A DECISÃO DO TSE: ENTENDENDO O IMBROGLIO
A decisão de anteontem, do Tribunal Superior Eleitoral, sobre os reajustes salariais concedidos a servidores a partir de 04.04.06, levantou polêmica e preocupação entre as categorias que se encontram nessa situação, entre elas a nossa.
Segundo a decisão, a MP 295/06, de 29.05, que incluiu o funcionalismo do BC, estaria enquadrada numa ilegalidade. Segundo o Presidente do Tribunal, Marco Aurélio de Mello, a lei proíbe reajustes acima da inflação a menos de 180 dias das eleições, ainda que sejam específicos para uma categoria ou fruto de reestruturação de carreiras.
Na data da edição da MP 295/06, a permissão para o ato estava expressa na Resolução nº 21.054/2002, do próprio TSE, que assegura que o prazo de 180 dias não se aplica à reestrutuação de carreiras:
“Identificação: RES 021054 DE 02 DE ABRIL DE 2002 (CONSULTA 000772)
Origem: TSE
Inteiro Teor
Fonte: DJUS SEÇÃO 1 12/8/2002 p.120.
Ementa: A aprovação, pela via legislativa, de proposta de reestruturação de carreira de servidores não se confunde com revisão geral de remuneração e, portanto, não encontra obstáculo na proibição contida no art. 73, inciso VIII, da Lei n° 9.504, de 1997. (grifos nossos)
Indexação: Eleições (2002), Inexistência, Obstáculo, Leis, Legislativo, Aprovação, Reestruturação, Carreira, Servidor público, Existência, Diferenciação, Revisão, Remuneração, Reestruturação, Carreira.
Catálogo: Eleições (2002), Campanha eleitoral, Agente público.”
Na quarta-feira passada (21.6), a AGU elaborou nota sobre o assunto, da qual destacamos alguns parágrafos (leia a íntegra em www.sinal.org.br – Campanha Salarial 2005 – Documentos).
"NOTA AGU/MS S/N de 21.06.2006
…………………………………………..
3. Considerando essa consulta, e a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, questiona-se agora se a Medida Provisória nº 295, de 29.05.96, que “dispõe sobre a reestruturação das carreiras de Especialista do Banco Central do Brasil, deMagistério de Ensino Superior e de Magistério de 1º e 2º Graus e da remuneração dessas carreiras, das Carreiras da Área de Ciência e Tecnologia, da Carreira de Fiscal Federal Agropecuário e dos cargos da área de apoio à fiscalização federal agropecuária, estende a Gratificação de Desempenho de Atividade Técnica de Fiscalização Agropecuária – GDATFA aos cargos de Técnico de Laboratório e de Auxiliar de Laboratório do Quadro de Pessoal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, cria a ratificação de Desempenho de Atividade de Execução e Apoio Técnico à Auditoria no Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde – GDASUS, e dá outras providências”, violou a lei eleitoral, nos termos da interpretação realizada pelo TSE, porque editada no período de 180 dias que antecede o pleito deste ano.
4. Como visto, o objeto da consulta era obter manifestação do Tribunal Superior Eleitoral à seguinte indagação: “o inciso VIII do artigo 73 da Lei 9.504/97 ao estabelecer sua incidência ‘a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º, desta Lei’ se refere a qual dia? Ao dia 04 de abril ou à data de escolha dos candidatos em convenção (10 de junho a 30 de junho)?”. Vejamos o que prevêem o dispositivo legal citado e a Resolução nº 22.124 do TSE, que define o Calendário Eleitoral das Eleições de 2006:
Lei nº 9.504/97
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
(…)
VIII – fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.
Resolução nº 22.124 – TSE
O TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, usando das atribuições que lhe confere o art. 105 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, resolve expedir a seguinte Instrução:
(…)
4 de abril – terça-feira
(180 dias antes)
(…)
2. Data a partir da qual é vedado aos agentes públicos fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda à recomposição da perda do seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição (Lei nº 9.504/97, art. 73, inciso VIII).
5. Ocorre que a revisão geral da remuneração é um conceito constitucional, como se depreende da leitura do artigo 37, X da CF:
Constituição
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela EC nº 19/98)
(…)
X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;
(…). (Redação dada pela EC nº 19/98)
6. Assim, a revisão geral é aquela que se deve dar anualmente, “sempre na mesma data e sem distinção de índices”, para todos os servidores públicos, não se confundindo com outras formas de alteração da remuneração dos servidores, como pela reestruturação de determinadas carreiras, pela concessão de gratificações a carreiras específicas etc.
Há duas Resoluções do próprio Tribunal Superior Eleitoral que deixam nítida essa distinção:
Resolução nº 21.054 – TSE
A aprovação, pela via legislativa, de proposta de reestruturação de carreira de servidores não se confunde com revisão geral de remuneração e, portanto, não encontra obstáculo na proibição contida no art. 73, inciso VIII, da Lei n° 9.504, de 1997.
Resolução nº 21.296 – TSE
Revisão geral de remuneração de servidores públicos – Circunscrição do pleito – Art. 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504/97 – Perda do poder aquisitivo – Recomposição – Projeto de lei – Encaminhamento – 6 Aprovação.
1. O ato de revisão geral de remuneração dos servidores públicos, a que se refere o art. 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504/97, tem natureza legislativa, em face da exigência contida no texto constitucional.
2. O encaminhamento de projeto de lei de revisão geral de remuneração de servidores públicos que exceda à mera recomposição da perda do poder aquisitivo sofre expressa limitação do art. 73, inciso VIII, da Lei nº 9.504/97, na circunscrição do pleito, não podendo ocorrer a partir do dia 9 de abril de 2002 até a posse dos eleitos, conforme dispõe a Resolução/TSE nº 20.890, de 9.10.2001.
3. A aprovação do projeto de lei que tiver sido encaminhado antes do período vedado pela lei eleitoral não se encontra obstada, desde que se restrinja à mera recomposição do poder aquisitivo no ano eleitoral.
4. A revisão geral de remuneração deve ser entendida como sendo o aumento concedido em razão do poder aquisitivo da moeda e que não tem por objetivo corrigir situações de injustiça ou de necessidade de revalorização profissional de carreiras específicas.
7. O próprio voto vista do Ministro Marco Aurélio não deixa dúvidas de que a consulta e sua resposta dirigem-se apenas à revisão geral, e não à “reestruturação de carreira”, como expresso na Resolução nº 21.054, ou, ainda, à correção de “situações de injustiça ou de necessidade de revalorização profissional de carreiras específicas”, como dito na
Resolução nº 21.296, ambas do TSE.
Lê-se no voto vista:
“Cuida-se da problemática da revisão remuneratória dos servidores públicos…” – grifo nosso
8. Em verdade, a única vedação legal temporal à que se proceda a uma “reestruturação de carreira”, ou mesmo a uma correção de “situações de injustiça ou de necessidade de revalorização de carreiras específicas”, não possui caráter eleitoral, mas fiscal, porque inserta na Lei Complementar nº 101/2000, a denominada Lei de Responsabilidade Fiscal:
LC nº 101/2000
Art. 21. Parágrafo único. Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20.
9. Destarte, até 180 dias antes do término do mandato do Presidente da República, pode o mesmo reestruturar carreiras ou corrigir injustiças ou necessidades de revalorização de carreiras específicas do Poder Executivo da União, como regularmente feito pela MP nº 295, de 29.05.2006, prazo esse que, por ainda não estar esgotado, pode ser utilizado em relação a outras carreiras por ela não contempladas, em respeito à legislação vigente e aos julgados do TSE, inclusive à citada Consulta nº 1.229.
Brasília/DF, 21 de junho de 2006
MARCELO DE SIQUEIRA FREITAS
Consultor da União"
O ministro Marco Aurélio não parece disposto a ceder em sua posição e fala em condenação do Presidente da República por abuso de poder.
Trata-se, aqui, de entendimento entre os Poderes: a decisão parece caminhar para o campo político.
Estaremos, de toda forma, acompanhando de perto o desenrolar dos acontecimentos.