Edição 15 - 25/02/2013

Deu na mídia

25/02/2013 às 00h001

1 – A inflação volta ao centro do debate

Por Luiz Carlos Mendonça de Barros

A questão da inflação voltou definitivamente ao centro do debate econômico no Brasil. Mesmo a forma como o Banco Central vem administrando o sistema de metas de inflação começou a ser questionada por grande parte dos formadores de opinião. O sistema de metas teve um período de grande credibilidade durante os anos Lula, quando a instituição foi presidida pelo sr. Henrique Meirelles. Mas, na primeira metade do mandato da presidenta Dilma ocorreu uma mudança importante com a introdução do chamado sistema dual de mandatos.

No início, essa mudança de foco esteve alinhada com a posição de bancos centrais conservadores em vários países importantes e parecia seguir um novo paradigma de atuação no mundo pós-crise. Mas, diferentemente do que ocorreu em outras regiões do mundo – principalmente nos Estados Unidos e na Europa – a inflação no Brasil nesse período seguiu sempre acima do centro do sistema de metas e, mesmo flertou por várias vezes com números acima do limite superior da banda de flutuação. Recentemente, principalmente a partir de certas decisões administrativas do governo com o objetivo de interferir em itens importantes do IPCA, a credibilidade do Banco Central ficou seriamente arranhada.

Sem a âncora de expectativas, representada pelo compromisso do Banco Central de sempre buscar o centro da meta, os preços de mercado passaram a apresentar recentemente uma taxa de dispersão mensal compatível com taxas de inflação superiores a 7% ao ano. Contribuiu em muito para esse novo paradigma de dispersão de preços internos a política do governo de – deliberadamente – enfraquecer o real em relação ao dólar americano na segunda parte de 2012. Ao permitir uma desvalorização superior a 20% em curto espaço de tempo e sinalizar que ela poderia ser ainda maior no futuro, o governo desestabilizou a outra âncora interna para referência de preços futuros, representada pela taxa de câmbio. Como resultado dessas duas mudanças voltou de forma mais forte a indexação de preços de mercado às taxas passadas de inflação, tornando a política de controle da inflação bem menos eficaz que no passado recente.

A situação não se tornou mais dramática porque o consumidor pisou nos breques de seu endividamento

A situação da inflação só não se tornou mais dramática porque nos últimos meses de 2012 – e agora em 2013 – o consumidor brasileiro, pressionado pelo elevado comprometimento de sua renda com o serviço do crédito bancário, foi obrigado a pisar nos breques de seu endividamento. Esse comportamento está associado no Brasil à abrangência – e eficácia – do uso do sistema Serasa de acompanhamento de inadimplência por empresas e bancos. A vida do devedor em atraso no Brasil não é fácil. Com o sistema bancário privado também reduzindo as taxas de expansão de crédito para ajustar suas carteiras a um ambiente de crescimento econômico mais reduzido, evitou-se que um choque especulativo de demanda agravasse ainda mais a pressão sobre a inflação.

Some-se a esses fatores de natureza conjuntural o fato de que por questões de oferta – principalmente no mercado de trabalho – temos pressões de natureza estrutural atuando sobre o sistema de preços hoje no Brasil. A massa total de salários, crescendo a taxas próximas aos 5% ao ano, e o desemprego muito baixo devem manter o otimismo do cidadão consumidor ao longo de 2013. Por essa razão as projeções de inflação, que no Brasil têm uma abrangência e credibilidade muito grandes, têm sempre incorporadas aumentos no futuro próximo.

Nas condições atuais de oferta e demanda, uma ação do Banco Central para estabilizar o IPCA ao redor do centro da meta de 4,5% ao ano exigirá uma elevação dos juros suficientemente grande para reduzir o hiato atual. Ou seja, para devolver de forma definitiva a tranquilidade de longo prazo no âmbito das expectativas inflacionárias será necessário um período de recessão na economia.

Mas será isso viável em um momento em que começamos a viver de forma mais intensa o período eleitoral de 2014? Parece-me que dificilmente o Banco Central terá o mandato para realizar esse trabalho. Portanto um plano B terá que ser desenvolvido para levar o país até as eleições do próximo ano e a um novo mandato presidencial em 2015 sem que a inflação provoque uma crise econômica. Um primeiro elemento desse plano deve ser a estabilização da taxa de câmbio para que uma das âncoras de médio prazo de nosso sistema de preços seja restabelecida. O sucesso dessa medida poderá ser medido acompanhando-se nos próximos meses a taxa de dispersão de preços do IPCA. Um segundo elemento da ação do governo pode ser o aumento simbólico das taxas de juros 100 a 150 pontos. O efeito dessa medida sobre o hiato do produto será pequeno, mas pode evitar uma perda maior de credibilidade por parte do Banco Central. Uma terceira ação deve abranger a construção de um discurso mais coerente e homogêneo do governo, evitando-se que membros do segundo escalão criem uma cacofonia deletéria neste momento.

Finalmente seria importante que o governo adotasse uma atitude mais alinhada com os interesses e valores do setor privado, evitando a continuada repetição de intervenções abruptas em contratos e regras de funcionamento de uma verdadeira economia de mercado.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.


25/02/2013 às 00h00

2 – Com discurso, BC dá início a aperto

Por Lucinda Pinto e José de Castro | De São Paulo

O aperto monetário sinalizado pelo Banco Central (BC) nas últimas semanas já começou, na prática, a ser implementado. O juro real projetado (chamado ex-ante), isto é, a diferença entre a projeção de inflação para 12 meses captada pelo boletim Focus, do Banco Central, e o juro dos contratos de swap prefixado de 360 dias, subiu 0,74 ponto percentual desde 14 de janeiro, véspera da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Antes daquele dia, o juro real estava perto de 1,50% ao ano e agora está em 2,24%.

Esse movimento foi provocado exclusivamente pela mudança de discurso do BC em relação à inflação. No último dia 7, quando o IBGE anunciou que o IPCA de janeiro foi de 0,86%, o mais alto para o mês de janeiro desde 2003, o presidente do BC, Alexandre Tombini, declarou que não está confortável com a inflação e que está "avaliando tudo" para enfrentar o problema. A declaração foi percebida por setores do mercado como um sinal de que o BC pode elevar juros nos próximos meses.

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O discurso de Tombini iniciou um processo de alta dos juros futuros, que ampliaram seu diferencial em relação às expectativas de inflação do mercado financeiro. Numa economia em que o crédito responde por cerca de 54% do Produto Interno Bruto (PIB), esse movimento é relevante e pode ser entendido como o primeiro passo da política de contração monetária sinalizada pelo BC.

"A política monetária está mais potente por causa do crédito mais alto", diz um especialista. O desafio agora, na visão de especialistas, é garantir que esse discurso permaneça crível, sob o risco de o juro real voltar a encolher. A ideia é que o BC está sinalizando alta dos juros para ganhar credibilidade e, dessa forma, melhorar as expectativas de inflação. Se não conseguir fazer isso, as expectativas vão piorar (as projeções mostrarão inflação mais alta), provocando redução do juro real. Nesse caso, o BC terá elevado o custo do Tesouro, que paga para rolar sua dívida um custo calculado a partir dos juros futuros.

Quando se observa o comportamento dos títulos públicos atrelados ao IPCA, as NTN-B, a percepção do efeito do discurso do BC fica ainda mais evidente: a expectativa de inflação melhorou. A previsão de inflação embutida no papel com vencimento em 2014 saiu de 6%, há um mês, para 5,37% na sexta-feira. No caso do título para 2016, o mais negociado, a inflação implícita está perto de 5,50%, depois de ter flertado com os 6%. Esse alívio, na visão de profissionais, é resposta ao discurso do governo de que usará todos os instrumentos disponíveis – até o juro – para conter a inflação.

Com essa estratégia, o BC ganhou tempo. Poderá esperar pelo menos mais uma reunião do Copom, até que a atividade dê sinais mais claros de retomada, para começar a subir os juros efetivamente. O que se discute agora é o que pode ocorrer se a esperada alta da Selic não se concretizar. Afinal, esse movimento nos preços de mercado está baseado na confiança em uma ação futura do BC. "Se não entregarem o que estão prometendo, a credibilidade do BC vai sair chamuscada", diz uma fonte.

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A julgar pelos recentes pronunciamentos de Tombini, que disse que o juro não oscilará tão intensamente como no passado, o plano de voo da autoridade monetária é fazer um ajuste moderado. Algo entre um e 1,5 ponto percentual, elevando a taxa Selic para até 8,75% ao ano. Mas, olhando para os dados salgados de inflação e, sobretudo, o alto grau de difusão (75% em janeiro), a dose tem chance de ser ampliada. "Se o BC começar a subir, vai ter de ir até o fim, até domar as expectativas", afirma um especialista. "Pode até piorar o ambiente se ele parar antes da hora."

Esse movimento de aperto monetário pode gerar ainda outro desafio para o BC: uma pressão por apreciação da taxa de câmbio. Justamente em um momento em que o mundo adota políticas de estímulo monetário, o Brasil estará subindo os juros. Equação que, na visão de especialistas, pode reforçar a pressão de queda do dólar. "Se a equipe econômica estava preocupada com guerra cambial, nem imagina o que vai enfrentar nesse cenário", adverte um analista.

Um eventual aumento de juro tenderia a aumentar as entradas de recursos, tanto na conta financeira quando na comercial. Segundo agentes de mercado, a influência por esses canais se daria pelo mesmo motivo: elevação no diferencial de juros doméstico em relação ao internacional, que há mais de um ano só cai.

Nesse sentido, as operações comerciais merecem atenção especial. Atualmente, a diferença entre o câmbio contratado e o físico (embarques) é negativa em US$ 22,23 bilhões, maior saldo negativo desde abril de 2011. Esse número dá uma ideia de quanto da receita dos exportadores é mantida lá fora. Um dos principais motivos para o aumento desse estoque, algo que ocorre desde maio do ano passado, era justamente a expectativa dos agentes de que o governo trabalharia em prol de uma taxa de câmbio mais desvalorizada. Essa perspectiva perdurou durante todo o segundo semestre do ano passado, levando as empresas a "segurarem" a internalização dos recursos, por acreditarem que o dólar poderia subir mais e gerar maiores receitas.

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Mas em dezembro a situação mudou. A disparada da moeda americana, que saiu de R$ 2,03 no fim de outubro para quase R$ 2,15 no fim de novembro, levou o governo a inverter a mão e atuar contra uma desvalorização extra do real. Esse movimento, que ficou claro entre o início de dezembro e o fim de janeiro, levou algumas empresas a internalizarem pequena parcela desses recursos. Esse movimento só não foi maior devido ao custo dessa operação, que se torna financeiramente desfavorável devido à alíquota de 6% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que incide na entrada do capital. "Com o IOF, fora os outros custos, a internalização ficou inviável. O exportador também busca um ganho financeiro ao trazer os recursos para cá. Se esse ganho não ocorre ou mesmo vira prejuízo, vale a pena deixar as receitas lá fora mesmo", diz o profissional da tesouraria de um grande banco.

A incerteza quanto aos próximos passos do governo com relação à política cambial, com muitos investidores citando uma aparente falta de sintonia nos discursos das autoridades, também é um importante componente nessa conta. Na dúvida, o exportador deixa como está e mantém o dinheiro estocado lá fora.

Mas esse quadro pode mudar com um aumento da taxa de juros. A elevação da taxa Selic dos atuais 7,25% ampliaria o diferencial dos juros domésticos e externo, o que se refletiria diretamente na curva de cupom cambial (juro em dólar). A elevação do cupom, atualmente em cerca de 1,5% ao ano, serviria como mais um estímulo para a atração de capital externo, que consequentemente desvalorizaria o dólar. O exportador, naturalmente, tentaria se antecipar a esse movimento, enquanto o dólar estivesse mais alto, e internalizaria os recursos. Toda essa série de fatores pode, sem intervenções do BC no mercado, levar o dólar para a casa de R$ 1,90, segundo os profissionais consultados, o que significaria uma queda de 3,6% ante os patamares atuais (R$ 1,97).

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