“O último que chegar é mulher de padre”
Reproduzimos abaixo, para ajud -lo a valorizar aquele
parlamentar coerente em quem vocˆ vota, brilhante ensaio de Roberto Pompeu de
Toledo, extra¡do da Veja, Edi‡Æo 1824, sobre a migra‡Æo partid ria dos nossos
congressistas.
"O £ltimo que chegar ‚ mulher de padre"
Mais de 100 deputados e senadores trocaram de partido desde a
elei‡Æo do ano passado. Segundo o jornal O Globo, at‚ o £ltimo dia 3 (de
outubro) os vira-casacas foram 103 na Cƒmara e dez no Senado. O Estado de S.
Paulo computou 120 trƒnsfugas, s¢ entre os deputados, at‚ a mesma data. Talvez a
diferen‡a se deva ao fato de alguns parlamentares terem mudado de partido mais
de uma vez. Mas talvez se deva mesmo … velocidade com que se d o troca-troca,
r pida como num jogo eletr“nico. Acompanhar movimenta‡äes desse porte ‚ dif¡cil
como contar as rvores do caminho, de dentro de um trem-bala.
Um quinto dos membros da Cƒmara entrou na dan‡a. O PTB elegeu
26 deputados, por‚m, campeÆo nas artes de seduzir e aliciar, conseguiu aumentar
sua bancada para 55. O PL tamb‚m largou com 26, mas na semana passada falava
mais grosso, do alto de uma bancada de 42 integrantes. Ambos os partidos
beneficiaram-se de um regime de engorda capaz de humilhar criadores de porcos
premiados. Do lado perdedor, o PFL, que os eleitores haviam contemplado com 84
deputados, minguou para 65, e o PSDB foi de 70 para 52. Nesses casos, deu-se um
regime de emagrecimento de resultados mais dr sticos que os das dietas do doutor
Atkins, de Beverly Hills, do Astronauta, da Lua e dos Vigilantes do Peso, todas
atuando juntas. O presidente Lula, segundo informa‡äes extra-oficiais (a oficial
nÆo existe, pois o dado ‚ protegido por razäes de privacidade) perdeu 8 quilos
desde que come‡ou seu regime. Somados, o PSDB e o PFL perderam 4,6 vezes mais
deputados do que o presidente perdeu quilos. Nem seria preciso dizer, mas
diga-se, emhonra ao leitor menos avisado, que o PTB e o PL, os partidos da
engorda, sÆo da chamada base do governo. O PSDB e o PFL, os do emagrecimento,
sÆo da oposi‡Æo.
O fen“meno de uma massa de parlamentares pondo-se em
movimento em busca de outra legenda configura uma migra‡Æo a gosto do fot¢grafo
SebastiÆo Salgado. O quadro que vem … mente ‚ de uma multidÆo de almas penadas
em busca de melhor sorte, a pele curtida, os p‚s do¡dos de vagar por enganosos
caminhos. Ou, para ir ainda mais longe, uma migra‡Æo digna da fuga dos judeus do
Egito, a¡ inclu¡dos o Mar Vermelho que se abre para favorecer-lhes a passagem
(que muitos identificariam com as magias facilitadoras da Casa Civil da
Presidˆncia) e o an£ncio da terra prometida (identificada no aceno de cargos e
outras benesses governamentais). Como, segundo as evidˆncias dispon¡veis, o
regente-geral do fen“meno migrat¢rio ‚ o ministro Jos‚ Dirceu, a ele cabe o
papel de Mois‚s. ele o guia que tira as massas oprimidas do inferno da
oposi‡Æo e as conduz at‚ os umbrais luminosos da situa‡Æo. "Ser oposi‡Æo, nesta
nossa Rep£blica, ‚ rematada loucura", dizia, 100 anos tr s, o pol¡tico paulista
Francisco Glic‚rio. A li‡Æo, para a multidÆo envolvida na travessia do deserto
partid rio, continua atual.
Distinguem-se, no meio da massa, alguns mais irrequietos. O
deputado fluminense Sandro Matos foi eleito pelo PTB. Depois mudou para o PSB e
em seguida para o PMDB, antes de finalmente voltar para o PTB. Trˆs mudan‡as num
mesmo ano. O goiano Enio Tatico, eleito pelo PSC, foi primeiro para o PL e
depois para o PTB. Duas mudan‡as e trˆs bandeiras partid rias. No meio da
multidÆo, essas sÆo as pe‡as mais curiosas. Fazem o papel de coelhos de
quermesse, indecisos sobre em que casa entrar. A nÆo ser que … A nÆo ser que
se inverta o foco da aten‡Æo e se chegue … conclusÆo de que digno de nota,
mesmo, nÆo ‚ o fen“meno dos que migram, mas o dos que ficam. Sim, um quinto dos
deputados federais mudou de partido. Mas quatro quintos nÆo mudaram ! Dada a
ligeireza com que se trata a pol¡tica no pa¡s, tanto da parte dos pol¡ticos
quanto da dos eleitores, vai ver que fen“meno de verdade, mesmo, ‚ esse.
O PTB e o PL engordaram seus quadros, assim como o PMDB e
outros menos cotados. O PSDB e o PFL emagreceram. Mas o PT, salvo casos
pontuais, como o do deputado Fernando Gabeira, que na semana passada amea‡ava
deixar o partido, ficou do mesmo tamanho. O governo nÆo teve escr£pulos em
induzir uma mudan‡a maci‡a de parlamentares rumo …s legendas que o ap¢iam, mas
nÆo abriu as porteiras de sua pr¢pria legenda. A¡, o escr£pulo permaneceu, e com
isso o PT provou, mais uma vez, que, no quadro partid rio brasileiro, ‚ uma
exce‡Æo. O rebotalho de vira-casacas serve para apoiar o governo. Mas nÆo para
vir ciscar no interior do partido.
L¡deres do PSDB e do PFL queixaram-se, nos £ltimos dias, da
sangria provocada em seus quadros. Deviam regozijar-se de ver-se livres de
integrantes com convic‡äes tÆo firmes quanto uma folha ao vento. Se assim
fizessem, numa demonstra‡Æo de zelo pela pureza de suas linhas, ficariam um
pouco mais parecidos com o PT. O PT oferece um modelo que outros partidos, que
se pretendem s‚rios, estÆo tardando a copiar. Talvez, quando se resolverem a
fazˆ-lo, seja tarde. NÆo haver mais outro partido. S¢ o PT.