Edição 29 - 17/3/2014

Reunião Sinal/Administração Central do BCB – Flexibilização da Jornada de Trabalho

Em desdobramento de matéria publicada no Apito Brasil nº 17, que abordou reunião Sinal/Administração Central do BCB realizada em 18.2.2014, passamos a detalhar o item Flexibilização da Jornada de Trabalho da Pauta Negocial apresentada ao Banco por nosso Sindicato.

(Em edição posterior do Apito Brasil QVT, prevista para ser publicada em 24.3. 2014, iremos tratar do tema Condições de Trabalho no Mecir, que também foi debatido em tal reunião Sinal/Administração Central do BCB).

I – O que disse a Administração Central do BCB? 

Basicamente, que vem sendo elaborado Projeto de Flexibilização da Jornada de Trabalho, projeto esse que será submetido a audiência pública junto aos servidores do Banco e conta com duas premissas: controle eletrônico de freqüência (lançando mão de catracas para sua realização) e jornada única de oito horas de trabalho por dia.

II – Como o Sinal avalia o que disse a Administração Central do BCB?

A – O Sinal saúda a submissão do Projeto a audiência pública, supondo que haverá abertura por parte da Administração Central do Banco para levar em conta sugestões e críticas a ser oferecidas pela Comunidade BCB.

B – O Sinal critica veementemente o uso de catracas como instrumento de Gestão do Trabalho dos servidores do Banco, entendendo ser tal uso um enorme retrocesso em relação ao modelo ora em vigor de assinatura de Folha Individual de Ponto. A nosso ver, encontra-se mais do que demonstrado, na atualidade, que o mero controle de entrada e saída de um trabalhador de seu local de trabalho não assegura incremento de produtividade, de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT).  Muito ao contrário disso, tal controle conduz muitas das vezes a situações de queda de produtividade, de piora do clima organizacional, de diminuição de QVT, de esgarçamento de laços empregado-empregador.

C – O Sinal diverge, totalmente, da fixação da jornada exclusivamente em oito horas diárias de trabalho. A nosso juízo, não é razoável a Administração Central do Banco, em pleno século XXI, ser incapaz de perceber o significativo conjunto de mudanças hoje em curso no mundo do trabalho, e, a partir de tal percepção, formular alternativas minimamente em consonância com tais mudanças. As exitosas experiências em torno do teletrabalho, por exemplo, não deveriam   deixar de ser consideradas no Projeto do Banco.

III – O que, então, o Sinal propõe?

A – Ampla participação da Comunidade BCB no processo de audiência pública do Projeto. Com vistas a isso, o Sinal criou Grupo de Trabalho, que encontra-se, no momento, produzindo Relatório Final de suas atividades (ver Relatórios Preliminares dos três Subgrupos do GT no Apito Brasil QVT, Edição 23, de 01.10.2013).

B – Utilização de catracas tão somente para fins do indispensável controle de acesso às dependências do Banco, sem qualquer tipo de uso como instrumento de Gestão do Trabalho dos servidores da instituição. Encontra-se amplamente aceito, nos dias atuais, nos meios acadêmico e empresarial, nacional e internacional, o entendimento de que trabalhadores, em geral, e trabalhadores intelectuais – de que são exemplo os servidores do BCB -, de modo muito particular, são mais produtivos e felizes quando a Gestão do Trabalho à qual encontram-se submetidos  não é de natureza impositiva, burocratizada, controlacionista, mas, sim, de feitio dialogal, informal, negocial. É, por certo, um grave equívoco imaginar que uma máquina, qualquer máquina, possa substituir a relação humana existente entre um chefiado e seu chefe. Metas de produção, locais de trabalho, horários de trabalho etc. podem e devem ser objeto de ajustes entre gerentes e geridos.

C – Criação de alternativas à jornada de trabalho de oito horas, aí incluído o teletrabalho, em suas variadas formas. Caso não haja amparo legal para a adoção de tais alternativas, deve-se partir para a formulação e o encaminhamento a quem de direito de propostas concretas nesse sentido. (É, para nós, expressão de miopia administrativa  simplesmente constatar que uma iniciativa não pode ser adotada porque a norma não permite. Como foi dito já há muito tempo, “não é o homem que deve servir ao sábado, e sim o sábado ao homem”: Jesus Cristo, em um sábado, dia proibido para o trabalho para os judeus, por se reportar ao dia do descanso de Deus após a Criação, percebendo a multidão faminta ao seu redor, desconsiderou a norma então vigente e orientou seu povo a colher espigas de milho – trabalhar, portanto – para mitigar sua fome).
 

Uma vez mais, nosso destino se encontra
exclusivamente em nossas mãos!

Somente juntos somos fortes!  

 

(ADICIONALMENTE AO QUE ATÉ AQUI FOI APRESENTADO, SOLICITAMOS A VOCÊ A ATENTA LEITURA DO TEXTO QUE SEGUE, VISANDO UMA MAIS EFETIVA PARTICIPAÇÃO DE SUA PARTE NO PROCESSO DE AUDIÊNCIA PÚBLICA DO PROJETO DE FLEXIBILIZAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO DO BCB. A QUESTÃO É COMPLEXA E, ASSIM SENDO, SOMENTE DEVE SER TRATADA, A NOSSO JUÍZO, COM A DENSIDADE POR ELA REQUERIDA).
 



IBGE:

Ponto eletrônico ou “taylorismo digital”? (1)


Miguel A. P. Bruno (2)


Em um sistema de produção baseado nas novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC), que permitem justamente flexibilizar os processos de produção e de trabalho, o controle deve ser efetuado principalmente por resultados. A freqüência conta menos do que os resultados alcançados por funcionário ou equipe (e isto é particularmente muito claro para nós, na ENCE, em razão da avaliação da Capes). O “taylorismo digital” constitui uma das modalidades do neotaylorismo que, em sua origem histórica, foi desenvolvido para controlar o tempo de trabalho dos operários, para extrair-lhes o máximo de excedente econômico com o menor custo para a organização.

Preocupações com a liberdade de criar, com o estresse ou a saúde do trabalhador não são levadas em conta. Todavia, essas práticas gerenciais adaptavam-se às características das antigas bases técnicas produtivas fordistas (taylorismo + mecanização) baseadas em tecnologias não flexíveis e respondiam às exigências de ganhos crescentes de produtividade daquela época. Consequentemente, o ponto eletrônico modifica apenas a forma, mas não o conteúdo e a lógica da gestão tipicamente taylorista do tempo e do processo de trabalho. O relógio de ponto é simplesmente substituído pelo digital. Futuramente, talvez até o final deste século, o chefe imediato poderá ser substituído por um robô ou “androide”, devidamente programado para controlar a equipe de funcionários, mas a natureza da gestão tayloriano-fordista permaneceria.

 
Seis questões

Quando transpomos essa perspectiva para o âmbito do IBGE, várias questões surgem, mas aqui listarei apenas seis delas.

1. O salário é também um fator de incitação ao trabalho, não apenas o controle de frequência. Neste sentido, a teoria econômica moderna já reconhece o papel fundamental do chamado “salário de eficiência”, ou seja, a remuneração adequada ou necessária para fazer o trabalhador “vestir a camisa” da empresa. Dada uma taxa de salário estagnada (como é o caso nesta instituição governamental de serviços) e onde os ganhos de produtividade não podem ser mensurados como no setor industrial, o mero cumprimento de uma jornada de 8 horas não assegura jamais a melhoria de qualidade e quantidade dos serviços prestados pela instituição. O controle eletrônico de frequência tenderá a reduzir o “voo externo” (de alguns servidores), mas não o “voo interno”. Para reduzir este último, seria necessária uma aplicação completa da agenda taylorista no IBGE: a mobilização de gerentes-capatazes sempre dispostos a reprimir e punir os morosos, os dispersos e que furtam sorrateiramente a jornada de trabalho de 8 horas fixada pelo governo. O curioso é que os servidores DAS 4, 5 e 6 ficam fora do controle, o que denota discriminação direta com o pessoal do assim chamado “chão de fábrica”. Estes devem ser enquadrados no taylorismo digital. Como se trata obviamente de taylorismo, a alta burocracia cuidou muito bem para autoexcluir-se e preservar sua liberdade de ir e vir sem maiores constrangimentos. Por outro lado, os níveis DAS 1, 2 e 3 foram incluídos porque como são os que efetivamente convivem no dia a dia com os funcionários do “chão de fábrica”, o seu não enquadramento criaria imediatamente problemas de gestão de pessoal.

2. Não foi realizado um estudo prévio sobre as especificidades dos processos de trabalho desenvolvidos no IBGE e na própria ENCE, levando-se em conta as particularidades, vantagens e limites das NTIC, no que concerne à gestão de pessoal e à própria produção dos serviços prestados. Uma atividade que há 20 anos exigia horas ou dias para ser executada, pode atualmente ser implementada em minutos, com os recursos de informática. Considerando-se uma jornada de trabalho institucionalmente rígida, e agora tayloristicamente controlada, mas sob condições de remuneração praticamente imutáveis, a exploração do trabalho dos funcionários terá lugar mediante o que se denomina “aumento da intensidade do trabalho”. Um exemplo claro da falta de uma compreensão mais qualificada do novo paradigma tecnológico disponível e de suas implicações para o IBGE pôde ser observado ao final da greve dos servidores, em 2005. Os grevistas foram premidos a “pagarem” as horas de paralisação, permanecendo por tempos extras à jornada de 8 horas ou compensando aos sábados. Todavia, muitos apenas cumpriram formalmente a obrigatoriedade da presença extra, sem que isto significasse na prática um excedente de trabalho ou de resultados concretos para a instituição (provavelmente aumentando os gastos de energia e telefone do IBGE). Em outros termos, em sua grande maioria, os servidores simplesmente ficaram mais tempo “presos” na instituição sem terem o que efetivamente fazer de produtivo, porque as NTIC são muito mais produtivas do que as tecnologias anteriores e fazem muito mais com muito menos tempo de trabalho. Uma gestão mais realista, e mais consciente do potencial das NTIC, conclamaria as chefias para listar as pesquisas e trabalhos atrasados em razão da greve. Em seguida, fixaria prazos objetivos para os servidores grevistas concluírem essas atividades, não havendo necessidade nenhuma de compensações formais e estéreis do ponto de vista produtivo.

3. As novas bases técnicas proporcionadas pelas NTIC possuem aplicabilidade multissetorial, com os microcomputadores podendo operar de qualquer lugar, incluindo nossos lares. O atual paradigma tecnológico tem, portanto, possibilitado a realização de trabalhos fora do âmbito das organizações, inclusive com qualidade igual ou superior às realizadas sob o controle imediato ou a presença física do gerente. Basta um computador, os softwares e as bases de dados. Embora não institucionalizado no IBGE, sabe-se pelo convívio com os colegas, tanto da ENCE quanto de outras unidades, que já é frequente a realização de trabalhos nos lares dos funcionários. Para muitos, levar trabalho para casa virou mesmo rotina. Sobretudo, quando há problemas na rede para acessar os dados que precisamos para trabalhar. Todavia, esta atividade institucional (já que se refere a serviços da instituição), mas extra organizacional (porque se realiza fora da mesma), não é computada como tempo de trabalho, apesar de se incorporar aos resultados do IBGE. É uma atividade não remunerada, que permite ao governo ganhos extras de produtividade com custo zero, mas sem que isto nos reverta em ganhos salariais concretos.

4. Parece-me que o controle rígido das nossas viagens, inclusive, quando não implicam em ônus para a instituição – conforme relatados nos e-mails de colegas –, são sintomas claros de preocupações administrativas que se inscrevem numa gestão neotaylorista das relações de trabalho. Enquanto tais, não contribuem em nada para a melhoria das atividades desenvolvidas na instituição, embora possam satisfazer concepções autoritárias e centralizadoras de gestão.

5. A necessidade de coibir os “abusos” de funcionários que desaparecem da instituição quando deveriam estar presentes não justifica o retorno às práticas tayloristas, numa época em que o paradigma tecnológico é pós-fordista. Existem alternativas gerenciais mais criativas, que impediriam que todo o coletivo de trabalhadores pague por condutas irregulares de alguns colegas.

6. Outra questão relevante e que não está sendo considerada refere-se aos custos implícitos no funcionamento do “novo-antigo” sistema de controle taylorista de ponto: os servidores certamente passarão boa parte do tempo de trabalho envolvidos com expedientes burocráticos de justificativas de entradas e saídas fora do intervalo de 8 horas. Outros custos não poderiam nem mesmo ser expressos monetariamente, como o estresse causado pela preocupação adicional de evitar descontos indesejáveis em folha de pagamento. Numa gestão moderna adaptada às novas tecnologias, a preocupação vital para a organização deve estar centrada nos resultados esperados do processo de trabalho. A mera presença física do servidor não garante nem é mais pré-condição imprescindível à execução em qualidade e quantidade necessária dos produtos e serviços que deve executar. 

O controle de ponto eletrônico não deve ser apreendido como algo trivial, dotado de racionalidade óbvia, que se justifica por si mesmo, sendo simplesmente necessário a uma instituição “moderna”, que precisa dar o “bom exemplo” de gestão de pessoal e coibir os abusos no setor público brasileiro. 

No contexto de uma atividade de serviço como a desenvolvida pela ENCE e pelo IBGE, a gestão digital da frequência deveria ser objeto de uma ampla e profunda discussão com o pessoal mais afetado e que faz efetivamente o IBGE funcionar para a sociedade. Mas, lamentavelmente, a prática da gestão no setor público brasileiro tem permanecido alheia às implicações do novo paradigma tecnológico e às necessidades materiais e humanas dos servidores. Haja vista a contenção salarial brutal e incompatível com uma administração moderna de pessoal Consequentemente, penso que corremos o risco de sermos modernos apenas em tecnologia, pois continuaremos arcaicos ou anacrônicos nas relações de trabalho necessárias para utilizá-la. 

(1) Artigo publicado no Jornal dos Economistas, Corecon-RJ e Sindecon-RJ, Nº 206, setembro de 2006.
(2) Economista do IBGE, Professor e Doutor em Economia pela EHESS de Paris e IE/UFRJ.


 

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