Servidores públicos, os eternos vilões
O portal Gazeta do Povo veiculou no último domingo, 4 de junho, reportagem intitulada “1% da população recebe 20% do orçamento da União. Quem são? Os servidores” (Fernanda Trissoto, com Estadão Conteúdo). Diante do contexto e argumentos apresentados pela publicação, cabe alguns esclarecimentos pontuais sobre peculiaridades que foram deixadas de lado na abordagem editorial.
A matéria parte do pressuposto de que os gastos com os servidores públicos, apresentados como exorbitantes, impedem que o governo invista em outras áreas sensíveis para a população. O discurso fácil reforça uma falsa impressão criada no imaginário popular de que o funcionalismo público consiste num antro de trabalhadores acomodados, altamente privilegiados e que nada fazem para a sociedade brasileira.
O texto simplesmente desconsidera o fato de que para que o Estado possa prestar seus serviços à população, com vistas a garantir o bem-estar social, função precípua de qualquer governo, há a necessidade absoluta das ações dos servidores públicos, sem os quais a sociedade estaria desassistida.
Não há educação sem os professores, saúde sem os médicos e nenhuma outra prestação de serviços à sociedade sem os agentes públicos correspondentes.
Omitida, igualmente, a realidade de diversos órgãos da administração pública, como o próprio Banco Central do Brasil, que convivem com alta defasagem em seus quadros, o que impõe mais dificuldade ao servidor, se considerado o desafio de manter serviços de qualidade com um efetivo bem abaixo de suas demandas. A este panorama, soma-se, em alguns casos, a falta de estrutura física com a qual convivem outras carreiras, como profissionais da educação, da saúde e da segurança pública.
Como consequência, a argumentação descontextualizada endossa a escalada de ataques ao setor, como visto no debate da reforma previdenciária, em que a categoria é utilizada como bode expiatório em uma suposta caçada a privilégios por parte do governo, que visa apenas expor à execração da sociedade o seu eterno vilão, o servidor público.
“A previdência dos funcionários públicos também é uma loucura. E aí não se gasta com saúde e educação para bancar isso”, afirma o economista André Gamerman, da Opus Gestão, à Gazeta, completando que salários e regras de aposentadoria acentuam as diferenças entre os setores público e privado. Na afirmativa, mais dois casos postos fora de um contexto mais aprofundado: 1) Mesmo diante dos recentes reajustes, a categoria segue sofrendo com a corrosão inflacionária de seus salários, que crescem abaixo dos preços do mercado; 2) Os novos servidores já estão sujeitos à percepção de aposentadorias limitadas ao teto do regime geral.
O caso do BCB
Ao apresentar gráficos inerentes ao horizonte salarial do setor, a média do corpo funcional Banco Central do Brasil aparece desvinculada dos demais órgãos do Executivo, sugerindo que estamos num patamar remuneratório bem superior ao de carreiras de Estado congêneres, o que, de fato, configura um quadro oposto à realidade.
A distorção falaciosa somente se dá porque a folha de pagamentos do BCB, por não ser processada pelo Siape, sistema que gere folhas de quase todas as carreiras do Executivo, foi destacada das demais, enquanto aquelas que fazem parte do topo do Executivo, com remunerações superiores às nossas, foram incluídas, para o cálculo da média dos seus salários, no pacote que inclui todo o restante do funcionalismo.
O Banco Central do Brasil é constituído de corpo técnico altamente qualificado, que detém a missão de assegurar a solidez do Sistema Financeiro Nacional e garantir o poder de compra de nossa moeda, ações que refletem na rotina de todos os brasileiros, e sua importância para a nação é que deve ser ressaltada e valorizada.