir apenas rechaça a ideia de que qualquer autonomia somente seria possível em formato semelhante às empresas públicas.

Leia na íntegra:

É perfeitamente possível a construção de um modelo de autonomia do Banco Central do Brasil dentro do regime estatutário. Esta é uma das conclusões às quais o SINAL chegou nas primeiras análises acerca da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 65/2023, que trata do regime jurídico da Autarquia.

Primeiramente, há precedentes já instalados na Administração Pública brasileira. O Tribunal de Contas da União (TCU) e a Defensoria Pública da União (DPU), por exemplo. Ambos podem servir de inspiração para uma proposta mais inovadora ao texto da PEC 65/2023. A adoção do modelo, inclusive, representaria um caminho mais plausível para o diálogo com os parlamentares (e também no âmbito do Judiciário, caso necessário) sobre a adequação da proposta, haja vista a existência de precedentes seguros e de adequação à lógica jurídica da Constituição Federal de 1988 e das jurisprudências constitucionais e administrativas.

Em segundo lugar, a alternativa traria consenso (ou ao menos o apoio de uma grande maioria) dentro do BC a respeito da matéria, uma vez que o modelo estatutário não traz riscos aos atuais direitos dos servidores. Na verdade, as mudanças propostas para a referida autonomia, no modelo estatutário, ampliam tais direitos:

– A inclusão, via PEC, de alterações constitucionais que implementem a autonomia orçamentária do BC;

– A definição de “atividades exclusivas de Estado” para o BC;

– A possibilidade de o BC realizar de forma autônoma seus concursos públicos;

– A possibilidade de o BC não ter de depender do Executivo Federal para tratar das propostas de reajustes salariais a seus profissionais;

– A possibilidade de a Diretoria Colegiada do BC poder decidir a respeito do auxílio-alimentação e dos demais benefícios de seus servidores; e

– Outras possibilidades a serem negociadas entre a Diretoria do BC e os servidores.

Importante aqui desmistificar dois erros crassos de análise já comentados:

1 – “Se o modelo estatutário de Autonomia avançar, outras categorias vão querer tratamento similar, o que não ocorre com o modelo de empresa pública” – A pressão de outras categorias ocorrerá da mesma forma (ou até mais intensamente) com a proposta de transformar o BC em uma empresa pública. O argumento será até mais convincente para eles: “se foi aceita uma completa reestruturação do BC, por que não aceitar uma autonomia mais reduzida para nós?”

2 – “É mais fácil aprovar a PEC da empresa pública do que uma PEC do modelo estatutário” – Muito pelo contrário: o modelo estatutário tem precedentes fortes no Brasil e adequação muito mais consistente à CF e aos princípios constitucionais e administrativos do direito brasileiro. E isso será um fator importantíssimo, tanto na busca de apoio no Parlamento quanto na análise pelo Judiciário (se houver questionamentos futuros).

Outros dois erros de análise, mas indiretos, merecem reparo:

a) “Como a Retribuição por Produtividade do Banco Central (RPBC) não é bem-vista no Ministério da Gestão e da Inovação (MGI), vamos apoiar a transformação do BC em empresa pública” – O primeiro erro é abandonarmos a RPBC, uma proposta aprovada com ampla aceitação na AND de 2022. O outro é esquecer que os integrantes do MGI também são contra a PEC 65 como ela está escrita atualmente (fato expressamente declarado por dois secretários). Além disso, a RPBC pode ser aprovada por um Projeto de Lei, apenas. Logo, é muito mais fácil conseguirmos aprovar a lei da RPBC do que uma emenda constitucional transformando o BC em uma empresa pública; e

b) “Como soubemos que integrantes do governo apoiam a PEC 65, ela não tem como ser mais mudada” – Na verdade, muitos senadores e integrantes do governo sequer puderam analisar uma alternativa: o texto atual da PEC 65 foi empurrado de forma antidemocrática por Roberto Campos Neto a todos, sem nenhum debate. Temos certeza de que muitos parlamentares e integrantes do governo tendem a gostar muito mais de um modelo estatutário com mais consistência jurídica e menos riscos do que o texto escrito por Campos Neto às pressas.

Por falar no presidente do BC, até agora ele não veio a público se explicar sobre a PEC: o porquê de não ter havido debate com a categoria, o porquê de não ter apresentado os documentos que embasaram a proposta, o porquê de ter feito tudo isso no meio das nossas negociações com o MGI, etc. O fato é que os servidores da Casa têm o pleno direito de que um assunto tão impactante para suas vidas seja negociado de verdade, e não imposto sem quaisquer debates.

Fica a dúvida: qual a real intenção de Campos Neto em usar o modelo de empresa pública? Apenas fugir do teto constitucional e aumentar o próprio salário? Se não for isso, está na hora de trazer esclarecimentos à categoria. O SINAL deixa bem claro que mudanças da envergadura da PEC 65 devem ser pensadas em prol do Brasil, em prol do que é melhor para a sociedade brasileira, e não para garantir benefícios particulares.

Por Fábio Faiad
Presidente do SINAL Nacional

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