
INFILTRAÇÃO DO PCC NA FARIA LIMA, E O BANCO CENTRAL: O QUE SE ESPERAR NO DAY-AFTER?
Sonia Yessin Ramos (*)
- Um escândalo, recém noticiado, começa a ser desvelado através de uma mega Operação (Operação Carbono Oculto), que envolve um conjunto de instituições de níveis Federal (Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda, Policia Federal etc.), Estadual (Governos Estaduais, Ministérios Públicos Estaduais, Polícias Estaduais etc.), e Municipal. É inédito, e reclama nossa compreensão. Inevitável que daí se origine uma luta de narrativas, e, sobretudo, uma luta para a definição de soluções, ou “soluções”, cabíveis, dada a sua abrangência, contundência e repercussões possíveis, embora, infelizmente, não inevitáveis. A imprensa passou a tratar o episódio como uma “infiltração do PCC na Faria Lima” – reduto do GRANDE CAPITAL FINANCEIRO.
- Esta questão não só tem antecedentes fáticos a serem explorados, entre os quais a live do dep. Nickolas que colocou a Sociedade em palvorosa ao afirmar que o Governo pretendia taxar o PIX (quando o que visava o Governo era: fechar brechas deixadas pelas Finthecs – instituições financeiras fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil – BCB). A confusão criada foi tanta que o Governo desistiu de seu intento, deixando de fechar as tais “brechas” naquela ocasião, só encontrando condições políticas para fazê-lo agora, depois que a porta do cofre foi arrombada, aliás, repetidamente arrombada.
- Assim, justamente por não terem sido Instituições Financeiras devidamente fiscalizadas pela autoridade designada por lei para fiscalizá-las, permitiu-se que o crime organizado, detectando as aludidas “brechas”, operasse fraudes de monta maior que 50 bilhões junto ao setor de combustíveis, pelo menos. Os valores ilegalmente obtidos eram “lavados“ desde logo nos postos de gasolina (mais de 800) e, adiante, “re-lavados” em 40 (quarenta!) grandes Fundos Financeiros que deixavam o sujo quase branco.
- As Operações prosseguem. Já estamos próximos de chegar aos líderes do PCC. E hoje, como se tudo isto não bastasse, somos informados pela Carta Capital sobre as conexões entre o crime organizado e as famosas EMENDAS PARLAMENTARES!
- O jornalismo da UOL-Mercado Aberto, no final de reportagem do dia 29 de agosto último, afirma, na contramão do habitual, que o Governo tem de “Regular mesmo!” a atuação das Finthecs! E ataca o dep. Nickolas, relembrando a sua live mentirosa, a ele atribuindo, assertivamente, a demora das providências legais para coibir as “brechas” mencionadas, isto quando não houve essa assertividade por parte da imprensa simultânea ao fato em si.
- Convocado um especialista para tratar do tema, este afirma que o evento contou com as “falhas produzidas pelas AUTORIDADES”, e também com “falhas das INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS”, nesta ordem. Elide-se a hierarquia das responsabilidades? E segue afirmando que há uma “dificuldade” presente no órgão encarregado da Fiscalização, isto é, o BCB. Mas fica evidente que “reforçar a Fiscalização” é consenso. Entretanto, restou irrespondida a pergunta: Como realizar este “reforço”?
- As indagações, mais incômodas, posto que certamente houve CRIME: Houve culpa ou dolo? – Quem os praticou? Tais questões, obviamente, não ocorreram à repórter.
- Obviamente, as instituições financeiras concernidas terão de esclarecer como e porquê aplicaram o dinheiro sujo de traficantes, marginais. Sim, é o que se espera! Da mesma forma se espera que o BCB esclareça porquê a regulação a respeito é tão frouxa (ou não é?), bem como a razão pela qual o problema permanece irresolvido há tempos!
- A aplicação dos haveres do tráfico etc., só pode ter ocorrido sob duas formas, a saber: 1a.) Por incompetência e incapacidade de localizar sua origem criminosa (Haja incompetência! Haja incapacidade! Por ingenuidade, nunca!). Ou, 2a.) Por co-autoria. Estas hipóteses, as únicas possíveis, em princípio, para os dois pólos (Autoridades e Instituições Financeiras), em proporções de responsabilidades a perquirir, naturalmente. Vamos estar atentos para verificar se os desdobramentos colocam a questão nestes termos. Sem ilusões, naturalmente.
- O fato é que a imprensa do Mercado – e exemplifico agora com o Globo-Economia, de 01/09/25, por Thais Barcelos, vai mais longe agora. Desfoca o problema central em análise (O CRIME, SUAS CAUSAS REAIS, E SEUS AUTORES), ou seja, o diagnóstico sem o qual não há remédio; e, partindo de dado pressuposto, se autoriza conclusões, oportunistas, que expõe, a saber: O “orçamento apertado” do BCB teria sido a condição para o cometimento do crime.
- Assim posta a questão, o que caberia senão realizar um “desaperto”? Mas … como? O curioso é que muito rapidamente, conclui-se que há um “impasse”. Um “impasse”? Donde saiu este impasse? Não saiu de lugar algum, não foi demonstrado É um pre-suposto, no texto (Nota: Embora, como veremos adiante, ele, num certo sentido exista, vinculado à discussão da PEC 65/2023, atualmente em trâmite no Congresso, sobre a qual trataremos adiante). O remédio seria conseguir os recursos sem os quais a atuação reguladora do BCB não pode enfrentar o crime, nem fortalecer a segurança do Sistema Financeiro! Tudo seria, e apenas, uma questão de recursos, uma questão quantitativa, não qualitativa!
- E (atenção!) já se sabe onde estão estes “recursos”! Onde estão? Resposta: No “projeto que dá autonomia financeira e orçamentária ao BC”. Resposta rápida, simples, certeira, mágica! A articulista é de fato uma “gênia”!
- Ainda que possam faltar recursos ao BC para sofisticar o PIX, como aprovar esta lógica de botequim para chegar à conclusão exposta? O artigo, com total desfaçatez admite que as circunstâncias que favoreceram o último crime não se manifestaram por vez primeira. Sim, houve diversos episódios, diversos (incluindo ações de hackers, inclusive), que, todos. tinham como substrato a mesma inoperância do BCB. Mas, a “genial” análise teria o condão de resolver tudo? Ou será que existem aqueles que pensam de modo radicalmente diferente? A ver.
- Seja como for, há algo que não pode ser contornado – a franca complementaridade, para o efeito das resultantes criminosas, entre a prática de Instituições Financeiras e a ausência de prática do Banco Central do Brasil.
- O Banco Central é hoje uma instituição AUTÔNOMA, por força de Lei editada no anterior Governo, blindado, pelo menos parcialmente, de influência e fiscalização por parte do Governo eleito e da Sociedade. E assim o é independentemente de ser dirigido pelo Neto (neto de um dos artífices das políticas econômicas da Ditadura), isto é, pelo Roberto Campos de Bolsonaro, e independentemente de ele, BCB, ser hoje dirigido pelo outro, indicado pelo Presidente eleito.
- Houve quem imaginasse que a simples troca de Presidente resultaria no saneamento das práticas, históricas, características do BCB, órgão que exerce um Poder Paralelo aos Governos; afeito, comprometido, com os interesses do Capital, e mais especialmente do Capital Financeiro, dominante em todos os poros da Sociedade. Este é um problema ESTRUTURAL, que não se modifica com simples troca de personagens. Assim se explica porque pratica uma Política Monetária absolutamente contrária aos interesses dos trabalhadores, e surda aos apelos pela redução dos juros, mas não só.
- Contudo, a vontade e a necessidade de um BANCO CENTRAL NÃO APENAS AUTÔNOMO, MAS ABSOLUTAMENTE INDEPENDENTE, COMO PODER PARALELO, PARA A CONSECUÇÃO DE SEUS FINS, É INSACIÁVEL.
- É neste contexto que se insere a discussão sobre a PEC 65/2023. Hoje AUTÔNOMO, o Banco Central deveria, consoante esta ótica, ser INDEPENDENTE. Em uma frase tentamos captar a essência do que busca seu Relator através da aprovação do Projeto. O que se quer aprovar é a PRIVATIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRAZIL!
- Na sequência, permitam-me trazer à baila, ipsis litteris, texto cuja origem está no Jornal “Apito Brasil”, editado pelo SINAL – SINDICATO NACIONAL DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO CENTRAL, empenhado na luta contra a PEC. O texto se denomina “PEC 65, fintechs e os riscos de fragilizar o Banco Central”. Ameno, devo corrigi-lo. O que a PEC 65 fragiliza é o BRASIL!
“Edição 95 de 29/8/2025
PEC 65, fintechs e os riscos de fragilizar o Banco Central
Nos últimos meses, a imprensa tem destacado casos em que fintechs foram utilizadas para movimentar recursos de origem criminosa. É natural que esse tipo de notícia cause preocupação à sociedade e às autoridades, diante do risco que representam à integridade do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e à credibilidade das instituições.
Nesse contexto, alguns passaram a sugerir que a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65/2023 — que transforma o Banco Central do Brasil (BC) em pessoa jurídica de direito privado — seria a solução para enfrentar essas fragilidades. Tal associação, porém, além de equivocada é perigosa, haja vista que a PEC 65 não resolveria o problema, ao contrário, tenderia a agravá-lo ao fragilizar o regime de trabalho dos servidores do BC e enfraquecer sua natureza pública.
A eventual transformação do Banco Central em entidade de direito privado fragilizaria a autoridade monetária, tornando-a mais suscetível a pressões de grupos econômicos. Essa vulnerabilidade comprometeria sua capacidade de organizar, regular e fiscalizar o SFN com a necessária isenção, justamente quando cresce a complexidade de crimes como a lavagem de dinheiro via fintechs.
O que já existe e não está sendo aplicado.
A motivação da PEC 65 seria conferir autonomia orçamentária, financeira e administrativa ao Banco Central. No entanto, o problema não reside na falta de previsão legal, pois o BC já possui autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, garantida pela Lei Complementar (LC) nº 179/2021. O que falta é a regulamentação adequada dessa lei, questão que pode e deve ser resolvida dentro do direito público.
A regulamentação efetiva da LC 179 poderá assegurar maior autonomia ao BC para garantir os recursos humanos e materiais necessários ao fortalecimento de sua capacidade de organizar, regular e fiscalizar o SFN, aí incluídas as ações voltadas ao fomento de boas práticas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (PLD) quanto à identificação de eventuais inconformidades por parte das entidades supervisionadas.
O Banco Central do Brasil executa atividades típicas de Estado e, nesse sentido, defender sua manutenção como entidade de direito público é condição essencial para uma atuação mais efetiva no combate à lavagem de dinheiro. Fortalecer o BC é responsabilidade de toda a sociedade e, para isso, é imperativo prover recursos humanos adequados. Como passo imediato, é necessário que o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) autorize a nomeação dos 200 aprovados no último concurso do BC que ainda aguardam no cadastro de reserva. Essa medida atenderia, em parte, à demanda por pessoal e permitiria preservar o nível de excelência das entregas da autoridade monetária à sociedade, incluindo a supervisão de novas instituições como as fintechs.
Os riscos da PEC 65
Transformar o BC em entidade de direito privado, com servidores regidos pela CLT — retirando-lhes as garantias do Regime Jurídico Único (RJU), instituído pela Lei nº 8.112/1990 —, é uma proposta inadequada e arriscada, que traz sérios impactos institucionais:
Desvirtua sua missão pública, ao sujeitá-lo a uma lógica de mercado e de geração de “lucro”, em detrimento da estabilidade macroeconômica.
Fragiliza sua posição nos sistemas de pagamento de varejo, tornando-o mais vulnerável a questionamentos concorrenciais caso perca a condição típica de uma autarquia pública – que oferece sistemas de pagamento como bens públicos.
Enfraquece a atuação dos servidores, ao retirar a proteção conferida pelo RJU, que os resguarda contra pressões políticas e econômicas e lhes garante autonomia para exercer atividades sensíveis, sobretudo a supervisão de instituições financeiras e de pagamento.
Um BC transformado em direito privado, com servidores submetidos ao regime da CLT, seria mais vulnerável à captura por grupos econômicos, justamente quando se sofisticam os crimes financeiros. Ao retirar a blindagem institucional garantida pelo RJU, a PEC 65 enfraquece a independência funcional dos servidores, que são a linha de frente no combate a ilícitos.
Conclusão
Vincular a aprovação da PEC 65 à solução de problemas envolvendo movimentação de recursos do crime por meio de fintechs é um completo equívoco, uma vez que implementaria uma mudança constitucional que enfraquece a capacidade de supervisão do SFN pelo Banco Central.
O que o BC necessita é de uma autonomia orçamentária e administrativa consolidada dentro do direito público, com a plena regulamentação da LC 179 e o fortalecimento do corpo técnico concursado e protegido pelo RJU. Vincular a aprovação da PEC 65 à solução de problemas envolvendo ilícitos é uma falsa promessa. O combate a esses ilícitos necessita de maior presença do Estado, não de menos”.
- Os atores responsáveis pela dominância social hegemônica do Capital Financeiro sobre a Sociedade têm nomes e CPFs, isto é, são identificáveis. São indivíduos bilionários, que, no seu conjunto, constituem uma fração da classe dos Capitalistas, muito poderosa, na esfera da Economia. Ninguém se furta às determinações sociais que impõe. Costuma (ou costumava) ser discreta ao exercer sua também imensa influência na esfera da Política, onde se apresenta/apresentava através de Representantes extra-classe – os Políticos, que quase sempre assumem as responsabilidades de Estado como (para usar uma linguagem conhecida), digamos, seus “laranjas”. São bem aquinhoados, e fiéis aos seu poderoso e verdadeiro patrão – o Capital, e o Capital Financeiro em especial. Sua tarefa, em última análise, é a seguinte: garantir condições políticas para que a classe dominante e sua fração de classe hegemônica, possam alcançar aquele que é seu objetivo último – o lucro, e mais do que isso, as condições que permitam a acumulação contínua e potencializada dos lucros.
- É claro que nem todos os capitalistas são ladrões, como se verifica dos fatos sob comento; nem todos são capitalistas com estatutos idênticos aos dos traficantes de drogas, de armas, de pessoas etc. Parte deles confere ao Estado, inclusive, poderes para até reprimir os membros de sua mesma classe, os mais afoitos, os mais sedentos de lucros, definindo uma linha vermelha que não deveria, em princípio, ser cruzada. Para isso serviria a Democracia limitada de que dispomos, serviriam as Instituições de Estado, e as Leis – no caso em tela a Instituição seria o Banco Central. Para isto serviriam ainda as lutas das classes trabalhadoras que, eventualmente, embora submetidas ao domínio quase implacável da classe dominante e da sua fração hegemônica, resistem, colocando, por meio de suas diversas formas de luta, suas reivindicações. Excepcionalmente, suas lutas tornam suas pautas exequíveis, contra as pautas dominantes.
- As proporções que se conformam entre os citados atores não são estáticas, imutáveis, porque nada na existência, no aquém, o é, inclusive o Banco Central, que não está no além.
- O problema é quando essas proporções se alteram de uma forma impactante, categórica, irrefutável. A nova configuração causa abalos e mesmo destruição na vida social, que se degrada. Degradada a Sociedade, dela emergem, num crescendo, com muita força, forças antidemocráticas, proto-fascistas e mesmo fascistas que, eventualmente, ganham posição dominante.
- O problema é que, em determinadas circunstâncias, especialmente em circunstâncias em que o SISTEMA que comandam – que é mundial, entra em CRISE DE RE-PRODUÇÃO (Nota: E esta circunstância está nitidamente presente!), as proporções de Poder Econômico e Político entre os mesmos grupos nos espaços decisórios que permeiam o tecido social se alteram drasticamente. Os capitalistas ladrões e não-democraticos (Nota: Et pour cause!) movidos também pelas dificuldades de produção e realização inerentes à CRISE, se dirigem às formas predatórias de exploração de negócios, marginais, pelo menos até que jurisdicizados pelo Direito do Fascismo (E aqui já tratamos da esfera ideológica da Sociedade), que também atua como determinante. De fato as determinações, todas, de que se trata – econômicas, políticas e ideológicas, bem como o fazer dos indivíduos e classes, são determinações reflexivas, simultâneas e complexas.
- Os novos atores, marginais, fortalecidos, avançam, e ameaçam a tradicional dominância dos capitalistas “democráticos”. Suas posições tendem a se inverter. E, invertida a relação, estaremos sob o domínio crescente do caos na esfera da Economia, sob a lei do mais forte; e, politicamente, sob o domínio crescente do Estado de Exceção, do Autoritarismo, do Fascismo, os mais fracos sob a bota. (Nota: Neste caso, e dependendo na intensidade e amplitude da CRISE, a História registra que os capitalistas “democráticos” terminam por aderir ao Programa para o enfrentamento da crise dos até então “oponentes marginais”). (Nota: Outra hipótese, não presente no caso concreto ora analisado: em circunstâncias semelhantes, o antagonismo na relação entre Capitalistas, todos, e aliados X Trabalhadores, poderia conduzir a Sociedade ao domínio da temida Revolução Social).
- Definir a realidade com que ora nos deparamos é: precisar, nos moldes os mais exatos possíveis, o estágio do desenvolvimento deste SISTEMA que habitamos, onde tudo se insere, bem como as RELAÇÕES ENTRE SEUS DIVERSOS ATORES e suas DERIVAÇÕES, nos planos institucional e extra-institucional.
- Nós, que não somos capitalistas, temos todos que perquirir, coletivamente, sobre este estado de coisas. Procedem estas colocações? Se procedem, temos, em sequência, de responder à grande pergunta: É isto que queremos, para nós e para nossos filhos? Por último, vem o desafio: “Que fazer?”.
(*) Sonia Yessin Ramos é servidora aposentada do Banco Central do Brasil e filiada, desde 28.12.1988, ao Sinal.
PEC-65: RUIM PARA O SERVIDOR DO BC,
PIOR PARA O BRASIL!
Diga pelo que você quer lutar!
LUTE JUNTO COM O SINAL!
Não deseja mais receber o Apito Carioca? Clique aqui
|