Edição 0 - 31/01/2003

Porto Alegre pergunta: o medo vencerá a esperança?

Reproduzimos abaixo Artigo do Prof. Paulo Nogueira
publicado na Folha de SÆo Paulo de 30.01.2003

Estive em Porto Alegre para participar de dois pain‚is de
debate no F¢rum Social Mundial. Uma coisa me impressionou: o clima de desalento
em rela‡Æo ao governo Lula. A esperan‡a nÆo morreu, ‚ claro. Mas prevalecem a
inquieta‡Æo, a perplexidade e at‚ um come‡o de revolta. Muitos j  perguntam:
ser  que, afinal, o medo ‚ que vai vencer a esperan‡a?

O continu¡smo na  rea econ“mica ‚ um dos motivos do
descontentamento. Um funcion rio do Banco Central disse durante um
debate, sob aplausos gerais, que est  com vontade de ir para a frente
da sede da institui‡Æo, em Bras¡lia, e abrir uma faixa: “Fora FHC!”.
Auditores da Receita Federal querem fazer o mesmo na frente do pr‚dio do
Minist‚rio da Fazenda.

Esses sentimentos e rea‡äes nÆo podem ser simplesmente
desqualificados como manifesta‡äes de ultraesquerdismo e irrealismo
pol¡tico, ainda que esses componentes estejam sempre presentes em
eventos como o de Porto Alegre. O governo Lula cometer  erro grave se nÆo der
aten‡Æo … insatisfa‡Æo que se acumula em setores que, afinal, sempre integraram
a base social e pol¡tica do PT e de outros partidos de oposi‡Æo.

Considerado individualmente, cada um dos participantes do
F¢rum, mesmo os mais conhecidos e celebrados, pouco representa do ponto de vista
pol¡tico. Mas eles sÆo, em sua grande maioria, lideran‡as e formadores de
opiniÆo nos mais variados meios em todo o pa¡s: sindicatos, escolas,
universidades, diret¢rios acadˆmicos, ONGs, partidos pol¡ticos e movimentos
religiosos. O descontentamento com os primeiros passos do governo, refor‡ado
pelas discussäes em Porto Alegre, tende a se irradiar Brasil afora.

NÆo ‚ dif¡cil explicar a eleitores de Lula, mesmo aos mais
esquerdistas, que o governo precisa agir com muita cautela. Ningu‚m espera
mudan‡as r -pidas e abruptas (que nÆo foram, ali s, prometidas por Lula durante
a campanha). Todos sabem o quanto ‚ fr gil a situa‡Æo da economia. Todos
reconhecem que a pol¡tica econ“mica do governo Fernando Henrique Cardoso
produziu um grande estrago econ“mico e social, deixando o pa¡s vulner vel …s
mudan‡as de humor dos mercados financeiros locais e internacionais.

Por outro lado, ‚ por isso mesmo que se deseja ver o governo

caminhar, com cautela, mas com persistˆncia e coragem, na dire‡Æo de
mudan‡as amplas nos campos econ“mico e social. Como declarou o
ministro das Rela‡äes Exteriores, Celso Amorim, em Davos, o papel do
governo ‚ governar, e nÆo adular o mercado financeiro.

 dif¡cil aceitar, por exemplo, que o novo governo se limite
a
reeditar, na  rea tribut ria, expedientes arrecadat¢rios, utilizados durante a
gestÆo de Everardo Maciel, como o congelamento das faixas
de incidˆncia do Imposto de Renda. A preocupa‡Æo com o n¡vel de
arrecada‡Æo ‚ fundamental, mas igualmente importante ‚ corrigir as
injusti‡as do sistema tribut rio brasileiro, que notoriamente contribuem para a
p‚ssima distribui‡Æo da renda nacional.

Os mercados financeiros vibram a cada sinal de continuidade
que
o governo Lula emite. Mas o selo de aprova‡Æo dos mercados pouco
significa no fim das contas. Os crit‚rios de avalia‡Æo dos investidores e das
institui‡äes financeiras consistem em uma mistura singular e inst vel de miopia,
ganƒncia e medo. O inepto governo FHC foi festejado por essa gente do come‡o ao
fim. E com que resultados para o pa¡s?

Muito mais importante do que escutar os anseios do mercado

financeiro internacional ‚ escutar os anseios da sociedade brasileira. Como fez,
por exemplo, o ministro da Pre-vidˆncia Social, Ricardo Berzoini, na sua
apresenta‡Æo ao Conselho Nacional de Previdˆncia Social, sexta-feira passada.
Berzoini reconheceu dois pontos que vinham sendo levantados havia muito tempo
pelos funcion rios: a) que o d‚ficit da pre-vidˆncia p£blica nÆo pode ser
calculado como a simples diferen‡a entre os benef¡cios e as contribui‡äes dos
servidores, devendo-se considerar tamb‚m a contribui‡Æo do governo; e b) que
contribui‡äes sociais como a Cofins (Contribui‡Æo para o Financiamento da
Seguridade Social) ou a CSLL (Contribui‡Æo Social sobre o Lucro L¡quido) foram
criadas para financiar a Seguridade Social, que inclui a Previdˆncia. Se todas
essas fontes de receita forem computadas, nÆo h  como falar em d‚ficit
previdenci rio, observou o ministro, ressalvando, entretanto, que algumas delas
tamb‚m se destinam …s  reas da sa£de e da assistˆncia social (ver Minist‚rio da
Previdˆncia Social, “Diagn¢stico do sistema previdenci rio brasileiro”, janeiro
de 2003, www.mpas.gov.br).

Em suma, o que se espera do governo Lula ‚ que o medo de
desencadear turbulˆncias financeiras nÆo produza o imobilismo. E que
a cautela justific vel nÆo degenere na simples preserva‡Æo de uma
orienta‡Æo econ“mica longamente testada e sonoramente rejeitada pelas urnas.

Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avan‡ados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve …s quintas-feiras
nesta coluna.  autor do livro “A Economia como Ela …” (Boitempo Editorial,
3¦ edi‡Æo, 2002).

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