Edição 63 - 02/09/2013

Razão e Sensibilidade

 “De onde menos se espera, daí é que não sai nada.”
Barão de Itararé

 

Os servidores do Banco Central foram informados no final do mês de agosto de medidas que a alta administração desta instituição tomará para fazer face à questionável determinação do governo federal de realizar cortes drásticos nas suas despesas. O valor dos cortes chega a cerca de R$ 1 bilhão apenas na esfera do Ministério da Fazenda.

O comunicado Secre divulgado em 30 de agosto informa de modo mais institucional os detalhes dessa determinação, fazendo com que a direção do banco assuma formalmente a responsabilidade dos efeitos futuros das medidas a serem adotadas, conforme entende o Sinal.

Como explicitado nesse comunicado, nossa parte nesse pacote de cortes seria de algumas dezenas de milhões de reais, em um momento de já avançado estágio da execução orçamentária. Isso faz com que esses cortes sejam inaplicáveis e inatingíveis, dentro do conceito da responsabilidade e do compromisso com o bom funcionamento do Estado.

A implantação das referidas medidas deve ter início imediato, já no mês de setembro, para que possa resultar um efeito-demonstração à  mídia e aos investidores, quando sabemos que o problema não é esse e sim, excesso de desvio de recursos públicos nos grandes investimentos que sustentam  pesadas campanhas eleitorais.

A racionalização da administração do BC para cumprir essa meta de cortes não fugiu do roteiro já conhecido há muito tempo por todos os que trabalham nesta casa e ajudam a tentar preservar a sua boa imagem junto à nossa sociedade, apesar das dificuldades e da maldição de sermos “praticantes da boa política monetária”.

Em alguns momentos, como o da formação do GT da litigiosidade, que buscava equacionar o passivo trabalhista do BC, a direção preferiu protelar e até se omitir. Isso após, e por longo tempo, negar passivos trabalhistas já decididos judicialmente em seu mérito, como é o caso dos 28,86%.

Porém, em outros momentos, como o do aceite acrítico de determinações que, posteriormente, mostraram-se com base legal no mínimo duvidosa, observa-se uma tempestividade e lealdade pouco vistas em outros órgãos de governo. Entre os exemplos temos: a imposição da autorização de acesso à declaração do imposto de renda dos servidores, a recusa em cumprir feriados locais e a cobrança dos valores do FGTS do período de 1991-96. Nesse último caso, a insensibilidade atinge níveis ainda mais altos, repugnantes, uma vez que a cobrança do FGTS atinge principalmente os servidores já aposentados, e em que pese ter sido sacado de boa fé e já prescrito.

Os cortes de despesas divulgados nesse comunicado Secre buscam efetivar decisões que devem não apenas prejudicar o bom funcionamento da máquina administrativa do BC, mas também levar ao desespero dezenas de pessoas que trabalham como contratadas nesta casa. Prestadores de serviços gerais, impressoras, acesso à internet, provedores de informação do mercado financeiro, telefonia, serviços de mensageiros, estagiários e até contratos com adolescentes aprendizes, se não totalmente, devem sofrer cortes da ordem de 90%. Outros itens estão nessa longa e triste lista, mas preferimos focar outro ponto: o porquê disso tudo.

Quanto tempo levou a administração do Banco Central para decidir que o mensageiro da regional de Belém deveria perder o seu ganha pão? A pensadora Hannah Arendt cunha o conceito de banalidade do mal ao observar que o responsável por mandar milhares de judeus em trens para campos de extermínio o fazia não por ser intrinsecamente mal, mas por agir sem pensar, de forma acrítica e insensível. Guardadas naturalmente as devidas proporções, a lista fornecida no já famigerado comunicado Secre parece ter sido produzida sob a égide da mesma falta de sensibilidade.

Curiosamente, não parece ter sido realizado nenhum tipo de atividade de gestão de liderança, tão propagado nos cursos de administração, inclusive os oferecidos internamente no BC. Talvez um “brain-storm” com os principais gerentes da área administrativa e uma conversa com o sindicato levantasse alternativas, tais como jornada de 7 horas corridas ou trabalho a distância. A visão da implantação de “catracas”, método taylorista de controle arcaico, é uma convicção que ainda habita o pensamento da alta direção, conforme já amplamente discutido na última AND.

Todavia, as possibilidades acima levantadas, entre outras possíveis, requerem certa ousadia administrativa no seu processo de implantação e, provavelmente, nem passaram perto da discussão. Preferiu-se o corte de estagiários – alguns ganham a quantia de R$ 290 por mês – e adotar uma série de outras medidas que vão certamente reduzir os recursos à disposição dos servidores para o seu trabalho. Lembrando: trabalhar a serviço da estabilidade do poder de compra da moeda e de um sistema sólido e eficiente, mesmo em tempos de mar revolto, como os que se vislumbram no horizonte.

A quem interessa colocar obstáculos à eficiência do Banco Central e da máquina pública, especialmente em um momento em que parte de nossos recursos humanos se aposenta e, consequentemente, um número cada vez menor de pessoas tem que fazer cada vez mais?

Como fiscalizar, compor a política monetária, lidar com o balanço de pagamentos, com recursos insuficientes? Parece que, assim, de ventos e ventos registra-se o naufrágio da outrora “Ilha de Excelência”.

Podemos fechar essa reflexão com outra frase do já citado Barão de Itararé: “Não é triste mudar de ideias. Triste é não ter ideias para mudar.”

 

Juntos somos fortes!

 

Edições Anteriores
Matéria anteriorSINAL-SP INFORMA nº 44 – 30.8.13
Matéria seguinteSINAL-SP INFORMA nº 44 – 30.8.13