Edição 0 - 08/05/2003

Divirta-se com um texto “revisitado”

O texto que segue abaixo
‚ uma reedi‡Æo do que foi escrito em 1998, quando da reforma da Previdˆncia do
governo FHC. Sua atualidade, por‚m, ‚ gritante: com a republica‡Æo pedida por
colegas de Porto Alegre, Edil Batista J£nior, funcion rio de Recife, teve apenas
que mudar alguns pormenores, como nomes e datas.

RQUIEM PARA UM APOSE(N)TANDO

Edil Batista J£nior (REJUR)

Somente naquela semana conseguira averbar o tempo de servi‡o
prestado como enfermeiro durante a terceira grande guerra, em 2.019, no antigo
Estado Iraquiano, atual campo de teste dos motores Honda. A possibilidade de
ingressar na aposentadoria proporcional, ap¢s 80 anos de contribui‡Æo, era um
sonho.

Pela manhÆ, resolveu nÆo esperar pelo eternamente prec rio
transporte coletivo. O teletransporte tamb‚m nÆo estava funcionando, em face da
opera‡Æo tartaruga dos oper rios-rob“s. Tirou da garagem seu velho e sucateado
Eclipse, mesmo sabendo que o motor readaptado nÆo agentaria a tensÆo das cargas
adulteradas de urƒnio enriquecido vendidas pelos postos locais – "Quando irÆo
acabar com esse cartel dos postos?", suspirou consigo.

Apesar do risco da irradia‡Æo nuclear, o v“o foi tranqilo
(descontadas as barbeiragens cometidas justo na hora em que sobrevoava o espa‡o
a‚reo do Alca/Mercosul. Poderia perder a habilita‡Æo. Como consegui-la
novamente? Seu corpo cansado nÆo passaria no teste de pressÆo atmosf‚rica. Nem
seu or‡amento suportaria ter que subornar todos os ficais do DETRAN novamente).

Finalmente chegou ao Banco. Na entrada, um pequeno tumulto
promovido por ativistas do Greenpeace. Reivindicavam a liberta‡Æo do Decano
Gabeira, preso durante o show do grupo "Planet Help Revival" (por apologia …
preserva‡Æo do verde). Driblou o grupo e subiu ao octog‚simo-nono andar, para o
Departamento de Pessoal do Banco Central das Am‚ricas S/A, onde trabalhava desde
o grande crash da bolsa do Himalaya – "Culpa da globaliza‡Æo !", acusavam
alguns.

J  nÆo reconhecia aqueles corredores. Tampouco se reconhecia
nos vidros que estampavam publicidades. "A‡Æo dos 2/3 da Centrus finalmente
sentenciada", informava um dos neons, "O Di rio de um Mago leva Paulo Coelho ao
Nobel de Literatura", informava outro, "Lacraia indicado ao Gramy", estampava o
£ltimo.

Os velhos colegas foram todos removidos, quando da
descentraliza‡Æo administrativa sugerida pela consultoria Boucinhas & Campos, no
final do milˆnio. Os novos, sobreviventes do est gio probat¢rio de 30 anos,
estavam ensimesmados, preocupados com a implanta‡Æo do novo PCS, desde a edi‡Æo
da MP 2.683.917/2075, que reconhecera o valor profissional dos T‚cnicos.
"Quantos deles sobreviveram a essa Medida Provis¢ria?", pensou, sem se recordar
de um nome sequer.

Na recep‡Æo, folheou uma velha revista que estampava
festividades ocorridas na Corte, pela passagem natal¡cia de Roberto Marinho. Na
capa, o jornalista recebia o t¡tulo de Cavaleiro da Ordem Sideral do Duque de
Salvador, Carlos MagalhÆes III. Desdenhou de soslaio da Fam¡lia Imperial. J  nÆo
cria na pol¡tica desde h  muito, quando imaginou ter a esperan‡a vencido o medo.

Finalmente o sistema de som anunciou seu nome. Adentrou o
Departamento com todos os 1.600 documentos necess rios … requisi‡Æo do seu
direito. O cora‡Æo quase parou. No canto da sala, sobre uma cadeira de rodas,
diante do Sisbacen, simulando um contracheque – "tamagoshi de velho", pensou ele
– a mesma chefe que, h  55 anos, o empossara no cargo e que permanecera at‚
entÆo na ativa. "Se me aposento, perco todas as vantagens", justificou ela,
"afinal, aposentadoria integral s¢ depois de 110 de contribui‡Æo", e completou,
"e olha que nem incorporei todos os cent‚simos da fun‡Æo !!!".

Tantas hist¢rias recordadas. A revolu‡Æo cultural dos anos
2.040, liderada pelos extremistas do Ragatanga. As festividades do centen rio do
Plano Real. A reelei‡Æo de Paulo Roberto para a dire‡Æo do SINAL.

Ao final da conversa, l grimas rolavam em ambas as faces. Na
dela, pela inesperada nostalgia. Na dele, por saber que, naquela mesma manhÆ, as
regras da aposentadoria em vigor naquele mˆs tinham sido mudadas por Emenda de
iniciativa dos parlamentares do PCPC-Partido da Cl usula P‚trea ‚ o Cacete.

A £ltima coisa que notou, antes de se retirar da sala, foi um
quadro na parede, estampando uma foto do s‚culo passado. Amarelada. Contavam-se
milhares de oper rios que caminhavam lado a lado, nos movimentos grevistas do
antigo milˆnio. Nela visualizou um antigo companheiro barbudo, baixinho e
gordinho, cujo nome nÆo recordava mais, morto na "Guerrilha do Bab ", em pleno
Congresso Nacional, ocorrida no in¡cio do S‚culo. Virou-se para a chefe, com um
sorriso maroto nos l bios e, para surpresa dela, de punho erguido, gritou, em
homenagem aos velhos tempos, mesmo que j  nÆo tivesse a mesma convic‡Æo de
outrora: "A luta continua, companheira ! A luta continua" !

 

FRASES SOLTAS:

"O maior defeito da democracia ‚ que somente o partido que est  no governo
sabe governar."

Extra¡da da Rionet como de
autor desconhecido.

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