Edição 025 - 25/07/2016

É preciso debater com seriedade a situação da Previdência no Brasil.

A falácia do rombo na Previdência

Por Paulo Paim e Vilson Antonio Romero, na revistaTeoria e Debate:

Chega de mentiras. É preciso passar a limpo a atual discussão sobre reforma da Previdência Social. Aliás, falar em “atual discussão” parece até brincadeira, já que é público o fato de que sucessivos governos espalham aos quatro ventos, há anos, o discurso de que o sistema é deficitário e o usam como desculpa para novas alterações. É mentira! Não há déficit e vamos comprovar.

Primeiramente, a Previdência faz parte de algo maior. Ela integra o sistema de proteção criado na Constituição Cidadã de 1988, chamado de Seguridade Social, que inclui o tripé previdência, saúde e assistência social. Pela Carta Magna, a previdência tem caráter contributivo e filiação obrigatória, a saúde é um direito de todos, e assistência social, destinada a quem dela precisar.

Esse grande modelo de proteção tem recursos próprios, conta com diversas fontes de financiamento, como contribuições sobre a folha de pagamentos, sobre o lucro das empresas, sobre importações e mesmo parte dos concursos de prognósticos promovidos pelas loterias da Caixa Econômica. Se há anos eles dizem que há déficit, há anos os números mostram justamente o contrário.

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) divulga anualmente a publicação Análise da Seguridade Social e os superávits são sucessivos, a saber: saldo positivo de R$ 59,9 bilhões em 2006; R$ 72,6 bilhões em 2007; R$ 64,3 bi em 2008; R$ 32,7 bi em 2009; R$ 53,8 bi em 2010; R$ 75,7 bi em 2011; R$ 82,7 bi em 2012; R$ 76,2 bi em 2013; R$ 53,9 bi em 2014.

No ano passado não foi diferente. O investimento nos programas da Seguridade Social, incluídos aposentadorias urbanas e rurais, benefícios sociais e despesas do Ministério da Saúde, entre outros, foi de R$ 631,1 bilhões, enquanto as receitas da Seguridade foram de R$ 707,1 bi. O resultado, mais uma vez positivo, foi de R$ 24 bilhões – nada de déficit!

Dois fatos chamam a atenção. Primeiro, o saldo positivo em 2015 acontece num ano repleto de dificuldades econômicas, o que mostra a força do sistema de Seguridade Social. Ainda, todos os números divulgados são levantados pela ANFIP com base em dados do próprio governo. Ou seja, os governantes sabem do superávit, mas insistem em usar o discurso do déficit para promover sucessivas mudanças na Previdência, sempre de olho em ampliar (e desviar) o caixa, nunca os benefícios dos trabalhadores.

Prova de que o governo reconhece o saldo positivo são medidas como as renúncias fiscais com recursos previdenciários e a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que sistematicamente retira parte do orçamento da Seguridade Social. Só a DRU, em 2012, usurpou R$ 58 bi das contribuições sociais. O dano é continuado: R$ 63 bi em 2013 e mais R$ 63 bilhões em 2014. Para agravar o cenário, tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição que não apenas prorroga a DRU até o ano de 2023, como amplia de 20% para 30% o percentual que o governo pode retirar dos recursos sociais. Se a medida for aprovada, pode significar a saída de R$ 120 bilhões por ano do caixa da Seguridade.

Também é preciso enfatizar a importância da Previdência no cotidiano do Brasil. Hoje, são pagos 32,7 milhões de benefícios, incluindo 9,7 milhões de aposentadorias por idade, 7,4 milhões de pensões por morte, 5,4 milhões de aposentadorias por tempo de contribuição e 3,2 milhões por invalidez, entre outros. O peso desses números é enorme, com impacto social e econômico.

Sem os valores distribuídos pela Previdência Social, boa parte dos municípios brasileiros correria o risco de ir à bancarrota. Hoje, dos 5.566 municípios, em 3.875 (70%) o valor dos repasses aos aposentados e demais beneficiários da Previdência supera o repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Mais ainda, em 4.589, ou 82% do total, os pagamentos aos beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social superam a arrecadação municipal. Ou seja, é com o pagamento aos aposentados que a economia e o comércio dessas cidades giram.

Números postos e expostos, resta saber a quem tanto interessa falar em déficit previdenciário. Certamente não às trabalhadoras e aos trabalhadores, que são contribuintes e beneficiários do sistema. Enfraquecer a Previdência Social justa e solidária, certamente, interessa ao mercado financeiro, ávido em desmoralizar o modelo público para então emplacar a venda de planos privados.

É com esse cenário que, mais uma vez, surgem as propostas de reforma da Previdência, como se o sistema fosse um problema nacional – os números aqui expostos comprovam exatamente o contrário, é a Previdência que garante cidadania e movimenta a economia.

A defesa da reforma nasce como uma espécie de cortina de fumaça para encobrir os problemas reais. Em vez de buscar soluções para o crescimento econômico, como uma efetiva e verdadeira reforma tributária, a revisão do pacto federativo, o estabelecimento de taxas de juros que estimulem o mercado sem empobrecer a população, o governo interino mira o seguro social. Lamentavelmente, prefere atacar a poupança social dos brasileiros e das brasileiras, dinheiro economizado pelos trabalhadores ao longo de toda a vida laboral para, no futuro, gozar da justa e merecida aposentadoria.

Nos moldes defendidos pelo governo, o sonho da aposentadoria pode virar pesadelo em vida, ou nem isso, porque muitos podem morrer antes de desfrutar um pouquinho sequer dessa conquista. Como falar, por exemplo, em idade mínima, e ainda por cima igual para homens e mulheres, quando vivemos em um país com dimensões continentais, repleto de variadas desigualdades regionais? A título de exemplo, um homem no Pará nasce com a expectativa de vida de 64 anos, enquanto para uma mulher de Santa Catarina esse número ultrapassa os 80 anos.

Implantada a reforma sugerida pelo governo, a Previdência Social passaria a ser tão somente um programa de renda mínima, pagando benefícios cada vez menores, abaixo inclusive do piso salarial. Isso aconteceria, é bom alertar a todos e a todas, porque o Planalto defende a desvinculação do benefício previdenciário do valor do salário mínimo, ou seja, a aposentadoria poderia ficar menor do que o mínimo e, para piorar, com a absurda tendência de distanciamento cada vez maior entre os dois, já que certamente os governantes proporiam reajustes sempre menores nos benefícios em relação àqueles do salário mínimo.

Para lutar contra esse verdadeiro ataque à sociedade brasileira é que levamos adiante a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social. Lançado em maio, o movimento suprapartidário, além de senadores da República e de deputados federais, reúne dezenas de entidades de variadas matizes que lutam para proteger a Previdência.

Para ampliar o debate sobre o tema, a Frente Parlamentar está promovendo audiências públicas em todas as regiões do Brasil – percorrendo o país de um canto a outro para chamar a atenção da sociedade para os efeitos nocivos das propostas do governo. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que ajustes pontuais são importantes para proteger o caixa da Seguridade Social, sempre alvo da cobiça dos governantes.

Assim, iniciativas como a revisão ou o fim das desonerações das contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento e a alienação, por leilão, de imóveis da Previdência Social e de outros patrimônios em desuso precisam ser discutidas. Também é necessário exigir o fim da aplicação da DRU sobre o orçamento da Seguridade Social, bem como a criação de um Refis (programa de recuperação fiscal) para a cobrança de R$ 236 bilhões de dívidas ativas recuperáveis com a Previdência Social.

Ainda, é fundamental melhorar a fiscalização sobre o setor, por meio do aumento do número de auditores fiscais em atividade e do aperfeiçoamento da gestão e dos processos de fiscalização. Também está na hora de rever as alíquotas de contribuição para a Previdência Social do setor do agronegócio, que pode e deve contribuir mais para assegurar a aposentadoria do trabalhador do campo.

É preciso que a sociedade brasileira vista a camisa e assuma a defesa intransigente e a manutenção dos direitos sociais e a gestão transparente da Seguridade Social, além do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social pública e solidária. Só assim poderemos manter o seguro social, o verdadeiro patrimônio dos brasileiros e das brasileiras.

* Paulo Paim é senador (PT-RS), presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal. Vilson Antonio Romero é presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip).

 

ENQUANTO ISSO……

Maia admite acordo com PSDB para encerrar CPI do Carf


Jornal GGN –
 O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), admitiu que decidiu enterrar a CPI do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) em acordo fechado com DEM, PSDB e PSB. A declaração não apenas mostra a negociata que pode ter definido a sua eleição ao posto maior, em substituição a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), como também os interesses dos partidos em silenciar investigações que envolvem empresas.

Por outro lado, o encerramento da Comissão que daria sequências às investigações deflagradas com a Operação Zelotes, que investiga, por exemplo, a venda de sentenças no Carf, mostra que não seria o Partido dos Trabalhadores o alvo das possíveis descobertas, ao contrário do que mirou os investigadores, com o decurso da Operação.

O acerto para encerrar as investigações dentro da Câmara teria sido fechado pelo presidente interino Waldir Maranhão (PP-MA), com parlamentares do PSDB, DEM e PSB, estando presente o então candidato Rodrigo Maia, às vésperas da eleição. Mas Maranhão acabou recuando do acordo e deu um prazo adicional de 60 dias para a CPI.

Da Folha de S. Paulo
Maia admite acordo para enterrar CPI que investiga empresas
Por DANIELA LIMA e AGUIRRE TALENTO

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reconheceu à Folha que decidiu revogar a prorrogação dos trabalhos da CPI do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e determinar que a apuração seja encerrada na primeira semana de agosto para cumprir um acordo firmado às vésperas de sua eleição para o cargo, em 15 de julho.

Órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, o Carf é responsável por julgar autuações aplicadas pela Receita Federal aos contribuintes. A CPI, portanto, focava na atuação de empresas.

O acerto para encerrar as investigações havia sido fechado na presença de Maia pelo então presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), com integrantes de partidos como o DEM, o PSDB e o PSB. Maranhão depois recuou e acabou dando um prazo extra de 60 dias à CPI.

O presidente recém-eleito, entretanto, decidiu manter o que havia sido acordado e publicou ato revogando a prorrogação da CPI e determinando que os últimos 26 dias de trabalho do colegiado fossem dedicados apenas à votação de seu relatório. Seu ato passou a ser alvo de questionamentos.

Integrantes da CPI ligados ao chamado “centrão” –aglomerado de partidos como o PP, PR e PSD– dizem que a CPI deve, ao menos, usar o resto do prazo para tomar depoimentos de personagens já citados na investigação.

O presidente da CPI, Pedro Fernandes (PTB-MA), esteve com Maia na última terça e pediu que ele autorizasse novos depoimentos. Em outra frente, o PSOL tem dito que a Câmara poderá ser acusada de agir para proteger grandes empresários caso Maia mantenha sua decisão.

POLÊMICA

A diversidade dos questionamentos reflete a pluralidade de interesses afetados pela CPI. A investigação parlamentar nasceu após a Polícia Federal deflagrar a Operação Zelotes, que investiga a venda de sentenças no Carf.

Segundo a PF, conselheiros que atuam no órgão cobravam propina de empresários em troca de abatimento de multas fiscais.

Pesos pesados do empresariado nacional entraram na mira da CPI, como Safra, Gerdau e Bradesco. Ao mesmo tempo, cresceram rumores de que integrantes da CPI estavam pedindo vantagens a investigados para anistiá-los de depoimentos na comissão.

A afirmação de que havia achaque na CPI foi verbalizada por um dos vice-presidentes da comissão, o deputado Hildo Rocha (PMDB-MA), ao jornal “O Globo”. A fala fortaleceu corrente liderada pelo PSDB, DEM e PSB que vinha condenando o andamento dos trabalhos na CPI.

“Alguns líderes de partido fizeram uma reunião com Maranhão na qual, preocupados com os rumos da CPI, sugeriram que a prorrogação fosse usada para votar o relatório final. Foi uma decisão coletiva e, se tiver que ser revista, será revista coletivamente também”, disse Maia.

Deputados do PSDB e do DEM procurados pela Folha admitiram ter patrocinado os pedidos de encerramento dos trabalhos. José Carlos Aleluia (DEM-BA) afirmou que “ninguém blindou empresa nenhuma” e que integrantes da comissão ficaram preocupados após boatos de que parlamentares estariam achacando empresários. “Colocaram em dúvida a conduta da CPI e não quero ver meu nome ligado a isso”, disse Aleluia.

Líder do PSDB, Antônio Imbassahy (BA) disse que os tucanos na CPI “confiam nas investigações que estão sendo feitas pela PF, sem prejuízo da atividade parlamentar”.

ACORDÃO
Presidente da Câmara admite acerto para enterrar CPI do Carf
CPI do Carf

  • Criação:4.fev.2016
  • Prazo de funcionamento:4.mar a 11.ago
  • Presidente:Pedro Fernandes Ribeiro (PTB-MA)
  • Membros:29


O que investiga?
CPI apura o esquema de corrupção no Carf, revelado pela Operação Zelotes

A OPERAÇÃO ZELOTES
O suposto esquema

Através de advogados e consultores, empresas repassavam propina a conselheiros do Carf para reverter multas da Receita. Operação também descobriu esquema de compra de medidas provisórias

Por que os deputados querem o fim da CPI?

  • Grupo alinhado ao PT busca impedir a convocação de Luis Cláudio, filho de Lula, que é investigado por ter recebido pagamentos de um lobista condenado na Zelotes
  • Partidos como PMDB, DEM e PSDB querem blindar grandes empresas investigadas na Operação, como o a Gerdau e o Banco Safra

 

 

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