Edição 145 - 29/11/2004

A força do símbolo

Reinaldo Azevedo, de 17.11.04, extra¡do do site da revista
Primeira Leitura.

 

O dinheiro do PT no banco de Edemar, nÆo duvidem, representa
o encontro de dois pragmatismos que nÆo sÆo exclusividade do Brasil, ‚ certo,
mas que sÆo, inegavelmente, bem brasileiros

Certas ocorrˆncias tˆm um peso
simb¢lico. Em si mesmas, esmiu‡ado o seu conte£do, nÆo significam grande coisa.
Postas em trƒnsito no ambiente em que foram geradas, tˆm a for‡a de uma
revela‡Æo. Assim ‚ com o dinheiro do PT retido no Banco Santos, do not¢rio
Edemar Cid Ferreira, um homem que, de fato, se faz presente onde quer que o
poder se manifeste. A exemplo do partido, consta, tamb‚m ele come‡ou a carreira
abra‡ando teses comunistas, aderindo mais tarde a um pragmatismo inegavelmente
bem-sucedido. Um homem de visÆo!

O dindim, explica a dire‡Æo,
estava reservado … compra da sede, destinada a ser a manifesta‡Æo literalmente
concreta de seu poder e influˆncia. Tamb‚m Edemar ergueu a sua supermansÆo (que
j  fez a alegria das revistas que exibem as caras dos chiques e famosos) como
prova material e abrigo de um homem de neg¢cios bem-sucedido. , ademais, a
exemplo de Mecenas, o ministro de Ot vio Augusto, um amante das artes: diante de
uma parede, vˆ logo um suporte; diante de uma instala‡Æo p¢s-moderna ou de
bonecos chineses de barro, sente logo o palpitar de um ancestral esp¡rito
inquiridor: "De onde viemos? Para onde vamos? Quem inspira o gˆnio humano?".

Indaga‡äes justas e
pertinentes. Afinal de contas, ocupando a 21¦ posi‡Æo do ranking dos bancos,
dono de 700 contas, nem o pr¢prio Edemar entendia, suponho, porque ele era um
dos cinco maiores repassadores de recursos de financiamento do BNDES. J  era em
2002. Mas continuou em 2003. S¢ perdia para o Bradesco, Banco do Brasil,
Unibanco e CNH BM. Conseguia o prod¡gio de repassar mais recursos do que
gigantes como Ita£, HSBC e Banespa (do grupo Santander).

O dinheiro do PT no banco de
Edemar, nÆo duvidem, representa o encontro de dois pragmatismos que nÆo sÆo
exclusividade do Brasil, ‚ certo, mas que sÆo, inegavelmente, bem brasileiros. A
maior parte dos recursos retidos pelo BC pertence a empresas, clientes at‚ outro
dia quase exclusivos do banco. O que fazia l  a grana do partido do presidente
Lula? Ora, certamente compunha a carteira dos investidores que esperam da
institui‡Æo financeira em que apostam uma postura mais agressiva, daquelas que
comportam maior risco.

, a jornada para o ambicionado
(at‚ 31 de outubro) maior partido de esquerda do mundo nÆo anda l  muito
tranqila! S¢ falta agora algu‚m sugerir que existe um compl“ tucano no Banco
Central contra a genialidade financeira do PT ou contra, sei l , o presidente do
Senado, Jos‚ Sarney, um grande amigo de Edemar. Jos‚ Genoino afirma em nota que
o TSE ser  devidamente informado sobre os recursos. NÆo duvido. Tudo deve estar
rigorosamente dentro da lei. A hist¢ria, aos poucos, vai explicitando o petismo,
que, ultimamente, parece perseguido pelos fatos.

Estranheza – Ali s, note-se,
chega a impressionar a desenvoltura com que o petismo e suas correias de
transmissÆo se movem na selva financeira, tomando na cabe‡a …s vezes, como se vˆ
agora, o que ‚ do jogo. Se, no universo puramente conceitual, pode-se apontar a
virada de casaca do petismo, vˆ-se que nÆo ‚ menor sua, como direi?,
sem-cerim“nia tamb‚m no mundo real. NÆo ‚ apenas o PT que viu retido o seu rico
dinheirinho. Tamb‚m os fundos de pensÆo faziam, ao que se entende, apostas de
risco no Banco Santos, a come‡ar pelo Centrus, dos funcion rios do pr¢prio Banco
Central, que vem a ser justamente o ente que decidiu intervir na institui‡Æo
financeira.

Ora, quem poder  condenar o
administrador de fundo por buscar a op‡Æo mais rent vel para os recursos que
administra? Ningu‚m, nÆo ‚? A menos que haja razäes consistentes para supor que
um prˆmio maior deriva, o que ‚ uma obviedade, de um risco maior. E que esse
risco – nÆo estou dizendo que seja necessariamente o caso – costuma estar
relacionado a apostar mais ou apostar menos na sa£de financeira do pr¢prio pa¡s.
A serem verdadeiras as justificativas que partem do banco, segundo as quais uma
onda de boatos contribuiu para saques excessivos, deixando-o a descoberto,
parece ter havido, entÆo, da parte dos fundos uma certa des¡dia, ainda que, v 
l , involunt ria. O que ‚ estranho, dado que se trata de gente que s¢ lida com
isso, que ‚ paga para fazer brotar dinheiro de dinheiro.

Ficam, ali s, aqui uma
constata‡Æo e uma sugestÆo. NÆo faz tempo, assist¡amos na TV a uma campanha
publicit ria do Banco Santos, que estava em busca do correntista comum. Ali se
destacavam a solidez do banco, sua fant stica rentabilidade, a competˆncia de
seus administradores. NÆo sei quantos foram os brasileiros de boa-f‚ que se
deixaram seduzir. Refiro-me …s pessoas comuns, que nÆo sÆo, … diferen‡a dos
administradores de fundos, especialistas em mercado financeiro. Parte da
credibilidade de que goza o sistema banc rio brasileiro junto aos correntistas
deriva de uma cultura, que nos tem sido ben‚fica, segundo a qual o banco
nacional ‚ um lugar seguro para guardar dinheiro. Cultura que, por exemplo,
inexiste na Argentina, onde, at‚ outro dia, praticamente nÆo havia cheque.

A larga maioria dos
correntistas ignora que, com efeito, est  correndo riscos ao deixar o seu
dinheiro numa institui‡Æo financeira. Ningu‚m deixa claro que se trata, afinal
de contas, de um contrato que nÆo ‚ garantido pelo Estado. Confia-se nos bancos.
Constatado isso, vem agora a sugestÆo: sabemos quando um banco quebra, mas
raramente sabemos por que quebra, quais sÆo as pessoas respons veis e as
puni‡äes conseqentes aplicadas. Ainda vivemos o vexame de ver por a¡
ex-banqueiros tÆo falidos quanto milion rios. O brasileiro nÆo recebe em
informa‡Æo o quanto deposita de credulidade e dinheiro no sistema banc rio. At‚
a semana passada, apenas operadores de mercado e jornalistas tinham ciˆncia dos
boatos – com fundamento – de que a situa‡Æo do banco era periclitante. O homem
comum estava, na verdade, sendo alvo da propaganda sedutora de um banco
supostamente s¢lido.

At‚ outro dia, v  l , podia-se
contar com o PT para, ao menos, fazer o discurso, oco que fosse, em nome da
moraliza‡Æo do sistema e de um maior rigor no acompanhamento dos bancos e na
puni‡Æo das irresponsabilidades. No fim de 2004, nÆo apenas o pr¢prio partido ‚
colhido pela ousadia – que, tudo indica, podia ser s¢ irresponsabilidade – como
tamb‚m os fundos de pensÆo. De fato, o sistema banc rio brasileiro ‚ s¢lido e
competitivo. Comporta, sim, aventureiros tamb‚m. Estranh¡ssimo ‚ ver alguns
medalhäes tanto da pol¡tica como do mercado colhidos por suas desventuras.

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