Edição 23 - 21/06/2005

Quando a esquerda é necessária

O texto abaixo contém a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião do SINAL sobre o assunto.

QUANDO A ESQUERDA É NECESSÁRIA
Mino Carta, Revista Carta Capital de 11 a 17 de junho de 2005.

A mídia quer desestabilizar o governo, demolir o PT e preparar o retorno dos tucanos. Esquece a conveniência da mediação com um povo tão injustiçado

Os donos da mídia nativa não nutrem maior simpatia uns pelos outros, cultivam, porém, interesses comuns e se unem quando os consideram em xeque. Há décadas e décadas de exemplos destas alianças, logo desfeitas quando passa o perigo.

Não é que, encarada a ameaça, costumem sentar-se à mesma mesa para definir planos de batalha. De hábito agem como orquestra afinada sem precisar de pauta e maestro. Moem-se, automaticamente, em perfeita sintonia, porque todos prezam o status quo, o bem-bom do establishment, e não medem esforços para mantê-lo intocado.

Desta vez, diante das denúncias de um Jefferson nada jeffersoniano, parece esboçar-se alguma alteração nos comportamentos usuais. Correm rumores de encontros entre os senhores da comunicação, e até informações precisas sobre tertúlias de confraternização. Talvez novo capítulo esteja a ser escrito na história do jornalismo pátrio.

O risco tem origem antiga, nasce no fim da década de 70, nas greves do ABCD paulista, tempo em que Lula presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Primeiro, testou-se ali uma geração de líderes operários distantes da tradição pelega. Depois, brotou a idéia de um partido de esquerda, autenticamente popular.

O projeto não desagrada o Richelieu do Planalto, o general Golbery do Couto e Silva, cuja reforma partidária visa a estilhaçar a oposição emedebista, cada vez mais eficaz sob a batuta de Ulysses Guimarães. Os mais radicais do MDB, calcula o general, irão para o PT. Os liberalões para o PP de Tancredo. Os iludidos para o PDT de Leonel Brizola. No meio, linha auxiliar, o PTB, entregue de bandeja a Ivete Vargas.

O plano não deu certo. Com as bombas do Rio-centro e a preponderância no governo Figueiredo do general Octavio Medeiros, Golbery demitiu-se e seu sucessor, Leitão de Abreu, introduziu na receita as suas trapalhadas. Tancredo voltou à casa paterna, agora PMDB, enquanto o PT crescia. A ponto de concorrer, com Lula candidato contra Fernando Collor, na reta final das primeiras diretas presidenciais pós-ditadura.

A mídia uniu-se contra o petista e não hesitou em apoiar o outsider atrabiliário. Contra Lula, resistente tenaz, cinco anos após o establishment aceitou Fernando Henrique Cardoso, que temia em odor de esquerdismo e descobriu ser o homem do seu destino. De sorte que na reeleição comprada com o “propinão”, engoliu o maior engodo eleitoral de todos os tempos. Reeleito à sombra da bandeira da estabilidade, FHC desvalorizou o real exatos 12 dias depois da posse. E quebrou o País.

Em 2002, preces, contribuições e apoio foram para o candidato de FHC, apontado depois do pleito como primeiro responsável pela derrota, em virtude, dizia-se, de sua semelhança com o Conde Drácula e imitadores. Estranha­mente, José Serra, hoje prefeito de São Paulo, é apontado pelas pesquisas como o preferido dos eleitores entre os possíveis aspirantes tucanos à Presidência em 2006.

Quem perdeu há três anos foram mesmo o príncipe dos sociólogos e sua desastrada política econômica. O que não impediu, para tristeza dos sonhadores da mudança, a repetição da mesma rota por parte de Palocci e Cia.

Ecoa no panorama o aviso sinistro de FHC, pronunciado há dois meses: não sou candidato, declarou, mas poderia ser em caso de crise gravíssima. Profeta ou mensageiro? Estrategista? Titereiro? Certo é que a manobra desenvolvida nestes tristes dias pela mídia chega a ofuscar: trata-se de desestabilizar o governo e de preparar o terreno para a desforra tucana.

Trata-se de solapar a autoridade de Lula, como se, em vez de derrubar a estátua, o objetivo fosse destruir-lhe o pedestal. No ataque há açodamento, embora temperado pela postura cautelosa de quem percebe a longa distância que ainda nos separa da próxima eleição. Os próprios vigias instalados no topo dos mastros da nau dos senhores não têm olhos para outros riscos, amoitados no horizonte.

Uma crise gravíssima, além de atingir o mercado financeiro e o câmbio, com conseqüências imprevisíveis sobre a situação econômica e social, tende a favorecer o populismo. A promessa messiânica da redenção impossível. Digamos, candidaturas à Ia Garotinho.

Por outro lado. há o toque da irresponsabilidade, a visão medieval, na campanha feroz. No País vice-campeão mundial em má distribuição de renda, um partido de esquerda (seria mesmo o PT de hoje?) e uma CUT e um MST da vida representam a mediação necessária junto ao povo infeliz, em larga parte privado da consciência da cidadania. Seria lamentável a perda de um intermediário tão ativo e pontual quanto já foi o PT.

Não há outro lugar no mundo em que a injustiça social atinja proporções tão imponentes. Os donos do poder sempre apostaram na resignação do povo, que chamam de cordialidade. Apostaram na herança da escravidão. É verdade, não há sinais de fumaça, iguais àqueles que se erguem nas alturas rochosas dos domínios apaches dos filmes do Oeste selvagem. Mas vale perguntar: até quando?

Mino Carta é Diretor de
Redação da Revista Carta Capital

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