Edição 92 – 30/6/2015

Décadence sans elegance


Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu

 A primeira estrofe da música “Mestre-Sala dos Mares”, homenagem a João Cândido, o Almirante Negro, composta nos anos 70 por João Bosco e Aldir Blanc, traz às nossas fracas memórias um momento histórico conhecido como “Revolta da Chibata”, ocorrida em 1910. Naquele ano, marinheiros se revoltaram contra os baixos soldos, a alimentação de má qualidade e, principalmente, os castigos corporais, abolidos com o final da escravidão, mas reabilitados pela Marinha como forma de manter a disciplina a bordo.

As tripulações então se rebelaram e tomaram os principais navios da frota. Os canhões de alguns dos principais navios de guerra da Marinha Brasileira, ancorados na Baía de Guanabara, foram apontados para a capital do país, para o próprio palácio de governo.

Nosso leitor mais impaciente pode estar se perguntando: e eu com isso? Caro colega, você tem tudo a ver com isso.

Os servidores do Banco Central não estão sendo submetidos, ainda, a castigos físicos, mas os constrangimentos psicológicos sob a forma de códigos de ética com critérios de avaliação que constrangem a liberdade de expressão, garantida por nossa Constituição Federal; de controle de entrada constrangedor no edifício sede, em Brasília, inclusive com submissão diária aos raios-X; de encaminhamento burocrático de suas queixas por assédio moral ao serviço psicossocial, sem comprometimento das chefias superiores na solução de uma questão de abuso de poder da gerência local, entre outras (por favor, cartas e e-mails ao Sinal!), fazem parte da nossa história recente.

A mais recente novidade na criatividade dos tenentes de plantão refere-se à implantação de uma Gestão de Desempenho para o ano que vem, filme já rodado, do qual o Sinal tomou conhecimento por meio de canais informais. A metodologia dessa sistemática, não compartilhada com o sindicato, diz que os resultados dessa avaliação não devem influenciar na promoção, mas que cada unidade tem a liberdade de usar as informações colhidas como achar melhor. Belo jogo de palavras, não?

Se toda essa criatividade das gerências do Banco Central, focada em aumentar o controle sobre o servidor que busca fazer um bom trabalho fosse utilizada para, efetivamente, melhorar a atuação do Banco Central em todo o país, nas suas mais diversas áreas de atuação, não teríamos o constrangimento de ler matérias como a de uma agência de notícias com cobertura global, como a Reuters, que diz que “conflitos de interesses colocam fiscalização bancária do BC em xeque”.

A matéria de 25 de junho, escrita por Marcela Ayres, mostra de forma bem clara, e até didática, o modus operandi de como ex-diretores e ex-chefes de departamento do Banco Central encontram abrigo em instituições financeiras outrora supervisionadas após saírem da casa. Um trabalho de pesquisa mais longo no tempo levantaria nomes de executivos que reforçaram seus currículos para voltar ao mercado com maiores remunerações.

Talvez como o então Ministro da Marinha no início do século passado, a Direção do Banco mantém-se distante das necessidades da instituição, implantando um desmonte planejado das atividades nas sedes, inclusive na capital federal. É omissa ao apontar seus canhões institucionais para dentro do navio, ao invés de desviá-los em direção de quem determina os setores importantes para o bom funcionamento do setor público.

A falta de prestígio e poder a que tem sido levada a hoje antiquada carreira de especialista do Banco Central, com o desalinhamento salarial longe de ter solução, com os salários dos técnicos levados a nível quase humilhante frente as suas responsabilidades, isso tudo não deve nos desanimar.

O servidor do fundo do porão deste navio sabe da sua capacidade e também pode se indignar. A sensação ruim de decadência institucional no aniversário de 50 anos do Banco Central, reforçada pelo tratamento aos colegas que foram afastados do evento patrocinado pelo BC no Rio de Janeiro, e que acabou em um caro jantar em churrascaria da cidade, mostra a mesma face da decadência da escravidão no país, que teve os últimos suspiros no triste período histórico da nossa valorosa Marinha.

Nossa história foi forjada na ditadura militar, mas parece que as práticas atuais no Banco Central, pós-retomada da democracia, ainda sentem falta das chibatas do passado.

Voltando à “Revolta da Chibata”, o Congresso brasileiro restabeleceu, no mês de agosto de 2003, os direitos de todos os marinheiros envolvidos. O decreto devolve aos marinheiros suas patentes, permitindo que recebam na Justiça os valores a que teriam direito se tivessem permanecido na ativa.

Talvez apenas o Congresso brasileiro possa colocar a atividade do Banco Central nos trilhos novamente, com o debate sobre a regulamentação do Artigo 192 da Constituição Federal, que trata do sistema financeiro nacional e a regulamentação da Convenção 151, da OIT, que dispõe sobre a negociação coletiva no serviço público e do direito de greve no funcionalismo público.

Apenas o trabalho bem reconhecido do servidor pode fazer com que a instituição à qual dedicamos nossa vida profissional tenha efetivo sucesso em atender às demandas da sociedade.

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