Edição 141 - 14/11/2013

Mais desoneração. Enquanto isso, os salários…


Clovis Barbosa*

A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da igualdade (art.5º, caput), e o da isonomia tributária (art. 150, inciso, II).

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[…]

II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Pois bem, num só ato o Governo Federal, com a edição da MP 627 (que trata do Programa Refis) consegue desrespeitar tais princípios constitucionais, alegando reduzir a litigiosidade que geram os tributos PIS/CONFIS, IRPJ, CSLL, e concede ao setor financeiro e grandes empresas, Bancos e multinacionais, descontos em multas, ao mesmo tempo em que alonga ainda mais o prazo para parcelamento das dívidas, passando de 120 para 180 meses:

[…] Entre os atrativos, os débitos dos bancos e seguradoras pagos à vista terão desconto ainda maior nas multas. A redução será de 100% para todos os tipos de multa. Os juros de mora também serão zerados para quem quitar a dívida à vista. Antes, o desconto para multas isoladas era de 80% e para juros de mora, de 45%. O Refis dos Bancos abrange dívidas de instituições financeiras e companhias seguradoras relativas a PIS e Cofins vencidas até 31 de dezembro de 2012.

Multinacionais — A MP 627 também modifica regras para beneficiar as multinacionais. Entre elas, além de aumentar de 40% para 50% o desconto nos juros de mora incidentes sobre os valores parcelados, o novo texto amplia de 120 para 180 o número total de prestações do programa. Pelo Refis das Coligadas, as empresas brasileiras com coligadas ou controladas no exterior poderão parcelar ou pagar os débitos relativos ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) vencidos até 31 de dezembro de 2012. […]

Fonte: VEJA

De acordo com a exposição de motivos da MP, assinada pelo ministro da fazenda, §101, a renúncia fiscal beira R$ 10 bilhões (R$ 9,94 na verdade), nos próximos 3 anos, de 2014 a 2017:

“101. O impacto financeiro da medida, com relação ao disposto nos arts. 67 e 68, será de R$ 1,77 bilhão em 2014, R$ 1,77 bilhão em 2015 e R$ 1,77 bilhão em 2016. O impacto financeiro da medida, com relação ao disposto no § 2º do art.73, será de R$ 14,35 milhões em 2015, R$ 15,79 milhões em 2016 e R$ 17,36 milhões em 2017 e, com relação ao disposto no art. 86, será de R$ 1,38 bilhão em 2015, R$ 1,52 bilhão em 2016 e R$ 1,678 bilhão em 2017. Ressalte-se que a medida não acarreta impacto financeiro para o ano de 2013.”

O verdadeiro objetivo dessa medida é o reforço de caixa no exercício que se finda, concedendo injustificável tratamento a setores da economia que têm cada vez maiores lucros, especialmente o setor financeiro, não produtivo. Privilegiando poucos, até incentiva futuros atrasos naqueles tributos, ao contrário do tratamento dado ao cidadão comum.

E por que essa medida é tão vergonhosa? Enquanto isso:

  • O Governo absorve renda do servidor público ao conceder reajustes na base de 5% a.a., abaixo da inflação oficial, recusando-se a negociar verdadeiramente com os trabalhadores;
  • Foi necessária a atuação do Sindfisco para propor lei de iniciativa popular para atualizar a Tabela de Imposto de Renda, defasada desde 1996, já que o Governo se omite;
  • O assunto litigiosidade da ação dos 28,86% dormita nos gabinetes ministeriais, sem qualquer interesse ou pressa na solução;
  • Reduz a atuação do Estado, contrariando o clamor popular, nas recentes manifestações, com os drásticos cortes no Custeio, como ao que foi submetido o próprio Banco Central, que provocou, dentre outras medidas, a redução das inspeções externas, corte de mão de obra terceirizada, estagiários, impressoras, energia, ar condicionado, internet, telefonia etc.

Assim, é fácil verificar a contradição do Governo, que se do lado da Despesa Pública, reduz o Custeio, do lado da Receita, concede injustificáveis benefícios a um grupo restrito e privilegiado, como estes observados na vergonhosa MP 627. Ainda sob o argumento de reduzir a litigiosidade quanto àqueles tributos, esquece-se que há na litigiosidade com o Servidor Público, que em muitos casos envolve pessoas idosas, um dado ainda mais cruel, e desumano, que a justiça tardia é a consagração da injustiça.

Privilegiar o setor financeiro é referendar a atuação de um setor que cada vez mais se destaca com altos índices de reclamações e baixa qualidade dos serviços prestados à população, já que encabeça os principais rankings nos órgãos de defesa do Consumidor.

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*Clóvis de Lima Barbosa Júnior é diretor Jurídico do Sinal Recife

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