O Sinal-RJ, através do seu Conselho Regional, manifesta preocupação com a recente pressão política sobre a mais alta Corte de Justiça do país, o Supremo Tribunal Federal. Essa pressão ocorre sobre o encaminhamento e análise do processo que deverá analisar as diversas mudanças de índices de correção da poupança, em consequência dos planos econômicos pelos quais passou o Brasil nas décadas de 1980 e 1990.
De onde vem essa pressão sobre o STF? Essa pressão vem de um sistema financeiro preocupado com eventuais perdas devido à incorporação de despesas associadas ao pagamento dessa correção da poupança. A mobilização pela defesa desses interesses é compreensível, haja vista tratar-se de um setor que sempre teve muita influência no jogo político-partidário do país. Subitamente, mas não inesperadamente, os agentes do mercado financeiro se veem prestes a realizar perdas de montantes ainda precisamente desconhecidos, mas que representam ganhos econômicos para a maior parcela da população. Espera-se que essas instituições depositárias divulguem valores mais precisos para esse passivo, uma vez que elas dispõem de sistemas de informação bem sofisticados.
Ademais, sabedor de um processo que bate agora às portas da mais alta Corte do país, os dirigentes dessas instituições deveriam ter realizado o devido provisionamento correspondente a essas perdas, ainda mais após sucessivas derrotas no mérito em outras instâncias judiciais. As instituições que o fizeram apenas cumpriram uma boa gestão de risco, podendo se beneficiar de uma eventual decisão favorável. Os diretores dos bancos que não o fizeram submeteram suas instituições a um risco de perda econômica, risco que deveria ter sido mais bem avaliado. Certamente, se essa previsão de despesa tivesse sido devidamente provisionada, não testemunharíamos os lucros recordes de algumas instituições financeiras ao longo dessa dezena de anos, certamente invejadas por suas congêneres de outros países.
Quem são os agentes que fazem o papel de mensageiros do apocalipse? A pressão sobre o STF é feita através da imprensa nacional, veículo importante para o debate em qualquer democracia, mas que não está isenta dos canais de pressão econômica, e que, muitas vezes, se esquece de abrir a discussão para opiniões divergentes.
Se o canal de transmissão é a imprensa, as vozes que buscam justificar o argumento de que a sociedade incorreria em altas perdas são ministros e ex-ministros de Estado. Talvez, por terem tomado parte, direta ou indiretamente, da formulação e/ou execução dos tais planos de estabilização econômica, eles procurem, assim, limpar sua biografia. Ou ainda, por terem direta ou indiretamente sido responsáveis pelo papel de fiscalizar essas instituições, de cobrar um devido aprovisionamento de dinheiro para possíveis tempos mais difíceis, eles provavelmente também sintam um peso extra de culpa.
As ações sobre os índices de remuneração da poupança não surgiram recentemente. De fato, alguns desses processos devem ter quase de 30 anos de duração. Curiosamente, muitas das autoridades da época em que foram executados esses planos econômicos, e que agora se posicionam contrariamente à revisão desses índices de correção da poupança, trabalham ou trabalharam sob a forma de consultores ou de conselheiros dos principais bancos brasileiros.
Há algum risco real para a economia? O Sinal-RJ sabe que apenas argumentos de natureza legal costumam embasar o trabalho do STF, que tem se mostrado imune a pressões. Contudo, ainda assim, gostaria de colocar em questionamento até mesmo o principal argumento de natureza econômica utilizado para pressionar os juízes do STF, a desculpa de sempre: o risco sistêmico.
Não se pode afirmar sem estudo mais sério que haverá risco sistêmico para a economia caso o STF acate positivamente os recursos dos poupadores. Uma vez que os pagamentos correspondentes às diferenças de rendimento, devidamente atualizadas, ainda permaneçam no sistema financeiro, não se afeta a condição anterior de liquidez do mercado no seu todo, apenas sua alocação. Os pagamentos aos credores devem ocorrer na moeda local: o real, de modo que os recursos financeiros continuam no sistema. Assim, não há problema de transferência de recursos em moedas distintas, como o que ocorreu quando da reparação de guerra por parte da Alemanha, como consequência do Tratado de Versalhes, e que levou aquele país a uma hiperinflação.
Caso o STF acate a tese dos poupadores, eles passariam a ter posse desse dinheiro, representando uma perda econômica para as instituições financeiras, mas não necessariamente um risco para toda a economia. Perdas e ganhos fazem parte do jogo do sistema econômico, devendo ser aceitos dentro das regras dadas. O STF é o juiz último dessas regras. Além disso, nada impede que essas instituições negociem com seus credores formas parceladas de pagamento, pois, para esse fim, não faltam instrumentos no sofisticado mercado financeiro brasileiro. Caso, naturalmente, o próprio STF não determine algum tipo de parcelamento.
Finalmente, o Sinal-RJ chama a atenção do STF e da nação brasileira para um risco mais real do que o propagado pelos possíveis perdedores dessa ação legal: o Risco Institucional. Esse risco se explicita quando os responsáveis pelo correto ordenamento jurídico do país passam a se pautar pelas flutuações das cotações de ativos do mercado financeiro.
A consagração da separação de poderes e sua independência não são apenas palavras bem postas em nossa Constituição, mas devem se traduzir no dia a dia das decisões das principais autoridades dos três poderes. Como um investidor poderá confiar no retorno contratado de seus investimentos se alguma autoridade de plantão pode alterar as regras do jogo em andamento? Uma decisão que confirme a ilegalidade do expurgo feito sobre as cadernetas de poupança ajudará o país a avançar em suas relações econômicas, trazendo efeitos benéficos em prazos mais longos.
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